Lei Maria da Penha corre risco de retrocesso

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De acordo com o projeto do novo Código de Processo Penal, crimes de violência contra a mulher serão descriminalizados

Alvo de constantes ataques e críticas de setores mais conservadores da sociedade, a Lei Maria da Penha, corre risco de enfraquecimento no combate aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Atualmente, o projeto do novo Código de Processo Penal, que tramita na Câmara (PL 8045/10), oferece brechas para que a descriminalização desses crimes ocorra. Isso porque o PL revoga parte da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e incorpora outros aspectos.  Apesar de a Lei Maria da Penha, estabelecer que a Lei dos Juizados não possa ser aplicada aos casos de violência contra a mulher, com a mudança no Código Penal, há a possibilidade de uso dos chamados “institutos despenalizadores”.  Criados pela Lei 9.099/95, essas medidas oferecem alternativas aos processos criminais, como doação de cestas básicas, prestação de serviços à comunidade, dispensa da fiança e abrandamento das penas dos infratores nos crimes de violência contra a mulher.

Para a coordenadora geral da Casa da Mulher Trabalhadora (Camtra), Eleutéria Amora da Silva, essa mudança no Código Penal oferece o perigo de banalização da violência doméstica. “Há um falso discurso de que as mulheres estão colocando os homens trabalhadores na cadeia, homens de bem que não fizeram nada de errado. A questão é que crime é crime. A nossa sociedade avançou e chegamos num momento histórico que se o homem cometeu um crime tem que pagar por isso. O que é preocupante é o retrocesso da lei. A atual lei pune, estabelece a prisão preventiva, a prisão em flagrante, leis protetivas e, ao ser revogada, vai trazer de volta a punição como cesta básica. As mulheres não podem ficar à mercê da brutalidade de um sistema patriarcal”, disse.

Novas articulações

De olho nessa “ameaça” contra os direitos da mulher, a deputada Sandra Rosado (PSB-RN) elaborou o Projeto de Lei 3888/12, que deixa clara a proibição dos chamados “institutos despenalizadores”, aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família, no dia 24 de abril.  Segundo a parlamentar, a ideia é garantir que esses institutos não sejam usados pelos juízes e promotores nas ações de violência contra a mulher.  “Fazendo menção diretamente aos institutos, fica preservada a essência da Lei Maria da Penha”, acrescenta Sandra Rosado. O projeto será apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), e, se aprovado, segue para votação em plenário.

Mas, para Eleutéria, na luta contra a violência da mulher, é preciso ir além das politicas públicas de caráter incriminador e chegar até os setores de base, como a educação. “Temos a Lei Maria da Penha, temos a luta, temos o alerta, mas temos uma educação sexista. Os professores que saem das universidades têm que sair conhecendo a questão de gênero. Não podem reforçar o machismo. A educação é fundamental para que haja avanço na luta contra a violência da mulher”, concluiu Eleutéria.

A relatora na Comissão, a deputada Jô Moraes (PCdoB – MG), defendeu claramente o Projeto de Lei e comentou que avançamos na conquista da Lei, mas ainda falta muito para coibir, prevenir, punir e erradicar a violência doméstica. “Esta legislação, considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das mais avançadas do mundo, ainda registra o fato de que só 2% dos agressores são punidos. É preciso dar vazão aos milhares de processos instaurados, criar delegacias, Juizados Especiais de Crimes contra a Mulher, unidades de apoio às vítimas; padronizar os boletins de ocorrência (BOs); agilizar os atendimentos nas unidades de saúde, treinar pessoal e criar estruturas”, conta a deputada. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2009, 75.829 dos processos sentenciados, só 1.801 geraram punição do agressor.

Brasil entre os dez países com maior numero de assassinatos de mulheres

De acordo com a pesquisa Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher realizada pelo DataSenado, 13 milhões de brasileiras já sofreram algum tipo de agressão, o que corresponde a 19% da população feminina com 16 anos ou mais. E 700 mil brasileiras continuam sofrendo violência. A maioria das entrevistadas (71,3%) opinou que as mulheres agredidas só denunciam o fato às autoridades na minoria dos casos. O motivo, segundo 74%, é o medo do agressor. Em 65% dos casos, o agressor é o marido ou o companheiro. No entanto, os números da pesquisa demonstram que 80% das entrevistadas pensam que a lei por si só não é capaz de resolver o problema da violência doméstica e familiar. Essa descrença é corroborada por estatísticas. Apesar das lutas e de mecanismos de encorajamento e proteção às mulheres que denunciam os crimes, o Brasil continua entre os países com maior índice de violência contra a mulher. Em um ranking de 84 países, o Brasil ocupa o sétimo lugar no número de assassinatos de mulheres. Na América do Sul, só perde para a Colômbia e, na Europa, para a Rússia. Os números brasileiros desses assassinatos ainda são maiores do que os de todos os países árabes e todos os africanos. (Indicativos do Mapa da Violência 2012, publicação do sociólogo Júlio Jacobo).