Durante a noite de quarta feira, dia 7 de Janeiro, houve mais uma série de despejos forçados no Rio de Janeiro na favela do Metrô-Mangueira. A aproximadamente 500 metros do estádio do Maracanã, onde vai acontecer a Copa do Mundo de 2014, 40 famílias foram expulsas brutalmente de suas casas pela policia militar, com uso de spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo.
Infelizmente, este ato não surpreendeu ninguém que vem acompanhando as preparações para os megaeventos esportivos no Rio de Janeiro. Isso pois, milhares de pessoas já foram despejadas em razão das obras e atividades de especulação imobiliária relacionadas com os eventos. Milhares de famílias foram abandonadas pelo Estado, receberam indenizações bem abaixo do valor de mercado, ou foram realocadas em áreas distantes da cidade como Cosmos, em plena violação da Lei Orgânica da cidade. Como é que ainda são possíveis esses tipos de ações 12 anos depois do Estatuto da Cidade?
O Estatuto da Cidade, que é de 2001, obriga todas as cidades com mais de 20.000 habitantes a terem um plano diretor que segue uma serie de normas para garantir a participação efetiva de parte da população. Quando o Estatuto entrou em vigor, houve um prazo de 5 anos para as cidades ou implementarem ou revisarem seus planos diretores em acordo com as novas diretrizes. Nesta época, o Rio de Janeiro tinha um Plano Diretor decimal, de 1992, em vigor, porém, com a extensão de prazo alargada para mais 5 anos, ele venceu em 2006. Houve uma prorrogação na Câmara de Vereadores para estender o prazo para mais dois anos, entretanto, o novo Plano Diretor só foi aprovado na Câmara em Fevereiro de 2011.
Durante este vácuo legislativo entre o fim do prazo do Plano Diretor antigo e a implementação do novo plano, uma série de leis foram criadas para facilitar especulação imobiliária relacionada à Copa do Mundo e os Olimpíadas. Além disso, o prefeito Eduardo Paes emitiu o decreto N.32080 de 07 de Abril de 2010, que autoriza despejos em chamadas áreas de risco, que vem sendo usados como uma ferramenta política, como no caso do Morro da Providência onde o plano é de despejar aproximadamente um terço dos moradores. Levando em consideração o fato de que não havia um plano diretor em vigor neste período, será que estas medidas jurídicas são legais?
Durante uma entrevista feita recentemente, Alex Magalhães, advogado e professor do IPPUR /UFRJ, comentou sobre este aparente vácuo legislativo.
“O Estatuto é uma lei nacional de política urbana, então todos os planos diretores devem guardar consonância com ele. Os planos diretores são um dos momentos de realização do Estatuto, de concretização, efetivação desse. Então, pode-se ser arguido pelo ponto de vista técnico jurídico a incompatibilidade entre o Plano e o Estatuto de maneira que o plano se torna ilegal a luz de uma lei nacional.”
Alex disse que durante o processo da revisão do Plano, os movimentos sociais e alguns vereadores procuraram o Ministério Publico com uma serie de reclamações legais, mas o Ministério Publico não promoveu nenhuma medida contra o município. “Não arguiu a improbidade administrativa do prefeito e dos vereadores por conta do atraso na revisão,” ele falou, “isso não aconteceu no município do Rio. Em outros municípios aconteceu.”
Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares, acha que, apesar das questões sobre a ilegalidade das ações da prefeitura, é difícil imaginar que há uma solução jurídica para garantir direitos. “Tudo que foi feito até agora não levou a nada. Há certa armadura entorno destas relações de direitos que fazem parte de um grande acordo entre o judiciário e o poder público. A gente vê isso no Tribunal de Justiça aqui e vê também na Defensoria, e até no Ministério Publico. Então, não vejo como juridicamente, pelo menos aqui localmente, a gente possa preservar direito nenhum, infelizmente não. A gente pode fazer frente a essas violações com uma mudança de comportamento da população,” ele enfatiza, “mas se depender do judiciário, este processo garantirá apenas a gentrificação, expulsão, que não serve para ninguém. Só a luta com organização popular vai garantir alguma coisa.”
Fonte: Fórum Nacional de Reforma Urbana
Fotografia: Francisco Chaves Fonte da imagen: Mídia Informal