A ausência de um sindicato forte que representasse de fato os caminhoneiros parados gerou um impasse nas negociações e fez com que a pauta dos empresários prevalecesse no acordo firmado com o governo
Foto: Roberto Parizotti
As confusas negociações entre o governo de Michel Temer (MDB-SP) e os caminhoneiros, que pararam o Brasil durante dez dias, se transformaram em um exemplo clássico de como um sindicato forte e representativo pode fazer de fato a diferença na hora de defender os direitos da classe trabalhadora.
O governo chegou a anunciar um acordo três dias depois do início da paralisação para, depois, descobrir que a categoria não se sentia representada pelos sindicalistas que estavam na mesa de negociação. Visivelmente sem liderança, caminhoneiros de todo o território nacional tinham uma pauta mais ampla do que a que estava sendo negociada, no Palácio do Planalto, em Brasília, por entidades patronais e de trabalhadores, que milhares de trabalhadores disseram estrada a fora que não lhes representavam.
Depois de muito vai e vem, a mobilização terminou com a promessa de redução de R$ 0,46 no preço do litro do diesel por 60 dias – depois desse período, os ajustes serão a cada 30 dias -, além de uma medida provisória isentando de pagamento de pedágio os eixos suspensos de caminhões vazios, um reivindicação da qual os trabalhadores não abiram mão.
Para o procurador João Hilário Valentim, coordenador Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis), do Ministério Público do Trabalho (MPT), o que mais chamou a atenção em todo o processo foi a ausência de representantes legítimos dos trabalhadores paralisados, seja por meio de sindicatos ou associações.
“Eram várias pautas e reivindicações difusas, os interesses dos trabalhadores acabaram se misturando aos dos empregadores sem deixar muito claro quais eram as pautas dos trabalhadores.”
Na opinião do procurador, as reivindicações do movimento se misturaram a dos empresários tanto que o debate se era greve ou locaute durou alguns dias. E no contexto confuso, diz ele, o que prevaleceu foi a pauta patronal, atendida porque estava mais organizada.
“A aversão e falta de representatividade de um sindicato ou associação que tivesse inserção entre os caminhoneiros dificultou a visualização e a canalização dos interesses e direitos desses trabalhadores. Faltou clareza na pauta de reivindicações, um problema causado claramente pela falta de um sindicato forte na mesa de negociação”, afirma.
Lições da greve
Tanto para o procurador João Hilário quanto para a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Graça Costa, a mobilização dos caminhoneiros deixou pelo menos duas lições para a classe trabalhadora.
A primeira é que a criminalização e a desconstrução por parte do empresariado da instituição ‘sindicato’, com apoio maciço da mídia conservadora, são prejudiciais à classe trabalhadora, que fica desorganizada, sem poder para combater a pauta de retrocesso que ignora a manutenção e ampliação dos direitos. E pior: fica sem representantes preparados para apresentar e lutar por suas pautas de reivindicações.
“A greve dos caminhoneiros mostrou que, sem um sindicato organizado, as negociações tornam-se inócuas e o movimento pode assumir fases de descontrole”, diz Graça Costa.
Segundo ela, os patrões e o governo sabem que, se não há interlocutores fortes e organizados, não há negociação e não há acordo que se cumpra. “Por isso, a CUT quer a revogação da reforma trabalhista, que reduziu drasticamente os direitos do trabalhador/a e está inviabilizando a organização dos sindicatos e a negociação coletiva”.
A segunda lição é que existe um momento novo nas relações de trabalho no Brasil, especialmente a partir da aprovação da nova lei, que tudo fez para tentar diminuir o papel dos sindicatos no País, tornando ainda mais importante a luta contra a campanha de criminização dos sindicatos.
“Quem faz o sindicato é o trabalhador. Então há uma lógica midiática que trabalha na separação entre sindicato e trabalhadores que é falsa. É preciso trabalhar para quebrar essa coisa de que sindicato é uma coisa e trabalhador é outra”, analisa o procurador João Hilário.
A secretária de Relações do Trabalho da CUT, Graça Costa, concorda. Para ela, sem trabalhador o sindicato não é nada e eles têm de entender isso.
“Quando o trabalhador ocupa o espaço dentro da entidade sindical, ela se torna uma instância efetiva de representação dos seus interesses, um lugar onde ele pode ir para debater direitos, procurar a solução de conflitos diários ou negociar suas campanhas salariais, melhores condições de trabalho e renda.”
Graça destaca, ainda, uma terceira lição: “a dificuldade que os sindicatos encontram em organizar os trabalhadores e as trabalhadoras que não estão concentrados num local de trabalho, como é o caso dos motoristas de caminhão e a maioria que se encontra hoje no setor de serviços”.
“Esse é um desafio cada vez maior na organização sindical do Brasil” – Graça Costa
Novas relações de trabalho
O procurador João Hilário alerta ainda que, numa época em que o desemprego atinge mais de 13 milhões de trabalhadores e são criados mais bicos e empregos sem carteira assinada do que empregos formais, é importante institucionalizar a solução dos conflitos resultantes da realidade imposta pela nova legislação trabalhista.
“As direções dos sindicatos precisam estar abertas a novos canais do mundo do trabalho que, necessariamente, passam a cuidar não só do trabalhador que tem uma carteira de trabalho assinada, mas também esse novo contingente de trabalhadores que estão aí sendo contratadas das mais variadas formas.”
A situação dos caminhoneiros é um bom exemplo, diz João Hilário. Ele lembra que, desde 2007, quando a Lei 11.442 liberou o transportador autônomo de cargas a trabalhar para uma única pessoa, muitos caminhoneiros empregados passaram a trabalhar na condição de autônomo ou Micro Empreendedor Individual (MEI) com exclusividade para uma única empresa.
“Então, na verdade, esse caminhoneiro continua trabalhando na condição de empregado só que sem os direitos trabalhistas. Ou seja, ele tem os ônus, que são os encargos dessa relação de prestação de serviço, mas não tem o bônus que é a contrapartida do contratante, de pagar os direitos decorrentes de uma relação de trabalho subordinado”, esclarece o procurador.
Desmonte dos sindicatos
A supressão da contribuição sindical, um dos itens aprovados na reforma trabalhista, faz parte do amplo contexto de precarização das relações de trabalho.
O objetivo do governo, que atendeu as exigências do empresariado, liderados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi o enfraquecimento dos sindicatos por meio do fim contribuição sindical justamente no momento em que as entidades sindicais são chamadas a ter maior responsabilidade, como nos casos de negociação das dispensas coletivas e da homologação das rescisões contratuais.
“A contribuição sindical se tornou facultativa em plena recessão econômica, reduzindo entre 88% a 90% a receita de alguns sindicatos brasileiros. Aí quando os sindicatos precisam promover suas ações sindicais, ficam inviabilizados porque não se tem dinheiro para produzir o mínimo necessário”, critica o procurador do MPT, lembrando que “para colocar um carro de som na porta da fábrica, é preciso ter dinheiro para comprar gasolina.”
Segundo a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Graça Costa, a Central tem debatido com os sindicatos filiados formas de autossustentação financeira. “É preciso fazer campanhas de sindicalização e trazer os trabalhadores para dentro do sindicato, assim garantiremos efetiva representatividade e uma sustentação financeira democrática”, diz.
FONTE: CUT / Escrito por Luciana Waclawovsky e Marize Muniz