Movimento completa 32 anos, ressalta reforma agrária para enfrentar crise econômica e alerta para ofensiva em curso contra os direitos dos trabalhadores: ‘Não elegemos Dilma para fazer estas reformas’
Por Gésio Passos, para o Portal EBC/Rede Brasil Atual
Brasília – Alexandre Conceição, dirigente da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que completa 32 anos de atividade, avalia a trajetória do movimento, sua relação com partidos políticos e meios de comunicação e lembra a contribuição que a reforma agrária pode dar para o enfrentamento da crise econômica no país. “Nosso grande papel é ajudar a combater a inflação dos alimentos”, afirma, do acampamento onde vive, no litoral norte de Pernambuco.
Segundo ele, com desapropriação de terra, crédito, assistência técnica e assentamento de famílias o país pode produzir alimentos saudáveis, baratos e combater a alta de preços. Alexandre, que atua no MST há 16 anos e atualmente é responsável pela articulação política do movimento em Brasília, também comentou o momento político brasileiro. “O governo precisa incisivamente apontar programas progressistas para a economia.” Confira a entrevista:
Após 32 anos de luta pela reforma agrária, qual a importância do MST hoje para o Brasil?
Falarmos da nossa importância não é fácil. É a sociedade brasileira que tem dado importância ao MST. Mas nós temos sim uma importância histórica no Brasil, de juntar todo o povo injustiçado do campo, fazer uma luta pela redemocratização da terra e justamente pautar a reforma agrária no país.
Pautar a reforma agraria popular, que venha a distribuir terra, produzir alimentos saudáveis, combater a utilização de agrotóxicos, proteger o meio ambiente e desenvolver o interior deste país. Em vários assentamentos, desenvolvemos hoje uma agroindústria voltada para produzir alimentos saudáveis de melhor qualidade e menor preço para a população.
Essa é a importância do MST, de organizar a luta pela terra, pela reforma agrária popular, para que possamos ter de fato uma democracia plena. Enquanto a terra estiver nas mãos de muitos poucos, esse país não será verdadeiramente democrático
O projeto de reforma agrária do MST foi se modificando ao longo do tempo?
Nós fomos modificando porque a sociedade também foi modificando. Com a expansão do agronegócio e do latifúndio, o país vive hoje uma produção agrícola baseada na monocultura de cinco produtos: soja, cana-de-açúcar, eucalipto, carnes e aves. O agronegócio não produz alimento.
É a agricultura familiar e camponesa que produz alimento para a mesa da população. Neste processo histórico, o MST foi se readequando e descobrindo que a única alternativa para o país é uma reforma agrária voltada para uma nova matriz tecnológica de produção baseada no cooperativismo e na produção agroecológica. É assim que vamos produzir a democracia da produção agrícola no Brasil, com a produção de alimentos saudáveis e ao mesmo tempo democratizando o espaço territorial brasileiro.
A criminalização dos movimentos que lutam pela terra diminuiu com o passar deste tempo?
Muito pelo contrário. Anos atrás, o processo de criminalização era realizado pelo latifúndio, que fazia a luta direta contra o movimento, com apoio do delegado e do juiz local. Hoje, não é só o Poder Judiciário, mas a mídia que faz um processo de ideologização e criminalização perversa contra o MST e contra o conjunto dos movimentos sociais que lutam pela democracia.
Os meios de comunicação são terríveis contra qualquer levante do povo que busca sua emancipação e luta por seus direitos. Vivemos um momento histórico nestes últimos 13 anos de avanço popular, inclusive a própria constituição da EBC como canal que dá espaço para os movimentos falarem e terem sua voz. Ao mesmo tempo, você tem sete famílias controlando os meios de comunicação privados e criando um processo de criminalização forte dos movimentos.
Além disso, a violência vai aumentando. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, houve em 2015 um aumento em mais de 30% dos casos de violência no campo no país. O processo é perverso, mas a luta dos trabalhadores avança em passos lentos, consolidando um projeto político democrático.
Houve uma diminuição da ação do MST nos últimos anos? O movimento está em declínio?
O fato é que temos feito muitas mobilizações e ocupações, mas não se noticia isso. Parece até que não tem tido mobilização, não tem tido luta. Mas na verdade não é. O que existe é uma tentativa dos grandes veículos de comunicação de invisibilizar deliberadamente a luta dos movimentos sociais. Em 2015, tivemos mais de 60 novas ocupações de terra.
Por outro lado, nos últimos 12 anos passamos por um processo de aumento de renda, com valorização do salário mínimo, com a geração de empregos, o que ajudou o povo a buscar outras alternativas que não fossem a terra. Agora vem a nova crise e a tendência é que o número de pessoas aumente por conta do desemprego, e que os trabalhadores comecem a retornar a luta pela terra porque estão vendo que as cidades não têm lugar para eles.
Na atual crise econômica, qual seria o papel da reforma agrária para o desenvolvimento do país?
Nosso grande papel é ajudar a combater a inflação dos alimentos. Para isso, o governo precisa desapropriar terra, dar crédito, assistência técnica e colocar o povo em cima da terra. Assim, vamos produzir alimentos saudáveis, baratos e combater a inflação.
Ao mesmo tempo, vamos combater o agronegócio, que é uma mentira, uma falácia, que vive dos subsídios do governo, do dinheiro público, das exportações e da dependência do capital internacional. O agronegócio
Que relação o MST mantém com os partidos? O movimento se enfraqueceu com a eleição do PT para o governo federal?
O MST nasceu com a característica de ser um movimento autônomo. Autônomo de igrejas, de partidos. É um movimento popular, que se organiza pela terra. Temos nossa autonomia. É com nossa visão de mundo que dialogamos e nos aproximamos de partidos e movimentos progressistas, da esquerda, dos que compreendem a luta pela terra como importante. Nos relacionamos com o PT, PSB, PCdoB, PSOL, com partidos de esquerda que defendem a luta pela terra e que são nossos grandes aliados.
No ano em que o Lula assumiu a presidência, em 2003, foi o período que o movimento teve um dos maiores números de ocupações de terra. Só em 2004 foram mais de 200 ocupações.
Não aceitaremos a corrupção. Quando descobrirmos que tem terra comprada com dinheiro de corrupção, vamos estar atentos e ocupar essa terra.
Qual a avaliação o MST faz do atual momento que o país vive?
Temos uma elite preconceituosa e machista. O que a presidenta Dilma tem enfrentado tem a ver com esses preconceitos contra mulher, os pobres, os negros, contra a renda que foi distribuída nos últimos anos. Essa elite, que perdeu a eleição em 2014, é que quer dar o golpe de todo jeito.
Isso já esfriou, porque os movimentos sociais derrotam eles nas ruas. Chamamos a atenção do governo para a necessidade de mudanças na economia. Uma das mudanças era o “Fora Levy”. O ministro caiu e o governo agora precisa incisivamente apontar programas progressistas para a economia e não fazer cortes na Previdência, não fazer mudanças nas leis trabalhistas.
Não aceitaremos que o governo faça reformas neoliberais. Não elegemos Dilma para fazer essas reformas. A elegemos para avançar mais do que nos últimos 12 anos. Que o projeto popular possa avançar e se consolidar com políticas construídas.
Fonte: Rede Brasil Atual