Nenhum dos líderes mundiais que no domingo deram os braços em solidariedade às vítimas de Paris se pronunciou sobre o massacre de duas mil mortes na Nigéria – nem mesmo o presidente do país, que na ocasião estava na festa de casamento de sua filha.
A manhã mal tinha começado quando as explosões causadas pelos lança-granadas fizeram com que os moradores da pequena cidade de Baga – no nordeste da Nigéria, quase na fronteira com Chade – fugissem para se esconder no mato. Os agressores, combatentes do Boko Haram, passaram a persegui-los de moto enquanto atiravam a esmo suas metralhadoras, sem necessariamente mirar nas vítimas, mas acertando-as mesmo assim. Os que se refugiaram em suas casas foram queimados vivos; outros morreram afogados, enquanto tentavam chegar no país vizinho nadando pelo Lago Chade – os que sobreviveram nessa empreitada estão agora isolados, sem comida e inacessíveis em Kangala, uma ilha infestada de mosquitos no meio do lago.
Isso aconteceu há dez dias e muitos dos corpos continuam estirados no local onde tombaram. As mortes estimadas pelas autoridades do país podem passar de duas mil – um sobrevivente afirma que não conseguiu andar por cinco quilômetros sem pisar em algum cadáver.
Não houve chefes de Estados entrelaçando seus braços e ninguém marchou em solidariedade por eles nas ruas de alguma capital do mundo – de fato, muitas pessoas mal ficaram sabendo da tragédia nigeriana, ocorrida dias antes dos assassinatos na França.
No domingo (11), diversos líderes africanos voaram para Paris a fim de participar da marcha pela liberdade de expressão e contra o terrorismo, apesar de muitos não terem conseguido sair na foto principal. Não noticiou-se nenhuma prestação de condolência por parte deles em relação à tragédia que ocorreu em seu próprio continente – na realidade, nem mesmo o presidente do país, Goodluck Jonathan, se pronunciou sobre o massacre em Baga.
Todavia, o presidente nigeriano não se juntou a seus pares na marcha de solidariedade em Paris: ele estava celebrando o casamento de sua filha e no dia seguinte estava em um comício na cidade de Lagos – mês que vem ocorrerão as eleições na Nigéria e Jonathan buscará sua reeleição.
Ao citar em seu editorial a morte de 800 mil pessoas em Ruanda, em 1994, e de mais de 6 mil vítimas do vírus ebola, em 2014, por diversos países na África Ocidental – antes que o Ocidente começasse a se indignar com as tragédias –, o editor do jornal The Namibian, Wonder Guchu, tirou apenas uma conclusão: “É solitário morrer na África”.
Fonte: Por Vinicius Gomes; Fórum