Entre os dias 19 e 20 de maio, a cidade de Belo Horizonte (MG) sediou o Seminário Nacional de Política Energética, com a presença de 14 entidades nacionais integrantes da Plataforma Operária e Camponesa para a Energia, além de representantes de trabalhadores da energia da Argentina, Colômbia, Costa Risca e Venezuela. A proposta do encontro foi de atualizar o debate sobre o atual modelo energético e buscar uma pauta comum que balize as ações para os próximos anos. A Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) integra a Plataforma Operária e Camponesa pela Energia e foi representada no encontro pelo diretor do Senge-RJ, Gunter Angelkorte. “A energia é usada pelo capitalismo como uma questão mercantilista. A luta tem que ser pela energia em favor dos povos latino-americanos e que o controle energético seja popular. É estratégico equacionar as demandas dos atingidos, dos trabalhadores do setor com a sociedade”, destacou Gunter.
O último seminário realizado no ano de 2012 pela Plataforma – uma organização criada em 2010 por trabalhadores do setor da energia (petroleiros, eletricitários e engenheiros), atingidos por barragens e Via Campesina –, em Brasília, resultou em um conjunto de proposições que visavam à materialização do diálogo entre a Plataforma e o Governo, para colocar a energia de fato à serviço do povo brasileiro, em especial das populações mais pobres.
A política neoliberal implantada nos anos 90 acentuou o papel da energia elétrica enquanto mercadoria. Após mais de duas décadas, o que se constata é o aumento dos preços da luz e o declínio da qualidade. As privatizações causaram milhares de demissões e a precarização do trabalho. Atualmente, a categoria dos eletricitários é a que apresenta mais mortes no país.
A partir do acúmulo de ações conjuntas realizadas desde então, como a luta pela renovação das concessões das hidrelétricas estatais e as mobilizações em defesa do petróleo brasileiro, o seminário busca aproximar os trabalhadores do campo e da cidade a fim de se construir posições para contrapor o modelo energético em vigor.
Compuseram a mesa de abertura o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Igor Fuser, e o representante da Federação de Trabalhadores da Energia da República Argentina (FeTERA), Gabriel Martinez, que discutiram a importância da energia na geopolítica mundial.
Energia e geopolítica
O professor Igor Fuser destacou a importância do campo energético na disputa geopolítica internacional e o papel dos EUA no cenário atual. “O petróleo, explorado desde o século XIX, já atingiu seu pico de exploração. E só não está escasso devido à crise, que em 2008 atingiu os EUA desacelerando a demanda pelo petróleo, e à susbstituição deste petróleo tradicional por outro, que nunca antes havia sido explorado, chamado Gás de Xisto. A extração é mais difícil, mais cara e mais poluidora”, afirma Fuser.
As transnacionais, como Exxon e Shell, perderam sua hegemonia mundial após a crise no final da década de 70. No cenário atual, essas empresas possuem grande parte da tecnologia de extração, o poder da distribuição, mas não possuem a matéria-prima. Por isso, o imperialismo vem se articulando e se movimentando para atacar de diversas formas países detentores de grandes reservas estratégicas de energia. As zonas de conflito mundiais, em sua maioria, possuem uma motivação relacionada à questão energética.
Nos últimos anos, os EUA aumentaram a produção do Gás de Xisto e propagam a idéia de que essa nova reserva energética pode colocar nos trilhos a economia em decadência dos EUA.
Essa energia é encontrada espalhada no meio das rochas e não em bolsões como o petróleo tradicional. É necessário que a utilização de um jato de água com pressão de 5.000 bar – um pneu utiliza 2 a 3 bar-, misturado com uma série de solventes químicos, que destrói essas rochas e torna possível sua obtenção, procedimento denominado “ fraturamento hidráulico”.
“É uma ideia de que com a maior exploração se diminuiria o preço do gás e, com isso, o custo de energia para a indústria, tornando-a mais competitiva no mercado”, afirma Igor.
A questão, segundo Igor, é que não são apenas os EUA que possuem esse petróleo de Xisto. Ele pode ser encontrado, com maiores ou menores dificuldades de extração, em diversos países. Essa possível vantagem dos EUA com o aumento da exploração não é real porque essas reservas são encontradas por todo o mundo e o mercado se equilibra na oferta e procura.
Por isso, o Xisto pode ser uma estratégia dos norte americanos para ganhar tempo até a sua apropriação de novas reservas, como pré-sal brasileiro, e com isso driblar a crise energética. “Eles importam 45% do petróleo que necessitam e não possuem condições de produzir muito mais que isso porque o petróleo é um recurso não renovável. De 2006 a 2013, a produção de barris de petróleo nos EUA saltou de 5 milhões para 7,5 milhões de barris. Em 2020 atingirá o pico de exploração da produção do gás de Xisto e entrarão em declínio”, ressalta Fuser.
Energia para o povo
O representante da FeTERA, Gabriel Martinez, observa como o atual modelo energético tem sido vantajoso apenas para as grandes empresas e como esse lucro não é revertido para melhorias nas condições sociais dos trabalhadores e do povo.
“O capitalismo segue dominante. Segue ganhando a cabeça e os corações de muitos trabalhadores que acham que nesse sistema se pode encontrar soluções para os problemas sociais do mundo”, afirma Gabriel.
Martinez aponta que um projeto energético deve, prioritariamente, proporcionar uma sociedade mais igualitária. Um modelo que tenha a “capacidade de gerar uma condição de vida mínima para todos os trabalhadores e não apenas para obtenções de lucro para determinadas classes”.
Outro pressuposto da luta popular colocado por Martinez, tanto na questão energética como na sociedade em geral, é a necessidade de se discutir sobre temas que afetam a todos. “Se não há participação popular para se discutir a quantidade de energia que vai para fora ou fica no país, se não há uma discussão sobre o quanto de alimento tem que ser exportado e quanto tem que abastecer o mercado interno, se não há essa discussão, a capacidade dos trabalhadores, no campo político, é muito limitada.”
O ponto mais convergente dos palestrantes é a importância de um maior poder de organização e articulação, que pode permitir que a classe trabalhadora tenha participação efetiva em ações de transformação da vida dos trabalhadores e das estruturas políticas.