ENTREVISTA: “Regular o sistema financeiro significa regular o sistema capitalista”, Clemente Ganz, diretor técnico do Dieese

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A quantidade de impostos paga por todos os trabalhadores sempre foi alvo de críticas. No entanto, é preciso fazer uma avaliação sobre o modelo tributário no Brasil e o papel do Estado. É preciso que a sociedade brasileira reflita e se mobilize para que o Estado promova um sistema tributário pela distribuição de renda e justiça social, e também de regulação da concentração da riqueza. Com o objetivo de compreender os elementos deste tema, entrevistamos o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz.

Quais as principais distorções do sistema tributário brasileiro?

A principal distorção é a aplicação regressiva, ou seja, quem ganha menos, paga mais imposto. A segunda distorção é que o sistema tributário brasileiro favorece, do ponto de vista federativo, a guerra fiscal, como, por exemplo, o uso de isenções fiscais para a vinda de empresas para os estados ou municípios. A oferta de isenção tributária para a empresa exercer suas atividades é algo trágico. Outro ponto a ser destacado é a falta de transparência, pois o cidadão não sabe exatamente o volume de impostos que paga. A discriminação dos valores na nota fiscal é fundamental. Ainda temos outra distorção: lidamos com uma carga fiscal robusta, mas em descompasso com a aplicação em termos de qualidade, isto é, não há retorno forte na promoção de políticas públicas pelo combate à desigualdade social.

O que pode ser feito para diminuir essas distorções?

Um elemento importante é a isenção tributária de itens básicos, como a desoneração da cesta básica; do transporte público, que favorece a população mais pobre da sociedade. Também é preciso ampliar tributação sobre renda, patrimônio e riqueza. Hoje, por exemplo, não há pagamento de imposto para jatinhos, helicópteros. Também não podemos permitir que famílias acumulem grandes fortunas. Nos EUA, por exemplo, há uma taxação alta para grandes fortunas. Por isso, a maioria dos empresários aplicam em fundações de interesse público.

Existem modelos mais equilibrados em outros países?

Países com sistemas tributários mais equilibrados estão localizados na Europa, em especial os nórdicos, que estabelecem um padrão civilizatório para igualdade. Nesse caso, o Estado admite a acumulação, regula e distribui. Nos EUA existe um modelo mais livre e, apesar de tudo, tentam inibir acumulação pessoal. Tributar os mais ricos promove um processo mais justo na devolução das riquezas. É preciso cobrar um retorno social.

Qual o papel do Estado?

Imposto é a contribuição que a sociedade dá para a constituição de um fundo público para prestação de serviços. O que se deve discutir é a aplicação dos recursos de acordo com uma política clara. Por exemplo, se temos clareza de que não queremos incentivar o uso do automóvel, é possível aumentar ou criar imposto para compra de automóvel. A reforma tributária é central para promover distribuição de riqueza e justiça social. Outro ponto fundamental é o sistema financeiro. Bancos são grandes meios de acúmulo e concentração de renda. Na realidade, são grandes máquinas do sistema capitalista. Regular o sistema financeiro significa regular o sistema capitalista.