O ONDAS é um dos signatários de Nota que aponta os pontos que irão desestruturar o setor de saneamento caso o relatório apresentado pelo deputado Geninho sobre o PL 3261/2019, que prevê alteração no marco regulatório do saneamento, seja aprovado. A nota também enumera os reais problemas que impediram e ainda impedem maiores avanços do saneamento no Brasil.
As Entidades abaixo assinadas manifestam discordância com o conteúdo do texto substitutivo ao PL 3.261/2019 e apensados que altera a Lei 11.445, de 2007 (Lei Nacional de Saneamento Básico) e mais quatro leis.
O relatório apresentado em 09 de outubro pelo Deputado Geninho Zuliani, relator da matéria na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, presta um verdadeiro desserviço ao saneamento básico no Brasil, pois sua proposta consegue ser pior que as Medidas Provisórias 844 e 868 derrotadas, de forma inédita, pelo Congresso Nacional.
Caso o substitutivo seja aprovado ocorrerá uma profunda desestruturação do setor, considerando que:
- Fere o pacto federativo, a organização e autonomia dos Estados, Municípios e do Distrito Federal ao impor condições que contrariam a Constituição, transformando os executivos e legislativos desses entes federativos em meros executores das ordens da União e impedindo que exerçam suas prerrogativas constitucionais;
- Propõe a extinção do contrato de programa para a prestação dos serviços de saneamento, anulando o preceito constitucional que garante a cooperação interfederativa e a gestão associada de serviços públicos entre os entes federados;
- Elimina os mecanismos de subsídio, principalmente o subsídio cruzado que garante a prestação dos serviços para as populações mais pobres e os municípios pequenos e de menor renda;
- Fragiliza o papel dos Municípios, dos Estados e do Distrito Federal na medida em que obriga os entes federados a aderirem ao novo marco legal sob pena de não poderem acessar recursos públicos, e determina que o Município indenize imediatamente os investimentos realizados e não amortizados, caso não “entregue” seus serviços ao “novo” operador ou seja, impõe condições que não deixam alternativa às prefeituras exceto submeterem-se às novas condições;
- Impõe a Estados e Municípios a instituição de blocos de municípios para prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, desrespeitando a Constituição Federal, obriga a alienação das companhias estaduais de saneamento, e a promoverem concessões e parcerias público privadas (PPPs);
- Redefine a titularidade dos serviços (serviços de interesse local e interesse comum) de forma contraditória à interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que não cabe, em hipótese alguma, a uma lei ordinária, pois se trata de prerrogativa exclusiva da Constituição Federal;.
- Provoca profunda instabilidade jurídica que paralisará os investimentos e a liberação de recursos que estão em processo de contratação.
É preciso que a sociedade brasileira e os senhores e as senhoras parlamentares conheçam os reais problemas que impediram e ainda impedem maiores avanços do saneamento no Brasil. São eles:
- Ausência de política para o setor de 1986 até 2006 e falta de integração com outras políticas públicas;
- Implementação parcial da Lei 11.445/2007 e seus instrumentos;
- Ausência de cultura de planejamento, de regulação e fiscalização dos serviços;
- Irregularidade no aporte de recursos públicos para investimentos em saneamento, em que o período de 2003 a 2015 se configurou como exceção;
- Inexistência de fundos públicos de saneamento para universalização e subsídios diretos e indiretos à população de baixa renda, tal qual há nas políticas de energia, telefonia e transporte público;
- Dificuldades para os prestadores de serviços de saneamento, públicos e privados, executarem integralmente os recursos contratados, em razão da qualidade dos projetos; das características das áreas urbanas que envolvem desde problemas na legislação de uso e ocupação do solo; da ausência de planejamento territorial urbano; dos conflitos fundiários; da precarização das habitações e da urbanização, destacadamente nas periferias de grandes cidades;
- Ineficiência de alguns prestadores de serviços de saneamento públicos e privados;
- Descaso do setor privado em utilizar os dispositivos legais existentes para participar da prestação dos serviços públicos de saneamento;
- Emenda Constitucional 95, que determina corte de recursos para investimento em políticas públicas e cria dificuldade de acesso a recursos existentes;
- Desigualdades regionais e de capacidade de pagamento da população, principalmente na periferia das grandes cidades, onde há áreas com redes de água e esgotos instaladas e muitos domicílios não conectados.
A legislação atual, de forma muito clara, permite todas as formas de participação privada no setor de saneamento básico por meio dos dispositivos existentes na legislação a exemplo de concessões, totais ou parciais, (Lei 8.987, de 1995 – Lei de Concessões); Participação Público-Privada (Lei 11.079, de 2004 – Lei das PPP’s) venda dos ativos total ou parcial, abertura de capital, locação de ativos previstos na Lei 9.491, de 1997 – Programa Nacional de Desestatização, que foi referendado pela Lei 13.334, de 2016. Aliás, nesse sentido, as alterações propostas no relatório do Deputado Geninho Zuliani provocarão uma maior insegurança jurídica ao setor, tendo em vista as flagrantes inconstitucionalidades nele contidas com alterações que ferem o pacto federativo, a autonomia e a organização dos entes federados.
Um dos aspectos importantes que demonstram que os grandes problemas do setor não são derivados da Lei 11.445/07, que se pretende alterar, é que no período após a lei, de 2008 a 2017, os investimentos realizados totalizaram R$ 96,8 bilhões, três vezes mais do que no período 1998/2007 (R$32,32 bilhões).
Pelo exposto, reafirmamos nossa posição contraria ao relatório e pedimos aos Srs. Deputados e às Sras. Deputadas que rejeitem o texto, sob pena de entrarem para a história como aqueles que, sob o argumento de buscar a universalização do acesso aos serviços de saneamento básico, contribuíram para ampliar a desigualdade regional e a exclusão dos mais pobres, e para aumentar abusivamente as tarifas, como já ocorreu em várias cidades, do Brasil e de outros países, que agora se vem obrigados a reestatizar/remunicipalizar os serviços públicos de saneamento básico.
Assinam:
- Federação Nacional dos Urbanitários – FNU
- Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento – ONDAS
- Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental – FNSA
- Federação Nacional dos Trabalhadores em Água, Energia e Meio Ambiente – FENATEMA
- Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros – FISENGE
- Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp – APU