Em defesa da agroecologia, Fisenge é contra o PLS 531/15

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De autoria do Senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), o Projeto de Lei do Senado 531, de 2015, propõe a regulamentação da profissão de “agroecólogo”. A matéria seria discutida na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado ontem (6/4), mas foi retirado de pauta com a ausência da relatora, senadora Lucia Vania. Segundo Maximiliano Garcez, consultor legislativo da Fisenge, trata-se de um projeto que, na mesma linha de inúmeras outras proposições, visa a atender interesses privados na criação e comercialização de cursos de graduação segmentados. Ao contrário do que possa parecer, regulamentar a profissão de “agroecólogo” pode significar fragilizar esta forma de produção agropecuária sustentável. “A pulverização do conhecimento não traz benefícios para a visão sistêmica, que envolve a produção agrícola, questões ambientais e sociais da profissão. As especializações devem ser estimuladas, a exemplo do que já ocorre na Medicina. A agroecologia é uma das linhas de estudo da Agronomia”, destacou o engenheiro agrônomo e diretor da Fisenge, Eduardo Piazera, também presidente do Sindicato dos Engenheiros Agrônomos do Estado de Santa Catarina (Seagro-SC).

A Fisenge encaminhou ofícios expondo estes pontos aos senadores da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, onde o relatório do PLS encontra-se pronto para votação antes de seguir tramitação. Destacamos, abaixo, os principais motivos.

1. A agroecologia
A Agroecologia representa uma das formas de produção agropecuária sustentável, resultando na chamada produção orgânica. Enquanto área específica do conhecimento, não se sustenta sem os conhecimentos de áreas afins, essas sim contempladas de forma conjunta em cursos de Agronomia, de Engenharia Florestal e em parte na própria Engenharia Ambiental, entre outras.

2. A agroecologia é multisdisciplinar
Segundo especialistas, o termo “agroecologia” pode ser entendido como “uma disciplina científica, como uma prática agrícola ou como um movimento social e político”. Nesse sentido, a agroecologia não existe isoladamente. Como exemplo, podemos citar a própria Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que, em sua unidade Meio Ambiente, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos, ministra o curso de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural, em nível de Mestrado, desde 2006. As vagas deste mestrado são oferecidas aos profissionais das áreas agronômicas, biológicas e humanas, uma vez que a agroecologia é interdisciplinar. Outro exemplo que materializa este enfoque é dado pela Universidade Federal da Fronteira Sul, que oferece o Curso de Graduação em Agronomia com ênfase em Agroecologia, ou ainda pela Universidade Federal de Viçosa, que oferece Curso de Pós-Graduação em Agroecologia em nível de Mestrado Acadêmico, com formato interdepartamental e agregando competências e corpo docente dos Departamentos de Fitotecnia, Nutrição e Saúde, Solos e Zootecnia.

3. As atribuições do “agroecólogo” já fazem parte da Agronomia e cursos afins
Todos os vinte e cinco itens, sem exceção, descritos no artigo 3º do PLS como atribuições do futuro “agroecólogo”, já são atribuições que fazem parte do currículo dos cursos tradicionais que formam engenheiros agrônomos e afins, não se justificando por isso o argumento usado pelo propositor e pela relatora, Senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), de que haverá demanda para tal profissional no futuro.

4. A agricultura orgânica está em franco crescimento no Brasil
Na verdade, esta demanda já existe e é perfeitamente atendida pelos cursos já existentes no mercado. Graças a isso, a agricultura orgânica, que utiliza entre outros os conhecimentos da agroecologia, ganha cada vez mais espaço na cadeia agrícola brasileira. Em 2014, ela movimentou cerca de R$2 bilhões e a expectativa é que em 2016 este número alcance R$2,5 bilhões, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O mercado nacional de orgânicos espera crescer entre 20% e 30% em 2016. O produtor de orgânicos ainda carece de mais políticas públicas, como crédito rural diferenciado, direcionamento da pesquisa e extensão rural, além de infraestrutura e logística adequadas às características da produção e do mercado específico. Em 2015, tínhamos 11.084 produtores no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, gerenciado pelo MAPA. O banco de dados é liderado pelos estados do Rio Grande do Sul (1.554), São Paulo (1.438), Paraná (1.414) e Santa Catarina (999). A área de produção orgânica no Brasil abrange 950 mil hectares. Nela, são produzidas hortaliças, frutas, cana-de-açúcar, arroz, café, castanha-do-brasil, cacau, açaí, guaraná, palmito, mel, sucos, ovos e laticínios. O Brasil exporta para mais de 76 países. Os principais produtos exportados são açúcar, mel, oleaginosas, frutas e castanhas. Com esses dados, evidencia-se equivocada a justificativa do autor ao afirmar que “Muito embora o Brasil seja incipiente nessa área, em países europeus, a exemplo da Alemanha, este sistema de produção há muitos anos faz parte de políticas públicas do Estado e se tornou modelo a ser implementado em outras partes do mundo”. Ora, na segunda metade da sua justificativa, o Senador convalida nosso relato de que o que falta no Brasil não é uma profissão distorcida como a proposta, mas políticas públicas para a expansão da produção orgânica com base agroecológica orientada por engenheiros agrônomos e outros profissionais da área.

5. O uso de agrotóxicos não diminui com uma nova profissão
Na mesma linha, os argumentos citados pelo Senador autor e pela Senadora relatora do PLS com relação ao “absurdo uso de agrotóxicos” no Brasil, em nada têm a ver com a existência ou não do profissional graduado “agroecólogo”. O próprio autor se contradiz, usando de forma distorcida informações da Embrapa, e reconhece isso ao afirmar que “…não são poucas as derrotas acumuladas pelos movimentos sociais na garantia de mecanismos que reduzam o uso dos agrotóxicos no país”. Ou seja, é notório que a produção mais sustentável com menor uso ou sem uso de agrotóxicos não está na dependência da criação de novas profissões, mas sim de políticas públicas e da demanda da própria sociedade. A Senadora relatora, ao afirmar que “Enquanto os agrônomos, via de regra, estão envolvidos com a produção agropecuária de larga escala – diga-se de passagem, um dos poucos setores que vem obtendo sucesso econômico na atualidade – há um largo espaço para o avanço na exploração de novos produtos alimentícios orgânicos, livres de agrotóxicos”, desconsidera milhares de engenheiros agrônomos que atuam na assistência técnica e extensão rural voltada a produção de pequena e média escala, onde temos o maior percentual de produtores orgânicos.