“Movimento vai radicalizar se governo leiloar petróleo”

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A euforia do governo brasileiro ao anunciar a auto-suficiência em petróleo e a descoberta do campo de Tupi não tem respaldo na postura dos movimentos sociais com relação aos rumos da exploração petroleira no Brasil. Desde o ano passado, um amplo espectro da esquerda brasileira deixou desavenças de lado e passou a elaborar atividades conjuntas para denunciar a perda de soberania nacional causada pelos leilões das bacias petrolíferas brasileiras.Segundo Antonio Carlos Spis, petroleiro e 1º tesoureiro da CUT, a tendência é o movimento se radicalizar, se o “governo ousar continuar leiloando petróleo”.

Em novembro passado, os movimentos ocuparam a sede da Agência Nacional de Petróleo (ANP), no Rio de Janeiro, para protestar contra a 9ª rodada de leilões. Com a descoberta do campo de Tupi, Spis acredita que a anulação dos leilões tornou-se ainda mais necessária. O sindicalista afirma que mesmo as 42 áreas em torno da bacia de Santos, cujos leilões foram suspensos, podem ser leiloadas em breve.

Leia abaixo a entrevista com o petroleiro.

Brasil de Fato – Como se deu a constituição do Fórum Nacional Contra a Privatização do Petróleo e Gás, e a partir de que leitura de conjuntura as entidades resolveram criar essa aliança?

Antonio Carlos Spis – Esse grupo foi construído coletivamente em torno da defesa da soberania nacional. Nós entendemos que a defesa contra os leilões de petróleo é a defesa da soberania nacional, que está acima dos Petroleiros, da CUT, do MST. Nós construímos uma grande aliança para fazer frente aos leilões. A agenda da ANP é uma loucura, e eu não distinguo a agenda da ANP da agenda do governo. Quando o governo diz que a culpa pelos leilões é da ANP e a ANP culpa o governo, é um jogo de empurra. Esse crime de lesa-pátria é responsabilidade do governo Lula, assim como era do governo FHC, Collor.

Todos os governos que trouxeram políticas neoliberais, privatistas, são entreguistas. Nesse aspecto, pelo cenário atual de grandes conquistas da Petrobras, se aprofunda ainda mais a distorção em relação à defesa do patrimônio e da soberania. Vemos agora, com o exemplo dos cinco anos da guerra do Iraque, quais são os objetivos do Bush. Quem não tem petróleo, tenta abocanhar com guerra e quem tem, procura preservá-lo. É inadmissível a gente ver o governo brasileiro entregando as reservas de petróleo, principalmente num momento em que se divulga grandes conquistas.

As descobertas na bacia de Santos são verdadeiramente promissoras?

Essas pesquisas geológicas, para detectar petróleo, demoram de 10 a 15 anos. A bacia de Santos, hoje, é onde nós podemos ter uma alavanca para o desenvolvimento nacional. São bilhões de barris de petróleo, grandes reservas de gás que podem ser exploradas. Ainda tem um tempo para que elas possam ser exploradas comercialmente, mas já estão detectadas. Existem difi culdades para buscar petróleo em grandes profundidades, nessa camada de sal e pré-sal, mas a Petrobras tem tecnologia para buscá-lo em profundidade que nenhuma outra empresa tem no mundo.

E qual o papel do Fórum em si?

Então, o grupo tem um acordo político. Lá estão a CUT, a Conlutas, a Intersindical e a CTB, praticamente todas as centrais sindicais que têm algumas divergências profundas, mas nesse ponto estão unidas. Nós conseguimos fechar um acordo político, no fi nal do ano passado, de que o grupo seria em defesa da soberania nacional, e que vai deliberar estratégias, calendário de mobilizações e ações ostensivas, se o governo ousar continuar marcando leilões de petróleo.

Na fundação desse grupo, vocês buscaram fazer um resgate histórico da campanha “O petróleo é nosso”, que deu origem à Petrobras?

Quando juntamos defensores da soberania nacional, petroleiros e movimentos sociais, isso sempre é lembrado. A primeira campanha depois do “Petróleo é Nosso” foi na década de 1950, a bandeira do “Monópolio Integral do Petróleo”. Nós temos cartazes recuperados pela CUT. Essa campanha não se restringia ao petróleo, englobava toda a cadeia da empresa nacional integrada. Isso foi se quebrando aos poucos, com as políticas iniciadas pelo Collor e pelo PlanoNacional de Desestatização. Mas isso está na memória, principalmente dos mais antigos. “O petróleo é nosso”, na verdade, é uma grande referência. Ninguém tem a idéia de repetir a campanha, porque a conjuntura é diferente. Mas a campanha tem idéias parecidas, porque tem o objetivo de tentar sensibilizar a sociedade para vir conosco nessa luta. Não adianta a CUT, o MST e a Conlutas ficar falando para nós mesmos.

Num artigo (publicado na Agência Brasil de Fato), o professor Carlos Lessa sugere que o Banco Central compre as ações do petróleo brasileiro que foram vendidas para empresas estrangeiras. Dentro deste fórum, essa idéia tem apoio?

Nós temos que ter algumas fases que precedam isso. Primeiro, temos que estancar esse procedimento absurdo de leilão. Quando se quebrou o monopólio estatal do petróleo e das telecomunicações, em 1995, a Petrobras foi obrigada a disponibilizar todas as suas áreas e dizer em quais ela queria continuar. Nessa época, iniciaram os leilões, que se realizam em hotéis de luxo, onde a gente não pode chegar perto, pois são cercados até por tanques de guerra. Nesses leilões, a Petrobras faz uma apresentação das suas áreas para as transnacionais, disponibiliza a sua inteligência e todo o esforço de investigação de petróleo e gás naquelas áreas. Aí vai para leilão, e a Petrobras disputa o que ela teve de investimento de décadas para se fazer a pesquisa. Ela é obrigada a dar um lance também. Qual é a malandragem das transnacionais? Elas tentam fazer uma ação compartilhada com a Petrobras. Nessa bacia de Santos, que deve ter cerca de 7 bilhões de barris [por dia], 25% das reservas já não são brasileiras. No terceiro leilão, algumas empresas deram lance no escuro. Eles compram e fazem lance no escuro porque sabem que a Petrobras vai achar petróleo. Nesse processo, não se leva em conta a dedicação dos nossos técnicos, não se leva em conta o investimento brasileiro feito pela Petrobras, para localizar petróleo.

Então a Petrobras vira uma empresa qualquer.

Competindo com outras. No mínimo, esperávamos do Lula que suspendesse os leilões. E tem motivo para suspender: a grande descoberta [do campo de Tupi]. O governo tem uma empresa com a maioria das ações, indica o presidente, tem garantia de que essa empresa apresenta resultados, tornou o país auto-sufi ciente recentemente e não confia na capacidade [da Petrobras] de fazer prospecção de petróleo e gás no Brasil? Nós não temos as mesmas condições lá fora que eles [transnacionais] têm aqui, são bem mais vantajosas aqui do que lá fora. Exemplo disso é que o petróleo que a Petrobras achou no Iraque vendeu a preço de banana. Há uma situação desigual.

A postura do governo, nessa área, coincide com as políticas aplicadas em outras áreas?

Esse governo tem pontos extremamente positivos, mas achamos que vacilou três vezes: primeiro, na não-suspensão dos leilões da 9ª rodada de petróleo no ano passado [logo após a descoberta da bacia de Santos]; segundo, na renovação automática da concessão da Rede Globo; em terceiro, não querer nem ouvir o plebiscito que nós fi zemos contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Isso é um sinal muito grave de que há uma falta de sintonia com o movimento sindical, social e estudantil. Mas temos os pontos positivos, como a legalização das centrais sindicais e a criação de processos variados de inclusão social e acadêmica. Isso o governo tem, não dá para negar. Mas para nós que lidamos com o movimento social, essas questões são muito sérias, porque nos envolvemos e nos mobilizamos. Amanhã, estaremos nos mobilizando contra a privatização da CESP [horas após a entrevista, o leilão foi cancelado], promovido pelo governo do PSDB. Nós temos certeza de que o Serra nem quer ver a nossa cara, para nós isso é da natureza da direita. Agora, se a esquerda também não quer ver a nossa cara, é um grande desrespeito com esses setores que eu citei.

Há uma previsão para novos leilões?

O 8º leilão foi suspenso, porque descobrimos falhas no processo de licitação e entramos com uma liminar. Principalmente porque provamos que estavam sendo leiloadas áreas onde existe petróleo, então é um investimento sem risco, é só fazer um buraco que o petróleo espirra na cara. Cassaram a liminar agora, e estava previsto um novo leilão em março. A 8ª rodada não está suspensa, a qualquer momento ela pode ser marcada. Por isso, nós marcamos um seminário nacional para o 27 de março. O governo não parou os leilões. O que fizeram, após a descoberta da bacia de Santos, foi retirar 42 áreas em torno das jazidas, desconhecendo a conquista que viria depois, a do pré-sal. Há um campo inexplorado, de grandes conquistas por aparecer, que pediria mais seriedade no encaramento dessa questão. Eu duvido que alguma pessoa séria do Brasil questionaria a suspensão dos leilões. Leiloando áreas, se entrega o que você não sabe o que é ainda. Essas 42 áreas preservadas voltam a leilão com a cassação da liminar da 8ª rodada. É absurdo isso. Se conseguirmos truncar esse processo de leilões, podemos realizar um bom debate sobre o marco legal e a lei brasileira de petróleo. O Sérgio Gabrielli [presidente da Petrobras] falou que quer discutir o marco legal, mas não dá para fazer isso leiloando. Tem que parar os leilões e discutir os marcos legais.

Qual é a sua avaliação sobre o roubo de informações sobre a bacia de Santos, ocorrido em fevereiro? Houve negligência?

Eu ainda acho que aquilo foi armado. Eu não tenho segurança para seguir a tese da Polícia Federal, de que foi um furto comum, de que quem furtou nem sabia o que tinha lá. É muito suspeito que dados confi denciais estejam num contêiner e num lap top daquele tamanho. Os técnicos e engenheiros da Petrobras utilizam equipamentos bem menores para guardar dados confi denciais. Eu mantenho minha suspeita. Isso é gravíssimo. Logo após a 9ª rodada, acontece uma coisa dessa. Talvez, na próxima rodada de licitação, alguma empresa morda a língua e cuspa alguma informação que não deveria possuir.

Há uma promiscuidade entre o setor público e privado? Existem denúncias, desde o governo FHC, de que diretores da Agência Nacional do Petróleo (ANP) têm relações com o setor privado. Há vazamento de informações?

Se isso está acontecendo eu não sei. Mas o fato é que as agências reguladoras são um covil, em que há loteamento de territórios entre partidos políticos. A ANP hoje é controlada pelo PCdoB. O movimento social não viu nenhuma diferença do tratamento da ANP em relação à política de desestatização conduzida por outras agências controladas por outros partidos. O Haroldo Lima [Diretor-Geral da ANP] é insensível na discussão conosco. No dia do leilão, em 28 de novembro passado, ocupamos a sede da ANP no Rio de Janeiro, com MST, UNE, Conlutas… Eu conversei com o Haroldo pelo celular, à noite, e argumentei: “Venha aqui, senão não vamos desocupar”. Mas ele disse: “Já leiloou tudo”. Respondi que não interessava, que queríamos discutir. Ele acabou indo para lá. Fizemos um debate e ele foi intransigente nas posições de direita, mantendo a importância dos leilões, que tinha arrecadado bilhões, dizendo que não poderia suspender porque isso seria um atraso, um desrespeito, e que se a Petrobras estava em outros países, os outros países podem estar aqui também. Discussões muito rasteiras. Da virada do ano para cá, conversei diversas vezes com ele para realizarmos um debate com a posição da ANP. Mas ele fugiu. Infelizmente, ele, que é um companheiro do PCdoB, com história, tem um papel frustrante, nesse episódio, para o movimento social e estudantil.

Fonte: Agência Brasil de Fato

Foto: Site CUT

Este artigo foi publicado em 03/04/2008 às 18:10 na seção Notícias.