Entrevista Gesa Corrêa: A violência na 3ª idade

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Assédio moral na 3ª idade. Assim iniciamos a entrevista com a coordenadora geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), Gesa Corrêa. Com o desdobrar da conversa, percebemos que o assédio moral é a ponta da lança deste processo de violência, principalmente contra a mulher na 3ª idade. Agressões verbais, negligência, abandono, humilhações, espancamentos e até assassinatos são práticas de violência sofridas cotidianamente. Estas são mulheres, muitas vezes, abandonadas em casas de repouso, esquecidas de sua sexualidade, reféns de cuidadores violentos, furtadas de afeto e extorquidas financeiramente. Sem contar a falta de acesso à saúde pública de qualidade, educação e formação, lazer e cultura. Gesa traz alguns dados assustadores e fala da importância da libertação da mulher diante da cultura machista e patriarcal.
O assédio moral no mercado de trabalho é frequente principalmente quando a pessoa está prestes a se aposentar ou já se aposentou. Como lidar com essa realidade?
Nós, sindicalistas, defendemos que na idade de aposentar, todas e todos devem se aposentar. Somos contra a Reforma da Previdência. Aposentadoria é direito, mas é claro que quando uma pessoa mais velha está no mercado de trabalho é chamado de forma discriminatória de “velho” e muitas chefias acham que não deveriam estar mais trabalhando. As pessoas mais velhas representam a memória de seu trabalho, uma vez que já compreendem todo o processo. Portanto, quando a pessoa exerce seu trabalho laboral e tem condições de fazê-lo com prazer, não pode ser discriminado. O assédio moral é muito intenso com o conflito geracional discriminatório, o que incorre no isolamento das pessoas mais velhas, mesmo estas sendo as mais experientes. Hoje, algumas prefeituras oferecem o retorno ao trabalho, por conta da maturidade, da experiência e do comprometimento.

Mesmo depois de aposentadas e fora do mercado de trabalho, as pessoas procuram outras atividades?
Agora, há outro campo de trabalho na 3ª idade para as mulheres: de cuidadoras. Muitas famílias têm receio de contratar babá e acabam contratando uma vovó para cuidar de seus filhos. Nesse caso, não há trabalho doméstico, apenas o cuidado com filhos.

Um fato assustador é a violência contra pessoas da 3ª idade. Quem são os principais agressores? As mulheres são as que mais sofrem violência?
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), as mulheres continuarão vivendo mais do que os homens. Em 2060, a expectativa de vida delas será de 84,4 anos, contra 78,03 dos homens. De janeiro a junho deste ano, o Disque 100 recebeu 22.754 denúncias de violência praticada contra a pessoa idosa em todo o país. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), pouco mais de 70% dos suspeitos denunciados têm parentesco direto com a vítima. São irmãos, netos, primos, mulheres ou maridos. Mas a assustadora maioria é composta pelos próprios filhos. Em mais de 50% dos casos, são eles os suspeitos das agressões. E, em mais de 70% das denúncias, o ataque acontece na própria casa do idoso(a). Quase duas de cada três vítimas (64,74%) são mulheres. Não aceitam que as mulheres principalmente possam refazer suas vidas. Pensam que as mulheres nessa idade devem apenas cuidar dos netos e ajudar filhos. A situação se agrava em famílias de baixa renda, nas quais muitos filhos e netos querem se apropriar de proventos da aposentadoria. Os índices são altos de violência com agressão verbal, física e, em muitos casos, morte. Os dados são preocupantes, porque cresce o número de agressões, principalmente, pela apropriação indevida da aposentadoria por familiares. Os tipos de violência denunciados com mais frequência são de negligência (75,07%), psicológica (56,06%) e de abuso financeiro e econômico (45,48%). Denúncias de violência física somam 28,03%.

Essa violência é uma questão histórica? Como romper com esta prática?
Essa violência e desdém com homens e mulheres da 3ª idade têm a ver com a cultura ocidental, que usa termos pejorativos e discriminatórios como “velho” e “caduco”. As culturas indígena e oriental respeitam os mais velhos, considerando toda a ancestralidade e sabedoria, assim como no candomblé, por exemplo, onde as mulheres mais velhas também são respeitadas. Conforme dados apontados, o processo de envelhecimento da população traz desafios imensos para o conjunto da sociedade e faz-se necessário rever as prioridades em políticas públicas. Quero ressaltar que a cultura machista ainda muito arraigada em nosso país contribui para o aumento da violência contra as mulheres, assim como a cultura de priorizar o novo, colocando o velho como ser descartável. E educação tem um papel importante nesse processo, pois é preciso cobrar espaços públicos na mídia para divulgar os direitos dos idos(as) bem como reverter a cultura que discrimina idosos(as). É preciso mexer nos livros didáticos que apresentam uma imagem distorcida dos idosos(as) bem como seu papel na sociedade.

E a autoestima da mulher? Como ela lida com a sexualidade na 3ª idade?
Outras pesquisas comprovam o foco de resistência das mulheres da 3ª idade ou melhor idade quando elas tomam conhecimento de que a sexualidade não termina com a idade. Diferentemente do homem, a sexualidade da mulher é mais simplificada, enquanto a masculina, muitas vezes, depende de remédio. As mulheres percebem, cada vez mais, que sexualidade é direito e faz bem à saúde. Muitas procuram ajuda, mais formação e apoio. A vida não termina aos 60 e nem aos 65 anos. As mulheres querem e devem se libertar.

Por que a denúncia ainda é tão frágil?
Apesar do aumento das denúncias de violência contra os(as) idosos(as), acredita-se que o número efetivo de casos deva ser bem maior. Como na grande maioria dos casos a violência é praticada pelos próprios filhos(as) e netos (as) o(a) idoso(a) não formaliza a denúncia. Quando o(a) idoso(a) é dependente financeiramente dos filhos a situação se agrava, pois não teria para onde ir, caso fosse investigado a situação. A violência sofrida nessa idade é muito grave. Geralmente, as mulheres que mais sofrem e têm mais dificuldade de denunciar e falar sobre o ocorrido, haja vista que os agressores são os próprios filhos ou netos. Temos feito na área sindical um trabalho de “formiguinha” conversando com as mulheres, fazendo palestras e demonstrando formas de denúncia. Muitas mulheres vêm conversar, mas não têm coragem de denunciar. Eu acredito que temos que cobrar políticas do poder público. Mudar a cultura não é fácil, afinal vivemos em uma sociedade permeada pelo machismo e patriarcado. Por exemplo, houve um caso que uma professora bem esclarecida e formada não teve coragem de denunciar que apanhava todos os dias do marido. Conseguimos uma advogada, conversamos, mas ela não teve coragem de pedir a separação e este fato desagregou toda uma família, uma vez que os filhos saíram de casa. Isso aconteceu no Rio de Janeiro, que é uma cidade grande. Imagina em uma cidade pequena, a situação só piora. Por isso, é tão importante a Lei Maria da Penha. O machismo ainda é muito forte em nossa sociedade que acaba referendando o opressor. A mulher ainda troca o sobrenome para usar o do marido. E essa cultura machista se agrava com a idade. A violência contra a mulher é assustadora.