Honduras: 1 ano após o golpe

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A aparente normalidade da situação hondurenha, transmitida pelo noticiário internacional, cai por terra após uma simples caminhada pelas ruas de Tegucigalpa. Não há um quarteirão sequer do antigo centro da capital de Honduras sem as marcas da resistência ao golpe de Estado que derrubou o presidente Manuel Zelaya, há um ano.

Pichações da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), constituída também há um ano, exigem a volta imediata de “Mel” Zelaya ao país. “Urge Mel” é o dizer mais lido nos muros da cidade. Xingamentos dirigidos aos golpistas e a jornalistas dos meios de comunicações tradicionais também são frequentes.

Nas principais vias de passagem da população, militantes contrários ao golpe colhem assinaturas para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Até o momento, mais de 600 mil cidadãos subscreveram o manifesto. A expectativa da FNRP é coletar 1,2 milhão até setembro.

Em 28 de junho de 2009, os hondurenhos iriam às urnas para decidir se, nas eleições gerais de novembro do mesmo ano, haveria também uma consulta sobre a instalação ou não de uma constituinte. Mas o pleito foi frustrado pelo sequestro do presidente Zelaya, surpreendido de pijama na residência oficial e levado à Costa Rica.

Mesmo diante do entusiasmo nacional em torno da participação pífia da seleção nacional na Copa do Mundo pela segunda vez, as mobilizações não cessaram. Quase todos os dias, há algum tipo de vigília ou marcha para pressionar pelo fim ao que os movimentos hondurenhos chamam de falsa democracia, que tampouco é reconhecida pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

Democracia aparente

O direito à livre manifestação – parcialmente assegurado pelo regime hondurenho – pode trazer a imagem de um arrefecimento da repressão. No entanto, os movimentos sociais denunciam constantes ameaças a dirigentes, prisões e assassinatos. Estes últimos têm crescido de forma vertiginosa na capital, em San Pedro Sula e outros centros urbanos.

De acordo com dados oficiais, trata-se de um aumento da violência urbana. Mas opositores do regime hondurenho apontam que os crimes políticos estão sendo travestidos de crimes comuns. De janeiro – quando o atual presidente, Porfirio Lobo, tomou posse após ser o vencedor das eleições de novembro, organizadas pelo regime golpista – a abril de 2010, mais de 1.200 pessoas foram assassinadas no país. Tais números já superam o total de homicídios durante todo o ano de 2009.

“Eles vêm em motos e atiram, sem qualquer justificativa. Nós da resistência evitamos sair de noite, nos expor. Se há qualquer confusão e estivermos passando, vão tentar nos incriminar e nos deter. Definitivamente, não nos sentimos mais seguros, nem em casa”, revela um militante da FNRP.

O temor faz sentido. Dias após o golpe de Estado, grupos paramilitares ou estatais – não se sabe ao certo – passaram a espalhar terror pelo país atirando a esmo contra a casa de pessoas identificadas com os movimentos sociais.

Se a resistência se faz presente nos muros da capital, a violência do golpe não deixa por menos. Na sede da Via Campesina na cidade, ainda há uma marca de bala na porta do sobrado. De acordo com a organização, os disparos foram feitos dias após o golpe, mas ninguém foi atingido.

Uma professora, que prefere manter sua identidade em sigilo, afirma que sofre perseguição no trabalho e ameaças no celular. “Como sabem que estou 100% envolvida na resistência, sou visada no trabalho. Já mataram muitos companheiros nossos e as ameaças são constantes”, explica.

Frente heterogênea

A resistência continua forte e como a maior força social do país, porém, sofre com cisões. O então partido de esquerda União Democrática (UD), por exemplo, não boicotou as eleições pós-golpe, como clamavam as organizações sociais. Como resultado, obteve a pior votação de sua história, amargando a última colocação. Antes, a UD era a terceira força política do país, atrás do Partido Nacional e do Partido Liberal – uma confusa agremiação que abriga, ao mesmo tempo, políticos golpistas e pró-Zelaya.

Com a mudança de posição da UD, o governo de Porfirio “Pepe” Lobo a agraciou com cargos governamentais, como o importante Instituto Nacional Agrícola. Dando mais complexidade ao espectro político hondurenho, há setores da UD que participam de atividades da resistência, como na marcha do dia 28 de junho, que marcou o aniversário do golpe.

“A Frente é integrada por indígenas, camponeses, sindicalistas e artistas. Todos os segmentos da sociedade, o que é muito importante. Por isso, tem se convertido na principal força social e política do país”, analisa Rafael Alegría, dirigente da Via Campesina e da FNRP.

Eleições?

Há um debate na frente sobre uma possível institucionalização do movimento, com vistas a uma eventual participação eleitoral. “Isso está em discussão. Temos a constatação de que somos uma força social e política. O que se discute é se será constituída uma frente ampla, um partido político ou se a FNRP é uma força aglutinadora e mobilizadora da consciência do nosso povo. Creio que, agora, não há porque se mobilizar para um processo eleitoral, pois, nos marcos atuais, isso seria impossível, já que o controle político e a estrutura das eleições estão nas mãos da ditadura. Não me refiro a esta de Micheletti [Roberto Micheletti, que assumiu a presidência com a deposição de Zelaya], mas a uma ditadura de mais de 100 anos de dois partidos políticos”, aponta Alegría.

Alguns setores da frente, como o do dirigente da Via Campesina, deixam claro que a prioridade para o momento é a luta para a aprovação de uma constituinte. Já os setores da frente identificados com o Partido Liberal apontam que a volta de Zelaya ao país e a Assembleia Constituinte são bandeiras urgentes e indissociáveis. Por essa razão, eles acabam sofrendo críticas internas pelo suposto excesso de culto à personalidade do ex-mandatário.

Rasel Tomé, membro do Partido Liberal e assessor de Zelaya, afirma que, a pedido do presidente, os seus correligionários tentam manter a unidade da legenda dentro da FNRP, ainda que haja aqueles que apóiam o golpe.

“Nós integramos a frente como políticos progressistas. Nós, liberais de resistência, estamos cada vez mais unidos. Se houver divisão, deixaremos o país na mão das oligarquias. Estamos unidos dentro da diversidade”, avalia.

De acordo com Tomé, o processo da constituinte deve ser atrelado à volta de Zelaya ao país porque ele seria o maior entusiasta do projeto. No entanto, o ex-presidente voltaria a Honduras como um cidadão comum, com garantias de segurança. Não seria uma volta ao poder, “como querem fazer crer as oligarquias”.

O presidente atual, Pepe Lobo, chegou a convidar Zelaya a retornar ao país. No entanto, os apoiadores de Mel apontam que um retorno na atual conjuntura não lhe garantiria direitos políticos, por conta da composição da Corte Suprema, nem preservação de sua integridade física.

Fonte: Brasil de Fato