Inconstitucionalidade no regime especial de trabalho

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

A Medida Provisória 936, de 1º/4/2020, institui o Programa de Manutenção de Emprego e Renda, durante o estado de emergência da Covid-19, cujo objetivo apregoado pelo governo é preservar os empregos, assegurar renda mínima aos trabalhadores e a continuidade das atividades empresariais.

Sem dúvida, estamos passando por um período especial da humanidade em razão da crise sanitária da Covid-19. Isto não justifica, contudo, o desrespeito à Constituição, que, em seu artigo 7º, consagra “a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (e não individual)”, e estabelece que (…) “a redução da jornada (somente ocorrerá), mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.”

Ou seja, a Constituição impõe que a redução de salários e de jornadas de trabalho sejam feitas por meio de acordos ou convenções coletivas, negociadas diretamente com os sindicatos. A questão que se coloca é se o governo, em consequência do período especial da crise sanitária da Covid-19, tem o poder de interferir nas relações de trabalho já estabelecidas, a fim de assegurar os empregos e a preservação das empresas. A resposta é positiva, porém o governo não pode reduzir salários e jornadas de forma prejudicial aos trabalhadores.

Assim, a interpretação que se deve fazer do pagamento do Benefício Emergencial proposto pela MP 936 deve ser no sentido de que o Seguro-Desemprego seja utilizado, em complementação, para manter os mesmos valores salariais recebidos por todos os trabalhadores, sem qualquer perda, seja em decorrência da redução da jornada de trabalho ou pela suspensão provisória do contrato de trabalho, que venham a ser convencionados.

Pela redação da Medida Provisória, no entanto, verifica-se que o governo insiste em impor perdas exclusivamente aos trabalhadores, quando, ao mesmo tempo, liberou bilhões de reais para socorrer os bancos, que já são beneficiados com o recebimento de mais de R$ 1 trilhão, conforme o orçamento aprovado para 2020 para o pagamento da dívida pública.

Como se não bastasse, e atendendo a pedidos de banqueiros e empresários, o governo editou num domingo (22 de março de 2020) a MP 927, que suspendeu o pagamento de salários dos trabalhadores, mas, diante das críticas, o presidente voltou atrás e (pasmem!) alegou ter assinado o documento sem ler!

O orçamento público é constituído pela arrecadação dos tributos pagos pelo conjunto da sociedade, em particular dos trabalhadores mais pobres (maioria quase absoluta da população), que consomem os seus poucos recursos para sua sobrevivência.

Desta forma, mais ainda no período especial pelo qual estamos passando, o orçamento público deve ser aplicado em benefício e defesa das pessoas. Assim deve fazer um governo comprometido com seu povo.

Em outra ação governamental contra os cidadãos, foi instituído pela Medida Provisória 936 o pagamento do “Benefício Emergencial de Preservação dos Empregos e da Renda dos Trabalhadores”, que, segundo o governo, tem por objetivo assegurar os empregos e a preservação das empresas, durante o período especial de combate à Covid-19, mesmo com a questionável redução de salários dos trabalhadores, que entendemos ser inconstitucional.

O benefício será implantado para:

A) Redução da jornada de trabalho:

 1) o empregador deverá informar a redução da jornada de trabalho ao Ministério da Economia no prazo de até 10 dias da data do acordo firmado com os empregados;

 2) o pagamento da primeira parcela do benefício pelo governo aos empregados ocorrerá no prazo de 30 dias, a contar da data em que o Ministério da Economia receber a informação da empresa;

 3) o valor do benefício terá como base o equivalente ao Seguro-Desemprego (cujo valor máximo atual é de R$ 1.813,03), aplicando-se o percentual de redução da jornada: de 25%, 50% ou 70%, mediante acordo com prazo de vigência de até 90 dias, preservando o valor do salário–hora em vigor.

B) Suspensão do contrato de trabalho:

 1) o empregador deverá informar a opção pela suspensão do contrato de trabalho ao Ministério da Economia no prazo de até 10 dias da data do acordo firmado com os empregados;

 2) o pagamento da primeira parcela do benefício pelo governo ocorrerá no prazo de 30 dias, a contar da data em que o Ministério da Economia receber a informação da empresa;

3) o valor do benefício terá como base o equivalente ao Seguro-Desemprego (cujo valor máximo atual é de R$ 1.813,03), aplicando-se o equivalente a 100% do valor do Seguro-Desemprego para os trabalhadores que sejam empregados de empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões, no ano calendário de 2019 (médias e pequenas empresas); ou 70% (setenta por cento) do equivalente ao Seguro-Desemprego para empresas com faturamento superior a R$ 4,8 milhões, no ano calendário de 2019, sendo os 30% restantes pagos pela empresa por meio de ajuda de custo, de natureza indenizatória;

 4) a suspensão do contrato de trabalho poderá ser de no máximo 60 dias, podendo ser fracionada em até dois períodos de 30 dias;

5) durante o período de suspensão do contrato de trabalho, os empregados terão direito aos benefícios concedidos pela empresa (exemplo: plano de saúde, auxílio-alimentação etc.);

 6) o contrato de trabalho será restabelecido no prazo de dois dias corridos, a partir do fim do estado de calamidade pública; ou da data prevista de encerramento no acordo de suspensão do contrato de trabalho; ou da data em que o empregador comunicar ao empregado sua decisão de antecipar o fim da suspensão;

7) durante a suspensão do contrato de trabalho, o empregado não poderá exercer nenhuma atividade para a empresa, seja à distância ou remota.

É importante ressaltar que as empresas que optarem pelo regime especial acima deverão assegurar a manutenção no emprego durante o período do contrato de trabalho e no mesmo período posterior, sob pena de pagar, além das sanções trabalhistas em vigor, outras previstas na referida Medida Provisória (artigo 10), salvo em caso de justa causa comprovada ou pedido de dispensa do empregado.

O acordo valerá para os empregados que ganham até R$ 3.135,00; ou portadores de diploma superior que percebam salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo do INSS (o valor atual é de R$ 6.101,06).

Em síntese, estão sendo apresentadas duas opções aos empregadores:

  • Redução da jornada de trabalho (de 25%, 50% ou 70% sobre o valor-hora do salário), pelo período de até 90 dias, sendo paga pelos empregadores a parte horária trabalhada; com o Seguro-Desemprego suportando a diferença relativa à outra parte da jornada não utilizada; ou
  • A suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias, com a possibilidade de ser dividida em 2 períodos de 30 dias, com o Seguro-Desemprego assumindo os salários (dentro dos limites do valor do seguro vigente) durante o período; sendo mantidos os demais direitos, como plano de saúde e ajuda alimentação.

Portanto, independentemente da necessidade de sobrevivência das pessoas, o governo não tem atuado para defendê-las; optando por transferir os encargos da grave crise sanitária para a sociedade, sem apresentar soluções humanas e efetivas para o período especial.

Ressaltamos que há recursos financeiros mais do que suficientes no Estado brasileiro, a exemplo do montante destinado para amortização da questionável dívida pública (superior a R$ 1 trilhão para 2020), cujo pagamento pode ser suspenso no momento, sendo direcionado para a saúde e o seguro social de trabalhadores e empresários, para que possam ficar em casa e suspender suas atividades.

O presidente e sua equipe econômica demonstram total incapacidade para gerenciar o problema, e criam diariamente conflitos políticos desnecessários, com ações de mera retórica e provocação. Põem em risco a ordem social, ao incentivar as pessoas a irem para as ruas, quando o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é ficar em casa para evitar o mal maior, que é a morte!

* Jorge Folena é advogado e cientista político. Integra a equipe de coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano