Wagner Alves, representante dos empregados da empresa, analisa que privatizar distribuidora aumentaria o preço da energia sem melhorar sua estrutura
Por José Coutinho Júnior, para o Brasil de Fato
Movimentos populares têm se mobilizado em Goiás contra a privatização da distribuidora de energia do estado, a Celg. O Projeto de Lei (PL) 8449/15 do governo federal visa a inclusão da empresa no Programa Nacional de Desestatizacão (PND) (Foto: Marcelo Santos/USP Imagens).
Em defesa da manutenção da empresa como propriedade estatal, manifestantes de organizações como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Frente Brasil Popular ocuparam o prédio do Ministério da Fazenda, em Brasília (DF), no dia 27 de janeiro.
Nesta quarta-feira (3), ocorre em Goiânia (GO) uma audiência pública com representantes do Ministério das Minas e Energia, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de entidades que contestam o processo de privatização da estatal.
Para Wagner Alves Vilela Júnior, engenheiro elétrico e representante dos empregados da Celg no conselho de administração da empresa, a privatização não trará nenhum benefício para o consumidor, os trabalhadores ou o estado; pelo contrário, o retorno ao estado será mínimo, e as tarifas tendem a aumentar para o consumidor.
“O que queremos da Celg é que ela não entre nisso de ‘privatizar vai melhorar’, até porque isso não acontece, e sim que ela receba investimentos e possa dar bons resultados para o estado e sociedade”, afirma.
Confira abaixo a entrevista de Wagner para o Brasil de Fato sobre a privatização da Celg:
Qual o argumento que o estado usa para privatizar a Celg?
O principal argumento é a questão econômica, de que o estado não tem dinheiro para continuar investindo na distribuição de energia e a alternativa é vender para o setor privado, para que este possa fazer seus investimentos, gerando melhoria da qualidade dos serviços para o consumidor.
Essa é a mesma justificativa da década de 1990, quando se iniciou a privatização das distribuidoras de energia. 50 das 63 distribuidoras foram privatizadas. Mas quando olhamos para as empresas que já foram privatizadas, vemos que “vender para melhorar” não foi o que aconteceu.
As empresas privatizadas ou mantiveram a mesma qualidade de quando a empresa era pública, ou quebraram.
Além disso, o Estado não fez caixa com as privatizações, porque vendeu as empresas com uma mão, fazendo o leilão da concessionária, mas financiou os compradores com a outra, através do BNDES.
É isso o que nos motiva a lutar contra a privatização. Não há benefício nenhum, nem para o cidadão, nem para os trabalhadores.
Por que não se privatizou todas as distribuidoras de energia na época?
Por diversos motivos. Em algumas, como na Celesc, de Santa Catarina, ocorreu uma ação muito forte dos funcionários, similar o que acontece em Goiás agora. Na Celg, o leilão ia ocorrer em 2001, mas teve a crise do apagão e ele não aconteceu.
E como estão essas empresas distribuidoras estatais em relação às privadas?
Vemos algumas estatais excelentes, tanto na parte técnica quanto na econômica. A Copel do Paraná foi premiada como a melhor concessionária da América Latina em novembro do ano passado, a Celesc de Santa Catarina, a Cemig [de Minas Gerais], todas atendem bem o consumidor e funcionam, tendo resultado financeiro bom, que gera dividendos para o Estado e seus acionistas.
Por mais que a Celg não esteja bem no momento, com dívidas e defasada na área técnica, é uma questão de investir para revitalizar a rede que está sucateada.
O que queremos da Celg é que ela não entre nisso de “privatizar vai melhorar”, porque não acontece, e que ela siga o caminho dessas distribuidoras, dando um resultado bom para o estado, que possa usar esses dividendos em prol da sociedade.
Como a privatização da Celg afetaria o bolso do consumidor?
Olhando o rank de tarifas e concessionárias no Brasil, vemos que as empresas privadas têm um reajuste tarifário maior que as públicas.
Se a Celg for privatizada, a tendência é que a sua energia seja mais cara, se compararmos o que tem acontecido com as demais empresas privadas.
Isso acontece porque quando tem um empresário que é dono, ele vai querer um maior retorno de capital e lucratividade.
Qual seria o impacto da privatização para os trabalhadores?
A empresa tem que continuar funcionando. Mas é uma incógnita o que aconteceria com os empregados, dependeria muito do perfil do novo dono. Ele pode manter os trabalhadores, ou fazer um programa de substituição.
O que é certo é que deixaria de existir o concurso público, que é uma porta de entrada onde qualquer cidadão poderia pleitear ser um empregado de uma empresa pública.
Por que a Celg não está numa situação boa?
Ela está assim porque tem sido usada ao longo dos anos pelo estado para atividades alheias à distribuição de energia
Por exemplo, a Codemim, mineradora no norte do estado: o governo, para poder incentivar o crescimento da região, ofereceu subsídios tarifários e impostos na questão da energia para a empresa se instalar. Ao invés do estado bancar esse desconto de imposto, foi a Celg que bancou.
Por 10 anos, a Celg bancou um subsídio que devia ser do governo federal, o que impactou na perda de mais de um bilhão de reais nas suas contas.
A empresa sacrificou seu caixa ao longo dos anos, de tal forma que hoje ela não tem recursos para manter e fazer expansões e melhorias do sistema que deve fazer e falta dinheiro para fazer investimentos.
Quais são as melhorias que a Celg precisa?
A Celg, de 2006 pra cá, tem passado por uma falta de investimento e expansão na sua rede de energia muito grande.
É necessário um volume grande de investimento, para poder voltar a oferecer ao consumidor uma qualidade de energia satisfatória. E o investimento no setor dá retorno financeiro ao estado, é algo que para ele vale a pena.
Se vale a pena para o estado, porque privatizar?
Porque a Celg oferece uma das maiores capacidades de lucratividade, basta uma margem de investimento que proporcione isso. Por isso, essa ganância atrás da aquisição da empresa.
Como você vê os protestos em defesa da Celg?
Estamos num momento chave, pois o governo tem acelerado a fase de privatização. Tanto o governo estadual quanto o federal dizem que não têm interesse de recuar no processo de privatização da Celg.
Esse apelo popular de diversos seguimentos das sociedade organizada, como movimentos sociais e sindicais em defesa da Celg, é que nos dá um fio de esperança de que o processo pare, semelhante ao que ocorreu em Santa Catarina, quando tentaram a privatizar a Celesc.
Fonte: Brasil de Fato