Ex-presidente da ANA defende CPI para o setor elétrico

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

Para Vicente Andreu, a crise hídrica foi provocada de forma deliberada para produzir aumento artificial das tarifas e ganhos para as empresas


O ex-presidente da Agência Nacional de Águas, Vicente Andreu, defende a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as decisões recentes tomadas no setor elétrico, incluindo a crise hídrica que produziu altas excepcionais nas tarifas. Segundo o especialista, a falta de água nos reservatórios das hidrelétricas decorre de um “processo deliberado de esvaziamento”, para promover o maior uso das usinas termelétricas, com tarifas mais altas e, consequentemente, ganhos de receita para as empresas, seus acionistas e controladores. “É uma tunga, uma rapinagem”, denuncia.

De acordo com o Andreu, houve uma mudança no planejamento do setor, que deixou de reservar água dos períodos chuvosos para a estação seca. “Antes, a gente enchia os reservatórios e os esvaziava aos pouquinhos”, explica. “Agora, não se guarda mais água – a meta é de 40% para o período seco – entre abril e maio –, e o resultado é a explosão das tarifas. Vão gerando o máximo que puderem [de energia]. E quando chega o período seco, é preciso necessariamente acionar as térmicas, que ganham rios de dinheiro com o aumento da tarifa.”

O movimento que penaliza consumidores já pressionados pelo desemprego e pela estagnação econômica, é feito “abertamente”, diz Andreu. Aproveita-se do falso álibi da seca e da cobertura pouco crítica da imprensa. “Não é escondido, é feito às claras. Estão deixando vazios [os reservatórios] para que necessariamente você tenha que usar térmicas.”.

Ele lembra que as hidrelétricas participavam com 95% da energia gerada no país, e hoje reduziram sua parcela a 62%, com mais de 20 mil Megawatts sendo gerados por usinas termelétricas – mais caras e poluentes. “As condições [climáticas, da seca] nunca colocaram o abastecimento realmente em risco, mas permitiram uma verdadeira tungagem, uma rapinagem, nas tarifas de energia. São R$ 33 bilhões que vão ser transferidos para o setor elétrico. Vamos ficar pagando essa conta até 2025, por uma coisa que o governo fez de maneira deliberada. Por isso, venho defendendo uma CPI do setor elétrico.”

Privatização e desnacionalização
A proposta de privatização da Eletrobras, se efetivada, afirma Andreu, vai piorar ainda mais o quadro e representar “a desnacionalização completa do setor de energia no Brasil”. Na sua opinião, em síntese, os dois principais efeitos serão “a perda de soberania e a explosão das tarifas”.

Com uma das matrizes mais limpas e baratas do mundo, o ex-presidente da ANA se pergunta como o país pode ter uma tarifa mais cara do que a de países em que toda a energia é nuclear. “Como? Por privilegiar o ganho do setor privado. É a financeirização da energia elétrica no Brasil. Em vez de produzir um insumo necessário para garantir o desenvolvimento – e as empresas não perderiam nada, porque sempre têm proteção, mas querem ter rentabilidade de agiota.”

Atualmente, a Eletrobras funciona como um âncora, respondendo por 40% da energia hidráulica do país, oferecida de forma mais barata, porque é comercializada em um mercado totalmente regulado, observa Andreu. Privatizada a holding, perde-se a sinergia e cria-se o comercializador de energia. “Muita empresa não produz uma pilha mas vende energia, operando no mercado livre, que é o objetivo principal da privatização.”

É um modelo, diz ele, feito para o país não usar mais seu potencial interno. E quem vai pagar a conta são os consumidores. “O modelo brasileiro acabou privilegiando essa visão de que a energia elétrica perde a função de serviço essencial para servir à maximização do lucro. Existirão empresas no Brasil cujo comando não vai estar no país.”

Além da desnacionalização, outro impacto importante da venda da Eletrobras, que também se reflete nas tarifas, seria a instituição de um grande oligopólio privado no setor. “A geração da energia elétrica é o detalhe pelo qual se vai ganhar dinheiro”, lamenta o especialista.

“Itaipugate”, quem lembra?
Por isso, Vicente Andreu defende a investigação dos interesses envolvidos nas mudanças que estão sendo feitas no setor, inclusive os jabutis da lei que autorizou a privatização da Eletrobras, que preveem construção de termelétrica nos lugares onde não há gasoduto. Ele destaca que, no pico da crise, há cerca de um mês, um leilão de 1.200 Megawatts chegou a praticar preço de R$ 1.500,00/MW. “Para se ter ideia, nas usinas construídas nos governos Lula e Dilma, o MW saía a R$ 60,00, R$ 80,00”, compara o especialista. Em dois empreendimentos de fontes renováveis – solar e eólico –, tradicionalmente mais caros, o MW foi leiloado a R$ 350,00, ainda bem abaixo da energia térmica negociada.

“Todo esse movimento, isso é para favorecer grupos econômicos”, denuncia. “Tem que seguir o dinheiro. É só olhar o que vão fazer em 2022. Esse dinheiro todo vai aparecer, em parte, no processo eleitoral.” Andreu lembra que o primeiro grande escândalo do governo Bolsonaro foi o “Itaipugate”, no primeiro semestre de 2019, denunciado pela imprensa paraguaia. Na ocasião, o major Olímpio, que acabaria morto pela Covid-19, teria ido ao país vizinho negociar a energia de Itaipu. “A Eletrobras ia abrir mão de 200 MW, ou R$ 200 milhões ao ano, e passar para uma ONG”, conta. “O Brasil ia comprar energia não diretamente, mas de um grupo que estava chegando lá. Quase caiu o presidente do Paraguai…mas ninguém lembra mais disso. E em 2022, vai vencer o tratado binacional de construção de Itaipu.”

> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Assista na íntegra ao Soberania em Debate com o ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, sobre a crise hídrica brasileira, entrevistado pelo cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadores do SOS Brasil Soberano

 

Texto: SOS Brasil Soberano

Fonte: SENGE-RJ