Gabrielli: sem nova política de preços da Petrobras, crise estrutural permanece

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Para ex-presidente da estatal, problemas que causaram atual situação de caos precisariam ser combatidos com mudança profunda não só nas diretrizes da empresa como da própria política econômica.

Uma solução estrutural para situações como a grave crise que envolveu o país desde a semana passada, com a paralisação dos caminhoneiros e bloqueio das estradas, dependeria de uma mudança profunda não só da política de preços da Petrobras, hoje atrelada ao mercado internacional, como também da política econômica. O problema está longe de ser simples, considerando que novas diretrizes na economia, voltadas aos interesses do país, exigiria “alterar a natureza regressiva de impostos que penalizam quem ganha menos e aumentar a tributação sobre quem ganha mais”, na opinião de Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras de 2005 a 2012. 

 

 

“Se tirar o Pedro Parente e colocar outro que vai fazer a mesma política, não resolve”, diz ex-presidente da estatal

“Mas isso não é possível com o atual governo, que não tem legitimidade. Portanto, temos um problema político grave, que é esse atual governo, que tem uma política de aumentar a concentração e de reduzir o tamanho da Petrobras.”

A solução que o governo está apresentando é a de mexer nos impostos. O que só deve agravar as desigualdades. “Ao alterar os impostos, principalmente PIS e Cofins, vai agravar o problema da Previdência e das políticas sociais, e você faz uma coisa perversa, que é, em última instância, tirar dos segmentos mais pobres da sociedade brasileira”, diz Gabrielli.

Qual sua avaliação sobre a crise?

É necessário fazer a análise em dois níveis. Um, a situação dos caminhoneiros. Com a economia em retração, o volume de fretes cai, e portanto a capacidade dos caminhoneiros de repassarem seus custos para os preços de frete fica limitada. Evidentemente que os efeitos disso são diferentes para as empresas de transportes, que são mais ou menos 40% dos caminhoneiros, e para os autônomos, que são 60%. Em relação aos autônomos a situação é grave, porque eles têm crédito de longo prazo, para comprar os caminhões, e têm custos financeiros que são fixos, e, portanto, têm uma parcela do rendimento para pagar juros e amortizações. E o caminhoneiro tem dificuldade de repassar custos. 

Ele está enfrentando uma situação não somente de queda da demanda, mas de aumento de custos. Os preços do diesel e do pedágio aumentaram, o custo operacional dele aumentou. Então as suas margens se contraíram. 

Mas trata-se se uma greve ou de um locaute?

Acho que são as duas coisas. Tanto para o caminhoneiro autônomo quanto para o assalariado, as condições de trabalho são semelhantes. É claro que a empresa tem mais capacidade de enfrentar a crise do que o autônomo, cujo capital de giro é menor. Mas é locaute na medida em que as empresas de transporte estão envolvidas, e é também uma greve de uma categoria de autônomos que está com problemas.

Aí a questão é analisar a causa do problema. A decisão da Petrobras, que, autorizada pelo seu conselho de administração – onde o acionista majoritário, que é o governo, tem um papel importante – resolveu fazer um processo acelerado de reajuste dos preços de derivados em função do mercado internacional.

Política que levou a economia ligada ao setor de petróleo à lona…

Exatamente. Na medida em que os preços do petróleo no mercado internacional e dos derivados estavam caindo, como aconteceu em 2015, essa política não se mostrou nociva. No momento em que os preços retomam o crescimento, a partir do final de 2016, em 2017 e agora em 2018, essa política se manifesta de forma dramática. E não só pelo preço do petróleo, mas isso combina também com uma depreciação do real, que tem impacto direto sobre o custo dos derivados. Essa política é a causa central do problema.  

Aí vamos analisar a situação da Petrobras. Numa situação em que o mercado brasileiro está baixo em termos de demanda de derivados por causa da recessão, não somente o volume de vendas caiu, mas a Petrobras resolveu por opção própria diminuir a utilização de suas refinarias. Com isso, abriu espaço no mercado, mesmo com ele declinando, para a importação de gasolina, diesel, GLP etc. Isso fez com que o mercado brasileiro ficasse ainda mais vulnerável aos preços internacionais.  E não só isso, e talvez até por isso, a Petrobras, ao fazer esse atrelamento diário aos preços internacionais, quer criar um ambiente favorável para novos investidores comprarem as refinarias e a logística de refino no Brasil.

Isso aponta para mais problemas no futuro?

Não somente aponta para mais problemas no futuro, mas provavelmente, se de fato entrarem novos atores, dificilmente eles serão induzidos a aumentar investimentos. Porque as refinarias da Petrobras estão funcionando a 50%, 60% da capacidade. Portanto, têm 40% de capacidade ociosa. É evidente que o aumento da produção pode ser feito com baixo investimento, sem precisar crescer a capacidade de produção. A entrada de novos atores vai apenas modificar a propriedade dos ativos.

A Petrobras está trocando um ganho de curto prazo, com a venda dos ativos, por uma perda de longo prazo, que é perder o controle do mercado doméstico. Isso, ao meu ver, até para o acionista não é uma boa coisa no longo prazo. Essa política é favorável ao acionista de curto prazo, que quer investir e ganhar no curto prazo, principalmente o especulador que quer ganhar na variação das ações da Petrobras. Do ponto de vista do investidor de longo prazo, o investidor típico de uma empresa de petróleo, acho que ele não deve estar muito satisfeito com essa política de perder market share e ampliar o mercado de importadores. A origem do problema está aí.

Qual a solução?

A solução que está sendo dada é de alterar os impostos. Ao alterar os impostos, principalmente PIS e Cofins, vai agravar o problema da Previdência e das políticas sociais, e você faz uma coisa perversa, que é, em última instância, tirar dos segmentos mais pobres da sociedade brasileira para concentrar esses recursos ou nos acionistas da Petrobras, ou nos caminhoneiros. Nesse sentido, o problema revela os limites estruturais de uma política que esse governo está implementando, mais geral do que da Petrobras, que desconsidera a realidade do país e os problemas de desigualdade e concentração de renda.

Uma  solução envolveria uma mudança profunda da política de preços da Petrobras, o que pressupõe uma mudança geral da política econômica. Se vai fazer algum ajuste na área fiscal, para compensar parte dos ajustes necessários para os preços da Petrobras, teria que alterar a natureza regressiva de impostos que penalizam quem ganha menos e aumentar a tributação sobre quem ganha mais. Por exemplo, o lucro dos bancos, os ganhos financeiros, que são poucos tributados no Brasil. Isso não é possível com o atual governo, que não tem legitimidade para isso. Portanto, temos um problema político grave, que é esse atual governo, que tem uma política de aumentar a concentração e de reduzir o tamanho da Petrobras.  A solução só pode ser paliativa, de curto prazo. Se o mercado internacional continuar elevando o preço do petróleo, nós vamos ter problema daqui a pouco de novo.

No curto prazo, a crise vai ser superada, considerando que Pedro Parente continua no cargo e nada indica que haverá mudança?

O fato é que não depende da pessoa Pedro Parente, mas de uma política da Petrobras. Se tirar o Pedro Parente e colocar outro que vai fazer a mesma política, não resolve. Por outro lado é preciso redefinir um pouco as relações da Petrobras com os próprios acionistas, favorecendo uma posição mais explícita da natureza da companhia, que está lá nas avaliações de risco da empresa.

A Constituição brasileira define o monopólio estatal na produção de petróleo e no refino, que pode ser exercido por empresas privadas. Mas em última instância é um monopólio estatal. O acionista que compra ações da Petrobras tem consciência disso. Evidentemente que as variações de curto prazo são movimentos especulativos em relação ao valor da Petrobras. Não refletem uma avaliação dos fundamentos e o portfólio da empresa, que são muito bons.

E o atual movimento? Os bloqueios nas estradas continuam…

É possível que a crise aguda que estamos vivendo nesse momento seja resolvida. Bloqueios vão ser dissipados, o abastecimento vai voltar, mas a doença está lá, mantida. A febre pode cair, mas a doença pode voltar a explodir. Do preço internacional, nós não temos controle. Do câmbio, não temos total controle.

 

FONTE: EDUARDO MARETTI / RBA

FOTO: WALDEMIR BARRETO/ AGÊNCIA SENADO