“Lutarei até o fim para que possam ser mantidas as conquistas trabalhistas”, afirma Ministra Delaíde Miranda Arantes

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

Os direitos trabalhistas e previdenciários estão em risco com as propostas de reforma no Congresso Nacional. No auge das discussões sobre os projetos, que irão, entre outros itens, igualar a idade entre homens e mulheres, a Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Miranda Arantes afirma que propostas como essas “não deram certo em lugar algum do mundo, não geram mais empregos, não resolvem problemas na economia e nem seguram crise política.” A magistrada ficou conhecida nacionalmente após aprovar a Emenda Constitucional 72, que regulamenta o trabalho doméstico. Nesta entrevista à Fisenge, a ministra conta sobre sua trajetória profissional e explica os prejuízos aos direitos dos trabalhadores com as reformas propostas.

Fisenge: Como foi a sua trajetória até se tornar Ministra?
Delaíde: Iniciei a carreira jurídica como estagiária em escritório de advocacia dois anos antes da colação de grau no curso de Direito, no início dos anos 80. Fui advogada trabalhista por 30 anos, em Goiânia, e há seis anos tomei posse no cargo de Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, na vaga destinada ao Quinto Constitucional da Advocacia. Fui escolhida em lista tríplice pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e nomeada pela Presidenta Dilma Roussef em fevereiro de 2011. No início da minha carreira profissional, trabalhei em torno de 1 ano como empregada doméstica na minha cidade natal, Pontalina, distante 130 quilômetros da Capital. Fui recepcionista de médico, em Pontalina, e já em Goiânia, para onde me mudei no início dos anos 70, em empresa de Engenharia Civil, Auxiliar e Chefe de Escritório numa casa de material de Construção chamada Lauro Faria e Auxiliar de RH e Secretária Executiva de uma empresa multinacional, onde trabalhei por quase sete anos e pedi demissão para iniciar o estágio no escritório de advocacia trabalhista.

Fisenge: Está em curso uma reforma da previdência que irá igualar a idade entre homens e mulheres. Qual a sua avaliação?
Delaíde: Sou desfavorável a todos os pontos da reforma previdenciária proposta nesse momento. É certo que prejudica homens, mulheres e crianças, mas mais certo ainda que prejudica em maior nível as mulheres. A Previdência não é deficitária e, mesmo que fosse, os trabalhadores e a população mais carente e necessitada de saúde e previdência não são responsáveis por eventuais descuidos administrativos ou desvios de finalidade, assunto que vem sendo explicitado a cada dia mais, enquanto o governo federal tenta fazer crer em um rombo que não tem solução.

Fisenge: Por que o desmonte e os cortes de orçamento na Justiça do Trabalho?
Delaíde: Os cortes orçamentários tiveram início em 2016, tendo iniciado toda a polêmica pelo então relator do orçamento, Deputado Ricardo Barros, que hoje é Ministro da Saúde. O discurso do parlamentar, claramente preconceituoso, injusto e partiu de uma visão pessoal, talvez fruto de sua experiência como empresário, para provocar ataques à Justiça do Trabalho. Claro que a Justiça do Trabalho precisa se aperfeiçoar a cada dia para entregar uma prestação jurisdicional mais célere, como preconiza a Constituição Federal, e sempre caberá o aperfeiçoamento da gestão, tanto do Tribunal Superior do Trabalho, como dos Tribunais Regionais do Trabalho, que são 24 ao todo, mas, para isso, existe o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CGJT) e Corregedorias Regionais em todos os tribunais, além de todo o mecanismo judicial para que sejam punidos atos praticados contra a lei ou as normas regentes.

Fisenge: Por que a CLT tem sido tão atacada e qual a importância desse instrumento?
Delaíde: A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é atacada desde a sua promulgação há 74 anos. Esse movimento para acabar com a CLT não é, portanto, novo. Alguns segmentos do setor econômico ou da sociedade a classificam de antiga, ultrapassada, desatualizada, falam em flexibilização, mas a CLT já sofreu ao longo do tempo mais de mil alterações, o que mostra que não é desatualizada. E a flexibilização de que fala esse setor, na realidade, é precarização, é a volta ao Estado Mínimo, à ausência completa de normas, ao liberalismo. E todos nós que conhecemos a História sabemos como irá terminar se for levada a cabo a precarização do trabalho. São propostas que não deram certo em lugar algum do mundo. Não geram mais empregos, não resolvem os problemas da economia, nem seguram crise política alguma. Sou contrária à reforma trabalhista proposta, e à previdenciária também. O que se pretende não é reformar, nem flexibilizar. É pôr fim ao Direito do Trabalho e a toda forma de proteção, estabelecer o Estado Mínimo sem espaço para a proteção dos realmente necessitados da proteção estatal. O neoliberalismo implementado na Europa e em países como França e Espanha não resultou em melhorias nas condições de vida do povo nem gerou mais emprego. Apenas foram beneficiados o mercado, o setor financeiro, as grandes fortunas, as multinacionais.

Fisenge: Quais os prejuízos da terceirização?
Delaíde: Hoje, já se sabe que os empregados terceirizados trabalham mais e recebem salários inferiores aos efetivos da empresa. Eles se acidentam mais, têm um número maior de acidentes com morte. Ou seja, a terceirização precariza o trabalho, coloca o trabalhador em maior grau de risco e, cria condições para o mercado explorar os trabalhadores. A terceirização também é um grande foco de corrupção, têm sido denunciados incontáveis casos de corrupção envolvendo propina em contratos de terceirização de serviços. A nossa Constituição Federal está assentada na valorização da pessoa humana, de sua dignidade, na valorização da função social do trabalho e, nessa perspectiva, o trabalho não é mercadoria e o trabalhador não poderá ser tratado nem tido como mercadoria, como ocorrerá se aprovada a terceirização ampla proposta.

Fisenge: Quais os prejuízos de uma aprovação do negociado sobre o legislado?
Delaíde: É interessante observar que o negociado sobre o legislado para conferir direitos e benefícios além dos previstos em lei, para o trabalhador, já existe. A negociação coletiva para conferir mais direitos já é permitida e foi ampliada com a Constituição de 1988. Observe que o mesmo setor econômico que defende terceirização, reforma previdenciária e precarização dos direitos trabalhistas via reforma trabalhista é o mesmo que insiste no que chama de negociado versus legislado. Ou seja, autorização legal para negociar a exclusão de direitos, de garantias, a redução salarial e o aumento da jornada de trabalho. As propostas de reformas, de terceirização, flexibilização em seu conjunto, são prejudiciais aos trabalhadores, à sociedade e ao próprio setor econômico, se for analisado com toda clareza sob os aspectos aqui levantados. Estaremos de volta ao liberalismo.

Fisenge: A categoria de engenheiros, por exemplo, tem uma lei própria, que define o Salário Mínimo Profissional (4.950-A/66). As categorias diferenciadas também serão afetadas?
Delaíde: Toda a sociedade, o mundo jurídico, os trabalhadores, os Engenheiros e todas as categorias, diferenciadas ou não, sofrerão prejuízo irreparável com a implementação das medidas propostas, neste momento, no Brasil. Em 2016, 19 dos 26 ministros do TST assinaram e divulgaram documento em Defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Ambos os documentos podem ser localizados na internet, pois foram amplamente divulgados. De minha parte, integro o Grupo de Pesquisa da UnB, Constituição, Cidadania e Trabalho, coordenado pela Profa. e vice-diretora da Faculdade de Direito da UnB, Gabriela Neves Delgado. Na condição de cidadã brasileira e no exercício da cidadania que a Constituição a todos assegura, lutarei até o fim para que possam ser mantidas as conquistas trabalhistas, sociais e previdenciárias. Também lutarei para que o Direito do Trabalho se fortaleça dia a dia e a Justiça do Trabalho possa se aproximar da sociedade e, assim, aprimorar a entrega da prestação jurisdicional.

Foto:  Aldo Dias / Secom-TST

Texto: Camila Marins