G20 e Inteligência Artificial no mundo do trabalho: Declaração de Líderes incorpora contribuições do movimento sindical

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O impacto da inteligência artificial (IA) no mundo do trabalho tem despertado amplos debates, especialmente diante da velocidade das transformações tecnológicas. Segundo um relatório recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 28% a 36% dos empregos na América Latina estão suscetíveis a serem eliminados devido à introdução da IA generativa.

Esses números são ainda mais alarmantes quando analisados sob o recorte de gênero, raça, idade e escolaridade. As mulheres jovens, com nível de escolaridade médio ou alto e que vivem em áreas urbanas estão entre os grupos mais afetados pela possibilidade de substituição pela inteligência artificial. No Brasil, segundo a OIT, o risco decorrente da automação para as mulheres é duas vezes maior do que para os homens.

A proliferação do uso de sistemas mais avançados e com maior grau de autonomia, os agentes de IA, acelerará ainda mais as tendências de substituição do trabalho humano pela automação de processos produtivos, bem como a adoção de sistemas de gestão algorítmica no ambiente laboral e a plataformização das relações de trabalho, estendendo a mediação por aplicativos, já presente no caso de motoristas, entregadores, trabalhadoras domésticas e programadores, a novas categorias de trabalhadores.

A Declaração de Líderes do G20 e os princípios sobre IA

A Declaração de Líderes do G20 de 2024, aprovada após um ano de presidência exercida pelo Brasil, inova ao apresentar um capítulo específico sobre a Inteligência Artificial. O documento subscrito pelos presidentes enfatiza a necessidade de uma abordagem responsável e inclusiva da IA. Entre os princípios elencados, destaca-se a transparência, a explicabilidade, a justiça, a centralidade e a supervisão humana, a proteção de dados, a não discriminação e a governança ética.

O instrumento reafirma compromissos assumidos em instrumentos internacionais, como a Recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sobre Ética na Inteligência Artificial de 2021 e a Declaração de Princípios de Direitos Humanos no âmbito da IA emitida pelo Mercosul em 2023, destacando a importância do diálogo social, um princípio que reforça o papel dos trabalhadores e suas organizações, como os sindicatos, na implementação da IA no mundo do trabalho.

Ao incorporar os resultados das discussões promovidas no Grupo de Trabalho (GT) de Emprego e no GT de Economia Digital do G20, a declaração reconhece a necessidade de adaptação ao uso da IA no trabalho, e destaca a importância da cooperação internacional para a formulação e implementação de políticas inclusivas que coadunem inovação tecnológica com garantia de direitos.

O L20, grupo que reúne representantes sindicais no âmbito do G20, contribuiu com insumos que nortearam as atividades no marco G20 Social, reforçando a necessidade de garantir que as tecnologias emergentes respeitem os direitos dos trabalhadores por meio do reconhecimento de institutos como a negociação coletiva, a liberdade sindical e a greve. Debates sobre os impactos da Inteligência Artificial como o promovido pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos do Brasil (CNDH) denotam a complementaridade de perspectivas entre organismos internacionais, governos e entidades da sociedade civil e a importância do diálogo multissetorial.

Mesmo com os avanços obtidos no âmbito da presidência brasileira do G20, aplicar os princípios da IA responsável no mundo do trabalho desde uma perspectiva de direitos é um desafio complexo que exige propostas e medidas concretas.

Propostas concretas para uma IA inclusiva

Um policy brief (resumo da política) apresentado no contexto do T20 (Grupo de Think Tanks do G20) delineia um roteiro abrangente para a aplicação responsável da IA no trabalho.

O documento intitulado Algorithmic Transparency in Digital Work Platforms: a Policy Proposal for Sustainable Development in the Digital Era within the G20 Context (em português, Transparência Algorítmica em Plataformas Digitais de Trabalho: uma Proposta Política para o Desenvolvimento Sustentável na Era Digital no Contexto do G20) apresenta sugestões concretas tais como:

1. A inserção de cláusulas em negociações coletivas sobre a implementação de sistemas de IA no trabalho;

2. A utilização de ferramentas de auditabilidade para o monitoramento dos impactos dos sistemas de gestão algorítmica visando mitigar vieses e abusos no controle e vigilância dos trabalhadores;

3. A criação de comissões bipartites para garantir a participação dos trabalhadores no desenho algorítmico, programação e treinamento e para monitoramento dos impactos dos sistemas de gestão.

4. A celebração de parcerias público-privadas para treinamento, capacitação e requalificação, além de investimentos em tecnologias que promovam a inclusão.

O papel da participação dos trabalhadores

A inclusão dos trabalhadores nos processos de decisão sobre a implementação da IA é essencial para mitigar riscos e garantir a aplicabilidade dos princípios reafirmados pelo G20. A negociação coletiva, nesse contexto, é um instrumento que permite acordos sobre o uso da IA, com foco na transparência e na prevenção de vieses discriminatórios.

Parcerias como a estabelecida entre a AFL-CIO, a maior central sindical dos Estados Unidos, e a Microsoft, oferecem exemplos de como alinhar o uso da tecnologia aos interesses dos trabalhadores, promovendo condições de trabalho justas. O desenho algorítmico justo é outra prática que merece destaque. Por meio dessas iniciativas, os trabalhadores participam diretamente da concepção das ferramentas de gestão algorítmica, bem como de sistemas utilizados para a sua auditabilidade.

A criação de comissões bipartites para o monitoramento do uso da IA no trabalho é um exemplo de como estruturar essas iniciativas e para sugerir processos de requalificação e de desenvolvimento de novas habilidades (reskilling) como estratégias indispensáveis para preparar os trabalhadores para um mercado em transformação.

Iniciativas sindicais e sociais em curso

A formação e a capacitação também têm sido foco de atenção de movimentos sindicais e sociais. No Brasil, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) promove ciclos de debates sobre IA e trabalho, enquanto a Confederação Sindical das Américas organiza cursos voltados para representantes de centrais sindicais do continente. Essas iniciativas reforçam a importância de preparar lideranças para participar ativamente das discussões sobre o impacto das tecnologias emergentes.

As discussões no G20 e os avanços obtidos nas instâncias sociais, como o G20 Social, mostram que é possível construir um caminho de governança inclusiva da IA. O acúmulo e a evolução conceitual sobre a implementação da Inteligência Artificial alcançada pelos países do G20 deverá ser incorporada nos debates regulatórios sobre a Inteligência Artificial no Brasil que, neste momento, está em franco processo de debate na égide do PL 2338.

O alinhamento entre os princípios reconhecidos nos acordos internacionais, nas legislações nacionais e nos instrumentos de micro regulação, como a negociação coletiva, será fundamental para a garantia dos direitos dos trabalhadores com base nos impactos da IA em cada uma das categorias profissionais.

Esse percurso depende da participação ativa de trabalhadores, organizações, governos e parlamentos, alinhados a uma visão de futuro onde não prepondere a falsa dicotomia entre inovação tecnológica e garantia de direitos.

Fonte: Brasil de Fato | Texto: Caroline Coelho e Atahualpa Blanchet | Edição: Martina Medina | Fotos: Freepik