Coleta e tratamento de esgoto cresce apenas 0,4% ao ano; na região Norte quase 95% estão sem atendimento
Eduardo Sales de Lima, Agência Brasil de Fato
O Brasil tem um déficit de 53% no atendimento da coleta e tratamento de esgoto. Mais da metade dos brasileiros vivem em condições precárias. E o pior, desde 1992, o acesso à coleta e tratamento de esgoto cresce apenas 0,4% por ano. Esses números constam no estudo realizado pelo economista Marcelo Neri, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Neri destaca que, nas áreas metropolitanas, 37% dos domicílios não são cobertos pela rede geral de tratamento de água e esgoto. Seu estudo surpreende ao revelar que, em Porto Alegre (RS), em particular, e na região Sul, em geral, as taxas de acesso ao saneamento básico estão em níveis inferiores aos do Nordeste. O Sul tinha 13,5% da população atendida pela rede de tratamento de água e esgoto, em 1992, e hoje o índice é de 25,8%. De 2003 a 2006, a média per capita anual de investimento em saneamento nessa região com recursos federais foi de R$ 7,07. Outra surpresa. No Rio de Janeiro, em terceiro e quarto piores lugares estavam Rio das Ostras e Búzios, destinos turísticos e áreas ricas por conta dos royalties de petróleo.
O estudo aponta que o Sudeste é a única região onde a maioria da população é atendida pela rede de água e esgoto, 75,6%. O Nordeste tem 26,3% e foi a região que mais recebeu investimentos federais entre 2003 a 2006, cerca de R$ 10,83 por pessoa/ano. A segunda região com melhor índice é a Centro-Oeste, 30,47%. A região Norte apresenta um cenário bem abaixo da média nacional, com míseros 5,24% de atendimento.
25 anos em 4
O orçamento do saneamento básico no Brasil tem, basicamente, três fontes: o Orçamento Geral da União, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), por meio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Os dois últimos se enquadram na lista de recursos onerosos (empréstimos). Ainda há recursos dos próprios Estados e municípios. De 2003 a 2006, foram desembolsados pelo governo federal R$ 6,3 bilhões para a área de saneamento.
Porém, a tímida ação governamental no setor da infra-estrutura social não tem sido privilégio do governo atual. “O Brasil ficou 25 anos sem investir em saneamento ou habitação. O início do ajuste fiscal coincidiu (não por acaso) com o recuo nos investimentos no ano de 1980”, explica a urbanista e ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato.
Para ela, o investimento de R$ 40 bilhões alardeado pelo governo federal pode se tornar um sério risco para as contas públicas, apesar de sua necessidade. “O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com a previsão de investimento de R$ 40 bilhões em 4 anos, é menos do que é necessário para resolver o problema, mas é muito mais do que o Estado brasileiro tem capacidade de gastar hoje”, atesta.
Ermínia reitera que a capacidade operacional do Estado foi destruída durante 25 anos de ausência de políticas sociais e entende que, mesmo que a política de saneamento não tenha sido a adequada na segunda metade dos anos de 1970, a falta dela trouxe de volta as epidemias nas cidades.
PAC
Segundo Márcio Galvão Fonseca, diretor de Água e Esgoto do Ministério das Cidades, o órgão possui um orçamento do FGTS que não tem sido possível de ser aplicado. “Não é porque não tenha o orçamento. Ele estava disponível. O problema é que Estados e municípios e as companhias de saneamento, na maioria, não conseguiam pegar esses recursos. Agora, o PAC vem ajudar a obtê-los”, explica.
Márcio afirma que o Conselho Monetário Nacional (CMN), em decorrência do PAC, vai aumentar o limite fiscal (endividamento) do setor público durante o período de implementação do programa e os recursos colocados pelo FGTS poderão, assim, ser retirados. “A gente inicia uma nova realidade nunca vista antes de investimentos. Estimamos R$ 178 bilhões para universalizar o acesso de água e esgoto aos brasileiros” afirma Márcio. Ou seja, de acordo com o Ministério das Cidades, se fossem investidos R$ 10 bilhões por ano durante 20 anos na área de saneamento básico, seria possível atender toda população.
Essa universalização do saneamento básico, porém, dificilmente pode ser alcançada dentro dos moldes do PAC, que terá recursos do Orçamento, do FAT, do FGTS e do setor privado. Para Edson Aparecido da Silva, assessor técnico de saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), as regiões não-rentáveis economicamente ainda podem sofrer muito com a falta de saneamento.
“Isso acontece porque os investimentos necessários para resolver o problema de coleta e tratamento de esgoto são muito altos e sempre tiveram dificuldade no financiamento. “Acre, Rondônia e Pará têm entre 50% e 61% da população com rede de abastecimento de água. É um número muito baixo. Santa Catarina, Amazonas e Tocantins têm entre 30% e 50% da população que tem abastecimento de água”, aponta Edson.