A beleza da mata de araucária preservada em Faxinal do Céu permeou o II Encontro do Senge Jovem Paraná, realizado nos dia 22 e 23 de julho, naquela comunidade do município de Pinhão, região Centro-sul do estado. Foram cerca de 90 participantes, de 20 diferentes instituições de ensino, públicas e privadas, de Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá e Ponta Grossa.
Há alguns quilômetros do local do evento está a Usina Hidrelétrica Governador Bento Munhoz, localizada no rio Iguaçu, a 5 km da jusante da foz do rio Areia. Construída pela Copel nos anos 1970, é a maior usina da Copel, com capacidade de 1.676 MW de potência. A visita àquela grande obra de engenharia de quase 50 anos foi a primeira atividade da programação do encontro, na manhã de sábado.
Com tema “Engenharia para construir um novo Brasil”, o encontro contemplou um amplo debate sobre o papel da engenharia para a superação da crise, além de passar por reflexões acerca de ensino, pesquisa e extensão, precarização do mercado de trabalho para a categoria, atraso tecnológico em países periféricos, realidade das mulheres na engenharia, e os impactos das reformas para os jovens profissionais.
Na abertura do período de palestras do encontro, o presidente do Senge, Carlos Bittencourt, enfatizou a intenção do sindicato ao investir na relação com os estudantes. “Queremos que vocês saibam que existe conheçam de perto o sindicato, para quebrar possíveis preconceitos que se formam pelo que é divulgado pela mídia comercial”.
A marca atualizada de associados ao Senge Jovem é de 2671 estudante, sendo 40,36% mulheres e 59,64% homens. “O Senge Jovem do Paraná serve do modelo para outros sindicatos de engenheiros e de outras categorias. Estar aqui em mais um grande encontro nos enche de orgulho e comprova que estamos no caminho certo, ao apostarmos no fortalecimento constante dessa iniciativa”, frisou Bittencourt.
Cícero Martins, diretor financeiro do Senge-PR, partir de uma retrospectiva histórica para chegar à análise da conjuntura atual do Brasil. Na avaliação do engenheiro Civil, apesar das contradições presentes nos governos Lula e Dilma, do Partido dos Trabalhadores, o Brasil viveu um período de forte desenvolvimento nacional, com a reconstrução de setores da indústria, elevação real do salário mínimos, com consequente elevação do salário dos engenheiros. “Porem, não se conseguiu avançar para promover reformas estruturantes, como do sistema político, tributária, urbana, agrária, das telecomunicações. Mesmo quando os governos Lula e Dilma tiveram índices de aprovação para fazer mudança mais profundas, não fizeram”, pondera.
Com o que classificou como “golpe parlamentar, jurídico e midiático” de 2016, que levou à saída da presidente Dilma Housseff e entrada de Michel Temer (PMDB), Martins chama a atenção para o desmantelamento da indústria nacional, sem que, de fato, se combata a corrupção.
“O vivemos agora são reformas conservadoras e antinacionais. É um Brasil de joelhos às portas da 4ª revolução industrial. Precisamos do resgate da democracia, novas eleições e um projeto popular e soberano para o país”, assegura.
Gabriela Caramuru, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Tecnologia pela Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), falou sobre a chaga do atraso tecnológico nos países periféricos. Segundo a pesquisadora, entre as marcas das economias dependentes, com a do Brasil, está a superexploração do trabalho, baixos salários, jornadas de trabalhos elevadas e maior intensificação do trabalho. Para um plateia de estudantes, apontou o estágio como uma das formas recorrentes de superexploração da mão de obra estudantil, em detrimento do profissional já formado.
Nestas circunstância de trabalho explorado e condições precárias de subsistência para a maior parte dos trabalhadores, ela reforça o peso da dívida pública brasileira no orçamento da União: cerca de 50% do PIB nacional vão para pagamento de serviços e juros da dívida. Com esta sangria nos cofres públicos, os investimentos no desenvolvimento e nos serviços à população ficam na metade do que poderiam significar.
De acordo com a pesquisadora, há um abismo de produção de conhecimento que seja autônomo e que consiga uma competição no mercado internacional. “E não existe qualquer cresça de que os países centrais queiram fazer superar essa dependência, pois é essa dependência que garante mercados”.
“Cerca 90% das pesquisas de desenvolvimento tecnológico do mundo são feitas por pesquisa pública, que podemos dizer que é furtado por empresas privadas”. Como exemplo disso, cita os casos em que empresas privadas se beneficiam da produção científica produzida por estudantes bolsistas, com professores e estrutura das universidades públicas. A lógica capitalista torna o avanço tecnológico não socializado e barrado pelas patentes. “Ou paga, ou não produz”, sintetiza. “As patentes atrasam por si só o conhecimento do mundo. Eu imagino uma política de fim das patentes mesmo dentro do capitalismo”, projeta.
A reflexão sobre dependência tecnológica permeou a palestra seguinte sobre pesquisa, ensino e extensão, ministrada pelo professor da UFPR José Ricardo Vargas de Faria, diretor do Senge-PR e doutor pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/UFRJ. A partir de dados dos últimos anos, o professor aponta um crescimento maior dos cursos de engenharia, se comparado à média dos demais cursos. A área ocupa 18% dos cursos das instituições públicas. Uma realidade recente é o avanço da modalidade de ensino à distância: são 73 mil vagas no EAD, 10% do total do número de vagas presenciais, que são cerca de 600 mil.
A criação e interiorização de universidades federais durante dos governos PT, com incentivo à abertura de cursos de engenharia, contribuiu para este cenário. Uma norma do Ministério da Educação obrigou as instituições federais a terem no mínimo cinco cursos e, para a criação de novos, deveria ser cumprido o critério de serem da área de licenciatura ou engenharia.
Se o acesso à formação acadêmica em engenharia aumentou, a questão apresentada pelo professor é a qual finalidade a profissão tem servido. “Para quem e para que os cursos de engenharia estão formando? Se o engenheiro é um solucionador de problemas, a minha pergunta é: quem formula o problema? Quem diz o que é um problema. Isso não está na nossa formação. Nos dão um problema, nós temos que resolvê-lo”, problematiza.
Faria questiona a aplicação prática da estrutura curricular dos cursos, e percebe uma dificuldade de que os próprios engenheiros incidam sobre os rumos do uso da engenharia: “Os conteúdos políticos de aplicação da engenharia normalmente são definidos por instância à parte, por exemplo a economia, pelas empresas, pelo mercado de trabalho, governos. Ficam de fora os problemas relacionados ao desenvolvimento nacional e a superação das desigualdades”, questiona.
Mary Stela Bischof, engenheira agrônoma e diretora do Senge-PR, falou sobre os desafios das mulheres na engenharia e no sindicato. Formada pela UFPR nos anos 1980, conta ter vivido o período de efervescência de alternativas de agricultura. Entre as experiências, participou da criação do Grupo de Estudos da Agricultura Ecológica – GEAE. A agrônoma tem mais de 30 anos de carreira no Emater e é especialista em desenvolvimento Rural, Agricultura Biológico-Biodinâmica e Administração Pública. A militância pelos direitos da mulheres permeou sua trajetória profissional e atualmente é integrante do Coletivo de Mulheres da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Finsege), e mobiliza o coletivo das engenheiras do Senge-PR.
A agrônoma frisou o avanço da participação das engenheiras na nova diretoria do Sindicato: a atual gestão tem 29% mulheres, num total de 23 engenheiras na direção estadual. Das sete regionais do Senge-PR, duas têm presidência de mulheres – Ponta Grossa e Campo Mourão. O percentual ganha força quando comparado aos 12% de engenheiras associadas ao sindicato e aos 19% de mulheres engenheiras no Paraná.
“Também precisamos comemorar as duas mulheres que são vice-presidentes dos seus Senge, em outros estados brasileiros. Temos que valorizar essas conquistas”, no entanto, ela ressalta haver ainda situações em que as mulheres assumem cargos e não são reconhecidas e, muitas vezes, acabam se afastando do sindicato. Como proposta a todos os participantes, Mary Stela sugeriu que sempre haja o esforço de tentar perceber os motivos pelos quais as mulheres se afastam e se, por exemplo, existem um ambiente voltado somente ao acolhimentos dos homens.
A agrônoma chama a atenção para a sobrecarga que recai sobre as mulheres que assumem cargos de gestão e direção, por haver maior cobrança e exigência: “A melhor coisa que tem é fazer gestão compartilhada, partilhar as decisões, faz com que todas avancem junto e temos menos sobrecarga.
O impacto das reformas do governo Michel Temer na vida dos jovens esteve no centro da palestra ministrada por Ramon Bentivenha, especialista em Direito Constitucional, com ênfase no Serviço Público, integrante dos coletivos Direitos Pra Todxs e do Advogados pela Democracia.
Para o advogado, a reforma do ensino médio trará mudanças significativas no perfil do engenheiro do futuro, uma vez que a mudança da matriz curricular abstrai os conteúdos mais críticos. Bentivenha prevê profissionais com mais dificuldade de enfrentar as questão já apresentadas por outros palestrantes, acerca do papel da engenharia e sobre a necessidade de uma atuação preocupa em responder aos problemas estruturais do Brasil.
O cenário de crise econômica tem sido usado pelas campanhas publicitárias do governo como cortina de fumaça para o principal e menos controlado gasto do Estado brasileiro nas últimas décadas: a Dívida Pública.
Enquanto a Previdência significa gasto de 19,13%, saúde 3,16% e educação 3,26%, o ralo da Dívida sugará 50,66% do PIB em 2017, segundo previsão do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI).
“Isso não está sendo discutido pelo Congresso ou apresentado pelo governo. Basicamente o que se discute são os gastos sociais, mas fica de fora o maior gasto, que é com a Dívida Pública”, questiona Bentivenha. Justamente esta fatia do gasto público é a única que ficou de fora da PEC 55, do congelamento dos gastos públicos, aprovada em novembro de 2016 e que deve vigorar por 20 anos. O advogado reforma a necessidade da realização de uma auditoria da dívida. “Ninguém quer ser caloteiro, mas sim saber quanto é o justo a ser pago”, pondera.
A reforma trabalhista aprovada pelo Congresso em julho trará impactos diretos aos futuros engenheiros, pelo aumento da precarização das formas de contrato, piores salários, maior carga horário de trabalho, menor garantir de efetivação do piso da categoria. Conquistadas após intensas lutas anteriores, as previsões da CLT de 75 anos atrás hoje têm sido caracterizadas pelos defensores da reforma trabalhista e previdenciária como ultrapassadas. Ramon Bentivenha apresenta dados para refutar o rótulo dado à CLT: dos 821 artigos vigentes, 406 foram alterados ao longo dos anos – cerca de 49%. O maior número de alterações ocorreu em 1967, durante a ditadura militar, quando 180 quesitos mudaram. Mas, história da CLT, a reforma trabalhista recentemente é a maior já ocorrida.
Em síntese, o advogado classifica as reformas promovidas pelo governo Temer como uma “redução substancial do papel do Estado, com uma verdadeira de refundação do Estado brasileiro, que alteram profundamente a Constituição Federal”.
O relato do engenheiro civil Luiz Calhau, também diretor do Senge-PR, exemplificou o cenário apresentado pelo advogado Bentivenha. Mestrando da UFPR e com a atuação em planejamento de transporte urbano, Calhou falou da prática da “pejotização” na engenharia. “O patrão chegar e te da duas opções: ou eu assino a sua carteira de trabalho e te dar um salário menor, contratado como técnico, assistente ou analista. Ou eu te pago mais se você abrir uma empresa e você vai ser um prestador de serviço, um parceiro da empresa”.
Na prática, os custos com impostos e contador ficam a cargo do empregado. Além disso, o engenheiro vê neste tipo de contratação a aplicação do trabalho intermitente (agora aprovado na reforma trabalhista), que permite pagamento por hora, com jornada móvel e sem vínculo empregatício. Ao final do cumprimento de um trabalho, o contratante simplesmente dispensa o profissional, sem pagamento de rescisão.
Debates com grupos menos e sobre temas mais específicos foram realizados no momento das oficinas. Os assuntos abordados foram: agroecologia, orgânicos e agricultura familiar; oratória; comunicação; economia e engenharia; e política e formação sindical.
Ao final do encontro, os estudantes aprovaram uma nota em defesa da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila), e a Carta Victor Romano “Salles” Pereira Lourenço, que presta uma homenagem ao jovem estudante de engenharia elétrica, vice-presidente do Diretório Acadêmico do curso e integrante do Senge Jovem desde julho de 2016, falecido no dia 11 de março de 2017.
Confira o documento da íntegra:
Carta Victor Romano “Salles” Pereira Lourenço*
Nos dias 22 e 23 de julho de 2017 foi realizado em Faxinal do Céu o II Encontro Estadual do Senge Jovem Paraná, onde foi debatido o papel da engenharia no processo de desenvolvimento do Brasil e da conjuntura política atual.
O objetivo desta carta é sintetizar o que foi discutido no encontro e elaborar um manifesto dos estudantes de engenharia do Paraná frente à situação da formação tecnológica e social dos jovens engenheiros, o retrocesso nos direitos trabalhistas e da previdência e a precarização do trabalho em geral promovida por um governo ilegítimo fruto de um golpe. O que reforça a necessidade de insistirmos no caminho democrático, para solucionar os problemas que hoje afligem a população brasileira.
Há um projeto de precarização da engenharia em curso, tanto pelas reformas quanto pela economia de mercado internacional, através do desmonte das empresas públicas e também do controle das políticas implementadas pelo governo federal por agentes financeiros externos, condicionando o Brasil a um papel subalterno dentro da geopolítica mundial.
Isso tem reflexos diretos no desenvolvimento da nação e da engenharia nacional, tanto no mercado de trabalho que se encontra precarizado quanto no ensino, pesquisa e extensão.
A organização dos jovens engenheiros se faz não somente urgente pela atual conjuntura, mas também necessária para a construção de uma resistência sólida aos ataques à engenharia e à soberania do povo brasileiro.
No que tange ao desmonte e precarização do ensino no país, deve-se defender a autonomia e diversidade da Universidade Federal de Integração Latino Americana-UNILA, um projeto concebido para a integração dos povos latino-americanos através do desenvolvimento humano, tecnológico, social e econômico, proporcionando elos de irmandade e cooperação entre as nações que a compõe. A UNILA tem hoje chances reais de ser desmembrada para a criação de uma universidade exclusivamente brasileira, em um ato político claramente xenófobo e de desintegração regional. Especificamente na área da engenharia, a UNILA contribui com o engrandecimento da função social da engenharia e oferecendo curso de alto nível. A UNILA resistirá com apoio do Senge Jovem em favor do marco na emancipação da integração latino-americana, historicamente sujeita aos interesses longínquos e de poucos, que apenas nos últimos anos passou revisto e que agora é novamente colocado em cheque.
No contexto estadual deve-se resistir aos ataques do governo do estado às universidades públicas do Paraná, como por exemplo a política de gestão de funcionários conhecida como meta 4, uma medida de arbitrária que visa cortar recursos do ensino superior público no estado. As universidades vêm sendo pressionadas a aderir a meta 4 sob ameaças de serem fechadas caso não venham a aderir as diretrizes de corte orçamentário impostas pelo governo Richa.
Deve-se consolidar o espaço do Senge Jovem dentro das universidades com ações afirmativas e com a disputa de espaços de representação. Formar e disputar a comunicação do Senge Jovem nas redes sociais e nas mídias convencionais, no intuito de capacitar os agentes regionais nas ferramentas de comunicação e otimizar o processo de publicação de ações promovidas pelo Senge Jovem.
A pauta das mulheres, negros e LGBTs nas engenharias e no mercado de trabalho, deve ser incluída nos trabalhos do Senge Jovem, no intuito de democratizar cada vez mais os espaços de discussão e de consolidar uma engenharia inclusiva e sem opressões e desigualdades de qualquer natureza.
Em síntese, firma-se essa carta, elaborada e aprovada pelos estudantes de engenharia do Paraná, pela valorização da engenharia nacional, em defesa da nossa soberania e pela quebra de paradigmas das engenharias, pautando uma engenharia democrática, empoderada e popular, na perspectiva de construção de um projeto nacional, que avance na consolidação de uma sociedade plural e para todos e todas.
*Victor, ou Sales, como era conhecido pelos amigos, era vice-presidente do Diretório Acadêmico de engenharia elétrica da UFPR, e participou do Senge Jovem desde julho de 2016, mas faleceu no dia 11 de março de 2017. Deixamos aqui nossa homenagem a ele.
Faxinal do Céu, 23 de julho de 2017