O Dia Internacional de Luta das Mulheres, 08 de março, é uma data em que se costuma ocupar ruas, praças, auditórios e estradas, através de passeatas, reuniões, intervenções ou batucadas; na qual as bandeiras de luta e gritos de ordem em defesa dos direitos das mulheres, contra as violências e por igualdade ecoam com mais força, não porque as mulheres precisam de um dia para lutar, mas porque, reivindicando um histórico de luta, é dia de reafirmar que ainda há muito para se conquistar.
Em 2021, diferente dos anos anteriores, devido à pandemia da COVID-19, as agendas e intervenções precisaram ser modificadas. Atos virtuais, intervenções presenciais de menor grau, alertam para as pautas e desafios das mulheres brasileiras, sejam no tocante aos desafios já existentes ou os escancarados pela pandemia, como fome, desemprego, aumento da jornada de trabalho ou aumento da violência.
Marli Souza Fagundes, camponesa e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) destaca que, no Brasil, além do fator patriarcado, outro que agrega com muita força é o racismo. “Em nosso entendimento ele (o racismo) também é estruturante, se a gente olhar nossa realidade, a maioria da população e dentro dela as mulheres, que são maioria nesse contexto brasileiro. Se a gente traz o olhar para as mulheres camponesas, em sua diversidade de vivências, a gente percebe um aumento de grau nos desafios, visto que, no campo, alguns traços patriarcais são mais fortes dessa dita tradição em que o homem se sobrepõe à mulher. Isso repercute em várias situações que não são novidades para a gente, desde violência, não só física, mas toda uma violência que se constrói dentro do lar, até o trabalho cotidiano, nas lavouras, a importância do que se faz desde os quintais, enfim é algo muito forte para nós camponeses e camponesas”, observa.
Marli chama atenção para o momento político atual delicado. “Por um lado, a gente vê o aumento da população empobrecida, o aumento da fome, o aumento de doenças, para além das que já existiam, mas que se fortalecem, e também no âmbito da saúde mental que tem se tornado forte e atingindo sobretudo as mulheres. Aí a gente não precisa nem dizer sobre o aumento exacerbado de mortes e também as decisões políticas irresponsáveis do poder executivo. E, por outro lado, a gente vê estruturas fundamentais como a da saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS), a educação, no âmbito também da reforma agrária, da agricultura familiar sendo sucateadas a cada dia. Sem falar nas privatizações. Direitos historicamente conquistados sendo extintos, um aumento exacerbado do preconceito em suas diversas formas”, pontua.
A camponesa ressalta que, ao mesmo tempo, as mulheres do campo e da cidade nunca deixaram de lutar. Pelo contrário, mesmo na pandemia, se reinventaram para o manuseio de tecnologias e se mantiveram em movimento. “Mesmo nesse contexto, vemos aí nas nossas vivências um grande mutirão de reinvenção e de solidariedade, mutirões de combate à fome, a partir de doações e vendas de cestas de alimentos saudáveis. Não é que não se encontre imensos desafios, são muitos. Mas aí também se encontra força para seguir sobrevivendo e lutando pela vida das outras pessoas. Eu posso citar o exemplo a partir do MPA, que é o mutirão contra a fome, que é uma campanha feita desde o início da pandemia e que se mantém”, relata.
Ela completa: “Seguimos produzindo muitos alimentos. Não temos parado, porque entendemos que é uma tarefa importante e que as mulheres sempre fizeram. E, nesse contexto, vem fazendo com muita responsabilidade e olhando a necessidade que a gente tem. E não nos isolamos politicamente. Acreditamos que somente a unidade com as várias organizações e as parcerias, com troca de experiência, nesse enfrentamento a gente pode seguir adiante. Acreditamos que isso vai passar, porque nós estamos lutando para isso e teremos sim dias melhores para as mulheres camponesas e da cidade”, finaliza.
Desvalorização e desigualdades salariais
Para Raquel Vasconcelos Ribeiro, engenheira eletricista da Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf, os desafios históricos das mulheres em várias áreas de trabalho começam com a falta de valorização e desigualdades salariais. “O não reconhecimento do trabalho, cobrança maior no desempenho, falta de oportunidades, assédio no ambiente de trabalho e dificuldade em ocupar cargos estratégicos importantes”, afirma.
A engenheira explica que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho – OIT, as mulheres ganharam em 2019, por hora trabalhada, na América Latina e Caribe, 17% a menos que os homens. “Na engenharia, os desafios são mais agravados devido ambiente de trabalho ser predominantemente masculino. Muitos profissionais não aceitam engenheiras em cargo de chefia, supervisão, coordenação, gerência ou que sejam responsáveis por liderar equipes”.
Raquel conta que há uma cobrança maior para as mulheres na qualidade e na agilidade das atividades, pois se trata de um ambiente predominante masculino. “Apesar de muitas empresas se preocuparem em modificar a cultura organizacional de seus ambientes de trabalho com programas de valorização da mulher e equidade de gênero, ainda se observa piadas, assédio moral e discriminação, preconceito e desconfiança reflexo dos desafios que ainda temos a percorrer”, reitera.
“Com a pandemia, os desafios aumentaram com o trabalho em home office onde tivemos, além do trabalho diário da empresa, o trabalho com as tarefas domésticas, cuidar de filhos e maridos, administrar a casa, resolver conflitos e ajudar em atividades escolares”, diz Raquel, que relata também sobre o aumento da cobrança, surgimento de novas demandas, reuniões e atividades alternativas para contornar a pandemia.
A engenheira conclui afirmando que “precisamos lutar por igualdade de gênero, empoderamento, respeito, reconhecimento e espaço, mostrando que podemos estar onde quisermos e que somos competentes e fortes”.
Agenda de lutas
Na Bahia, as mulheres que integram a Frente Brasil Popular organizaram um calendário de atividade, trazendo pautas como “Vacina para toda a população”, “auxílio emergencial, já”, e “Fora Bolsonaro”. Entre as ações estão a realização de lives, fixação de faixas e atos. Confira aqui.
Edição: Elen Carvalho
Fonte: Jamile Araújo / Brasil de Fato | Salvador (BA)
Foto: APUB Sindicato