Por Amanda Cieglinski e Luana Lourenço
Enviadas Especiais da Agência Brasil
Filha de uma das figuras mais emblemáticas da esquerda latino-americana, o revolucionário argentino Ernesto Che Guevara, a pediatra cubana Aleida Guevara acredita que a crise financeira internacional não vai afetar o cotidiano nem a economia de Cuba e afirma que os anos de bloqueio à ilha levaram à criação de alternativas internas, que em tempos de crise, podem até ser exemplos para outros países.
“Nunca tivemos apoio financeiro de nenhuma instituição interacional. A crise não no afeta diretamente. O mundo vai começar a sofrer, mas nós já sofremos há muito tempo, estamos acostumados.”
Em entrevista à Agência Brasil, Aleida também falou sobre as expectativas cubanas referentes ao novo presidente norte-americano Barack Obama, mas adiantou que não acredita no fim do bloqueio econômico imposto à ilha na década de 60. “O fim do bloqueio seria um florescimento da economia interna do país. E essa é uma propaganda que os EUA não se podem se dar ao luxo promover”.
Aleida está no Brasil para o Fórum Social Mundial, em Belém, onde fez apresentações sobre a Revolução Cubana, que em 2009 completa 50 anos.
A atual crise financeira afeta Cuba de uma maneira diferente? Como está sendo isso para vocês?
A primeira diferença é que nós não temos apoio financeiro de nenhuma instituição internacional. A partir daí, quando há crise nessas instituições, isso não nos afeta diretamente. Não afeta, portanto, a carência de produtos de outras partes do mundo, porque temos que comprá-los e Cuba sempre tem muito trabalho para adquirir essas mercadorias pelo bloqueio. Às vezes temos que comprar por intermediários, vários intermediários e isso faz o produto muito caro para o país. Sempre tivemos esse problema, então para nós não é novo. O mundo vai começar a sofrer, mas nós já sofremos há muito tempo, estamos acostumados. A solução encontrada é produzir internamente. Agora estamos reativando toda a nossa agricultura apesar dos três furacões horríveis que passaram lá e praticamente destruíram o país. Neste momento, há em Cuba quase mais plantações do que antes do ciclone.
Que expectativas a eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, traz para Cuba?
É interessante essa mudança. Já é histórica por ser o primeiro presidente negro dos EUA, isso é um feito fora de série. No entanto, pela Constituição dos EUA, o presidente praticamente não tem poder. O presidente depende do Senado, como acontece aqui também [no Brasil]. Se você não tem a maioria do Senado, é como se não fosse presidente. E o governo dos EUA está na mão das transnacionais, elas que dizem se há guerra aqui, se há guerra lá, se fazem isso aqui, se mudam um pouco lá. São elas que decidem a política exterior dos EUA. Então, essa mudança não vai ser grande coisa.
Há alguma expectativa sobre o fim do bloqueio?
Aleida Guevara: Os EUA estão em uma situação muito complicada, enfrentando uma crise econômica bruta e com um efetivo de mais de 60 mil pessoas em guerra com outros povos. O Obama não tem poder, de acabar com o bloqueio a Cuba, só o Senado [norte-americano] pode fazer isso. Mas, para além disso, vamos imaginar que Obama acabe com o bloqueio, o que seria muito justo, mas você imagina Cuba sem bloqueio? Se agora nós podemos mandar 30 mil profissionais da saúde para outras partes do mundo, imagine sem o bloqueio o que nós seríamos capazes de fazer. Seria um florescimento imenso da economia interna do país. E essa é uma propaganda que os EUA não se podem se dar ao luxo de promover.
As mudanças que ocorreram na cena política da América Latina atualmente indicam um novo modelo em construção? Está próximo das mudanças que o seu pai queria?
Talvez estejamos no caminho. Parece-me que este é o momento da América Latina retomar o poder e mudar nossa realidade. É um momento especial, mas falta muito. Falta muita unidade entre os nossos povos. As discussões que aparecem por exemplo entre Peru e Chile, Brasil e Bolívia, são coisas que nos colocam a discutir bobagens quando deveríamos buscar a unidade como um objetivo comum dos nosso povos. Melhorar nossa assistência, melhorar nossa vida, ter muitas mais coisas, porque somos ricos como povos. Podemos ter muito mais coisas, mas temos que ser mais solidários uns com os outros.
Como é para você ver a imagem de seu pai estampada em tantas camisetas espalhadas aqui pelo Fórum , muitas vezes, vestidas por pessoas que nem eram nascidas quando Che morreu?
Às vezes isso se converte em negócio, um mau negócio, porque são vendidas por pessoas que buscam dinheiro. De toda a maneira, buscamos o lado positivo dessa questão. Quando homens e mulheres se perguntam, e esse homem, bonito quem é? Porque meu pai era muito bonito. Mas quando elas se perguntam e averiguam de fato quem era Che Guevara , o que ele fez, por que morreu em combate, se a pessoa souber disso, então é positivo para nós. Simplesmente que a pessoa receba a informação adequada e decida se põe a camiseta só para exibir um homem bonito ou pelo o que esse homem fez por nós.
Fonte: Blog Acerto de Contas