O Clube de Engenharia sediou, em 20 de maio, o “Seminário Regional Sudeste: MP 868/18 – Marco Legal do Saneamento Básico” para debater os reflexos nos municípios e o impacto na sociedade brasileira das alterações propostas. A iniciativa do debate partiu de quatro comissões da Câmara dos Deputados: Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU), Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA) e Comissão de Legislação Participativa (CLP).
A MP 868/18 altera o marco legal do saneamento básico (Lei 11.445, de 2007), atribui à Agência Nacional de Águas (ANA) a competência para editar normas sobre o serviço de saneamento, e autoriza a União a participar de um fundo para financiar serviços técnicos especializados no setor. Determina, ainda, que a regulamentação de águas e esgotos, hoje atribuição dos municípios brasileiros, torne-se responsabilidade do Governo Federal, através da agência reguladora que ficaria responsável pela fixação das tarifas cobradas. Já os contratos de saneamento passariam a ser estabelecidos por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas.
Prejuízos para o abastecimento público
Além de Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, o seminário contou com a participação, na mesa de debates, de Clovis Nascimento, diretor-presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge); Lúcio Bandeira, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES); Ana Lúcia Britto, professora e pesquisadora da área de saneamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Jandira Feghali, Deputada Federal (PCdoB); e João Xavier, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Sintsama-RJ).
O presidente Pedro Celestino enfatizou, na abertura do encontro, que água é essencial à vida e não pode ser tratada como mercadoria e, ainda, que a proposta em pauta vai contra o conceito de saneamento e a possibilidade de universalização do abastecimento de água. Os prejuízos que a MP tende a trazer para o abastecimento público de água e esgoto foram apontados pela maioria dos participantes.
Em uma exposição detalhada sobre o assunto, o presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), Clovis Nascimento, apresentou as consequências da medida para o país. Para ele, um dos prejuízos mais graves é “romper com subsídio cruzado, atingindo diretamente a população mais pobre”. As consequências deverão impactar principalmente cidades pequenas, uma vez que as empresas privadas não terão a obrigação do subsídio cruzado. As cidades que dão lucro subsidiam o serviço naquelas deficitárias, o que faz com que empresas privadas optem por operar nas cidades superavitárias, tornando insustentável para as estatais operarem somente em municípios menores. “O subsídio cruzado vai desaparecer. A empresa privada não vai querer esses municípios e eles vão continuar na empresa pública”, esclareceu.
Medida inconstitucional
“Essa medida é uma afronta à constituição”, disse o presidente da Fisenge, registrando que é inconstitucional porque quer superar regras da própria Constituição brasileira. Tal afirmação se explica pelo prejuízo que a mudança traz: acabar com a possibilidade do contrato ser assinado por dois entes públicos, privilegiando nas licitações as empresas privadas, empresas que trabalham sob a lógica da maximização do lucro, que não abrange os mais pobres. “Privatizar o saneamento é prejudicar e condenar os pobres”, disse Clovis.
Atualmente, o Marco Legal do Saneamento Básico prevê que a gestão do serviço pode ser feita de três formas: através da administração pública direta (que é quando o próprio município se encarrega do fornecimento de água e esgoto); por meio de licitação para a contratação de empresas privadas; e também é comum a prática da utilização de contratos de programa, ou seja, deixar que empresas estatais, como a CEDAE, encarreguem-se do serviço. Caso a medida entre em vigor, a última opção deixa de existir. Nascimento lembrou que a privatização é um movimento que em muitos países não deu certo. Por fim, o engenheiro defende a titularidade municipal. “Queremos a democratização do saneamento”, concluiu.
Falência do Estado
Os retrocessos, no que diz respeito à democratização do saneamento e da água, foram apontados pela professora Ana Lúcia Britto, que questionou uma das motivações declaradas pelo governo para o lançamento da medida: a universalização do saneamento. Na opinião da geógrafa, o Governo Temer deixou de herança um desmonte nas estruturas de controle social e políticas públicas e redução de gastos com saneamento. “O governo é quem deve ser o condutor do processo de universalização do saneamento, e o que está acontecendo é exatamente o contrário”, criticou. A Geógrafa explicou que aproximadamente 40% da população brasileira ainda não têm acesso à água de forma adequada e citou a Região da Baixada Fluminense, onde boa parte da população tem água em casa de forma esporádica. Para finalizar, a pesquisadora declarou que é contra a medida: “A lógica do lucro não é compatível com a necessidade dos mais pobres”, disse.
João Xavier, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento do Rio de Janeiro (Sintsama-RJ), sugeriu que fosse feita uma carta aberta explicando à sociedade os prejuízos da MP 868/18 e defendeu a necessidade de maior mobilização de todos para esclarecer a sociedade: “Muitas pessoas ainda desconhecem os riscos que estamos correndo”.
Considerando que a MP não atende, em sua essência, o objetivo que a entidade prima como eixo central, ou seja, a busca da universalização com foco em ter saneamento em todo o país, o presidente da ABES, Lúcio Bandeira, reforçou a luta da instituição que preside pela derrubada do projeto: “Precisamos reafirmar que saneamento é um direito humano”.
Jandira Feghali também considera a MP inconstitucional e ilegítima, e destaca a importância do debate para o futuro do país, principalmente para o futuro dos mais pobres: “É um assunto que interessa a toda a sociedade brasileira. Estamos discutindo se vamos ter saneamento, se vamos ter água. Essa Medida Provisória faz parte de um projeto de falência do Estado, é contra o povo brasileiro”.