Fonte: Rosely Rocha/CUT
Foto: Luciano Lanes/PMPA
A Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro decidiu na sexta-feira (30/6) sustar quaisquer demissões pela Eletrobras e suas subsidiárias, até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.385, ajuizada pelo governo Lula em face de ilegalidades no processo de privatização da Eletrobras, alvo de denúncia dos sindicatos dos eletricitários.
Com a decisão, ficam suspensas quaisquer demissões no programa de desligamentos de trabalhadores durante o período de 01 de maio de 2023 a 30 de abril de 2024.
A ação foi impetrada pelo escritório de Advocacia Garcez que representa o Sindicato dos Trabalhadores em Energia do Rio de Janeiro (Sintergia-RJ) e o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE).
Felipe Araújo, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) e da Associação dos Funcionários de Furnas (Asef), entidades que fazem parte do CNE, comemora a decisão da Justiça do Trabalho. Segundo ele, há um real risco ao sistema elétrico brasileiro com as demissões de pessoal experiente. “A Eletrobras está jogando fora um pessoal qualificado que faz serviço de alta complexidade em todas as áreas e o risco é real, principalmente pelo fato das equipes de operação e manutenção estarem extremamente reduzidas”.
Araújo argumenta, ainda, que a passagem do know how dos profissionais mais experientes aos mais novos não foi feita como deveria. Os aposentados e aposentadas que poderiam ter transmitido esse conhecimento foram todos demitidos. “Passamos 50 anos ensinando as pessoas a trabalhar no sistema elétrico. A empresa não pode substituir uma mão de obra que leva de cinco a sete anos para se qualificar por gente nova que busca no mercado via LinkedIn [plataforma de empregos e negócios]”, diz Felipe.
Na avaliação do movimento sindical, a pressa da atual direção da Eletrobras em dispensar os trabalhadores antes do prazo de dois anos, estipulado pelo último Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), tem a ver com a real possibilidade de o governo Lula se tornar majoritário antes de que sejam feitas as demissões em massa. Ou seja, visam garantir que os acionistas possam ter maior lucro.
Pelo ACT mediado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Eletrobras não poderá demitir 80% do seu quadro até 2024. Mas são os 20% restantes que estão sendo postos na rua antes do prazo final do acordo (abril de 2024). “Como a empresa não está dando o lucro desejado, a direção segue a cartilha neoliberal econômica de redução do quadro funcional para obter mais lucro”, afirma o dirigente.
O governo federal é o maior acionista individual da holding Eletrobras, com quase 43% das ações, mas não consegue trocar sequer um dos 11 conselheiros, por poder exercer, no voto, o equivalente a uma participação de apenas 10% (medida que a União está questionando na Justiça). .
“O que está em jogo não é uma disputa entre direita e esquerda, mas o risco ao sistema elétrico nacional com queda na qualidade do serviço prestado pela equipe técnica da Eletrobras, o que pode até impossibilitar a reindustrialização do país que precisa de energia”, alerta Felipe.
Os advogados do escritório Garcez, Diego Bochnie e Maximiliano Garcez, que representam o Sintergia, consideram a vitória obtida fruto da luta tenaz dos eletricitários contra os desmandos e arbitrariedades que a Eletrobras vem adotando desde a privatização. “A decisão protege os direitos de todos os trabalhadores da Eletrobras e subsidiárias e atende a interesses da sociedade brasileira como um todo, na medida em que todas as decisões a respeito do quadro de trabalhadores deveriam ter sido tomadas considerando a efetiva participação da União na composição acionária da Eletrobras.”
Os advogados destacam os trechos que consideram mais importantes da juíza Karine Loureiro Simão:
_”O Sindicato autor, em sua petição de ingresso, requer concessão de antecipação de tutela inaudita altera parte, para que seja determinada à ré a sustação de qualquer iniciativa no sentido de desligamento de trabalhadores, até o julgamento definitivo pelo C.STF da ADI 7.385, bem como, sucessivamente determinar a suspensão de qualquer programa de desligamentos de trabalhadores da segunda fase do quadro de desligamentos (de 01/05/2023 a 30/04/2024) até que: (i) demonstre o cumprimento de todos os requisitos do ACT para o desligamento dos empregados e empregadas;(ii) apresente o estudo de impacto das demissões nas relações de trabalho, na atividade fim e na prestação do serviço público essencial; e(iii) apresente, após a divulgação do PDV, prazo de adesão e compilação de empregados e empregadas que irão a ele aderir;(iii.a) a relação de todos os trabalhadores que serão desligados, e os motivos de terem sido escolhidos tais obreiros e a consequente programação das demissões; (iii.b) a relação de trabalhadores que contam com estabilidade legal ou convencional; e(iii.c) a relação de todos os trabalhadores da empresa, sob pena de multa diária a ser fixada pelo Juízo.
Do quanto se observa dos autos, verifica-se que, de fato, a empresa ré vem efetuando uma série de desligamentos do seu quadro de pessoal, sem informar, de forma clara, os critérios utilizados para tais demissões.”_
Prossegue a magistrada em sua decisão: “Não se pode negar que o empregador tem autonomia para estabelecer os parâmetros de concessão, sem que incida em ilegalidade, como no caso dos autos, sendo faculdade do empregado aderir ou não ao programa de estímulo à aposentadoria, com as regras que lhe são pertinentes.
Por outro lado, ainda que o empregado tenha ciência que, ao assinar o Termo de Adesão Voluntária, e tornar-se adepto do programa, será desligado da empresa, na modalidade de demissão sem justa causa, (conforme item 6.2 do Plano de Demissão de #d9090a3), com a quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas oriundas do contrato de emprego, o próprio item 6.3 prevê como se dará a operacionalização de tal dispensa pelas áreas responsáveis, sem que informe como se dará a ciência aos aderentes da data do efetivo desligamento, o que dificulta a recolocação do optante no mercado de trabalho. Desta forma, temos que ainda que não indicado na peça supramencionada, persiste a obrigação da empregadora em apresentar quadro demonstrando como e quando será feito o desligamento dos trabalhadores optantes pelo programa, e sobretudo qual foi o critério utilizado para a demissão definitiva dos requerentes.
Além disso, resta pendente de decisão no Supremo Tribunal Federal, a ADI 7385 ajuizada pela Advocacia Geral da União, que requer a suspensão de diversos artigos da Lei no 14.182/2021 (Lei de Desestatização da Eletrobrás), que gera ônus desproporcional ao ente estatal e lesão ao interesse público, violação aos mandamentos constitucionais que regem a atuação da Administração Pública, sobretudo quando à regra limitadora do direito de voto da União, assegurando à mesma voto proporcional à sua participação societária na Eletrobras, o que pode impactar todas as medidas a serem tomadas na empresa, inclusive a presente PDV instituída pela ré.
Ademais, cumpre registrar que não se vislumbra, in casu, prejuízos irreversíveis à ré em razão da validação da inscrição dos ora substituídos.
Assim, por considerar presentes os requisitos autorizadores do art. 300 do CPC, DEFIRO a antecipação de tutela, para determinar que a ré efetue a sustação de qualquer iniciativa no sentido de desligamento de trabalhadores, até o julgamento definitivo pelo C.STF da ADI 7.385, com a suspensão de qualquer programa de desligamentos de trabalhadores da segunda fase do quadro de desligamentos (de 01/05/2023 a 30/04/2024) até que: (i) demonstre o cumprimento de todos os requisitos do ACT para o desligamento dos empregados e empregadas;(ii) apresente o estudo de impacto das demissões nas relações de trabalho, na atividade fim e na prestação do serviço público essencial; e(iii) apresente, após a divulgação do PDV, prazo de adesão e compilação de empregados e empregadas que irão a ele aderir;(iii.a) a relação de todos os trabalhadores que serão desligados, e os motivos de terem sido escolhidos tais obreiros e a consequente programação das demissões.”
A venda da Eletrobras
A estatal foi vendida R$ 40 bilhões, abaixo do preço, pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), além de outras irregularidades apontadas pelo Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), que, no entanto, aprovou a venda em maio do ano passado .A União detinha 72% das ações e, com a capitalização, ficou com 43%.
O próprio presidente Lula qualificou a privatização da Eletrobras de um crime de lesa-pátria. “Você privatizou uma empresa daquele porte, e esse dinheiro é utilizado para pagar juros da dívida pública. Não parece que existem sinais que vai baixar o preço da energia para o povo brasileiro.”