Engenheiros integram “Frente pela Vida e Tecnologia Social”

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“Os engenheiros precisam encarar com propostas mais ousadas os problemas da sociedade brasileira, na direção da construção de um país mais justo”, afirmou Olímpio Alves dos Santos, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). “Eu acredito que o papel dos profissionais da engenharia é construir conhecimento para apoiar as lutas populares por direitos, promover a transformação social e agir contra a necropolítica do governo federal. É isso que precisamos celebrar e enfatizar no Dia do Engenheiro, comemorado neste 11 de dezembro que encontra o Brasil no cenário dramático de pandemia e desgoverno.”

O dirigente participou nesta quinta-feira (10), do debate “Frente pela vida e a tecnologia social”, que reuniu um grupo de engenheiros dispostos a desenvolverem ações coordenadas de gestão tecnológica para responder a demandas sociais urgentes. A iniciativa está alinhada com a Frente pela Vida, formada por mais de cem entidades, com grande protagonismo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), além de OAB, ABI, SBPC, CNBB, entre outras. Também integraram a conversa, online, o doutor em Planejamento Urbano e professor Pedro Cláudio Bocayuva Cunca, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (Nepp-DH) da UFRJ; Luciana Corrêa do Lago, do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (Nides-UFRJ); Walter Issamu Suemitsu, engenheiro elétrico, decano do CT/UFRJ; e Artur Obino Neto, engenheiro civil e pesquisador da Coppe, do Clube de Engenharia.

“Um ponto muito importante é a cooperação, não só dentro da universidade, entre suas várias áreas, mas com a sociedade, as associações, os centros de pesquisa, Sindicato dos Engenheiros, Clube de Engenharia, para criar uma grande rede colaborativa para enfrentar esses problemas”, defendeu o decano do Centro de Tecnologia da UFRJ, Walter Issamu Suemitsu. “Temos que contar com a sociedade civil, porque, com esse governo, não dá.”

Cunca, do Nepp-DH/UFRJ, destacou a importância, neste momento, de convocar um diálogo em torno do eixo do conhecimento médico, epidemiológico e sanitário, considerando os desafios e a complexidade do quadro da pandemia”. Especialmente, sob o “efeito nefasto da falta de coordenação adequada de Política Nacional de Saúde” e dos ataques ao Sistema Único de Saúde (SUS), que afetaram, inclusive, os programas nacionais de vacinação.

Ele citou o documento intitulado “ Ocupar escolas, proteger pessoas, valorizar a educação”, da Abrasco, que aponta a necessidade de produzir distanciamento social, o que requer estratégias e propostas que levem em conta questões associadas a equipamentos de proteção e testagem de Covid-19, transporte público, saneamento, logística, acesso à água, à informação, etc. “Todos esses ingredientes reorganizam a vida pública e são processos que exigem alta intensidade de qualificação e capacidade de produzir efeitos adequados, utilizar instrumentos, ferramentas”, explicou o pesquisador do Nepp-DH/UFRJ. É aí que, junto com os profissionais de outras áreas, entram os engenheiros.

Para a elaboração colaborativa dessas soluções, Cunca enfatizou as chamadas tecnologias de solidariedade, os modos de organização do território, visíveis na construção das redes sociais de favelas, de negros, mulheres, que, na pandemia, garantiram proteção, segurança alimentar e articulação solidária, criando nexos, por exemplo, com sistemas de atenção básica e centros de saúde. “Esse primeiro elemento já traz um conjunto de exigências de tecnologias da informação, de formas de distribuição de alimentos, de apoio comunitário, de identificação de necessidades.”

O segundo elemento fundamental do ponto de vista tecnológico, na sua avaliação, abrange os equipamentos de proteção (EPIs), as formas e os modos de gestão do atendimento básico e toda a cadeia de acompanhamento médico, a ação ambulatorial clínica, até os ambientes mais complexos das UTIs. Um cenário que parte da área de saúde e se relaciona de forma ampla com o território e com as famílias, evitando mortes em casa e o abandono das pessoas. De acordo com Cunca, todos esses componentes induzem tecnologias específicas, hospitalares, mesmo intervenções no modelo industrial, ações de saneamento e para acesso à água, identificação de fluxos de transporte, compreensão dos modelos de comportamento coletivo no espaço público, no comércio, etc.

“Essa ideia do pacto da vida é o nosso new deal, com a possibilidade de incorporar elementos da nova revolução industrial e tecnológica, com outra chaves – não é se o 5G será americano ou chinês, mas ao que ele serve, o que pode conectar de informação, se tiver capilaridade e acesso universal à internet, água, transporte de qualidade…”, argumentou. A eleição recente dos prefeitos, observou Cunca, favorece o planejamento de novas ações. “Mas o Estado e o Governo Federal precisam cumprir suas funções nos seus elementos federativos, e não embarreirar essa ou aquela vacina ”, adverte. Uma questão imediata, diz, é a segurança alimentar, para o que é importantíssima a renda emergencial. “Não se pode ter um Natal com fome”.

Em Caxias, 40 estudantes nos telhados
Luciana Corrêa do Lago, do Nides-UFRJ, contou que algumas iniciativas com tecnologias sociais já estão sendo desenvolvidas pela universidade em parceria com as comunidades. São projetos consolidados ou em fase inicial que usam e adequam tecnologias, para promoção de vida digna para aqueles que estão permanentemente em risco. “É assim que entendemos as tecnologias sociais – desenvolvidas em laboratórios, pensadas, testadas, alteradas, de acordo com as necessidades emergenciais daqueles que se utilizam delas.”

O mestrado do Nides em Tecnologia para o Desenvolvimento Social tem uma abordagem transdisciplinar, que reúne vários laboratórios nas áreas de eletrônica, computação, alimentação, elétrica, etc, com forte atuação na extensão universitária – que Luciana considera o grande “cimento” do núcleo. Ou seja, a aplicação do conhecimento científico para reprodução da vida.

Essas tecnologias estão no campo das infraestruturas urbanas, fundamentais para a saúde pública, em áreas como água, esgotamento sanitário, tratamento de resíduos, energia, águas pluviais. Podem incluir biodigestores, Bacias de Evapotranspiração (BETs), uso de energia fotovoltaica e aproveitamento da água da chuva.

Segundo Luciana, no município de Duque de Caxias (RJ), foram produzidas seis Bacias de Evapotranspiração, numa parceria entre o Nides/UFRJ, a Faculdade de Arquitetura, também da UFRJ, e os movimentos por moradia. A BET, conhecida como “fossa de bananeira”, é um sistema fechado de tratamento da água usada na descarga de sanitários convencionais, que não gera nenhum efluente e evita a poluição do solo, das águas superficiais e do lençol freático. No bairro de São Bento, os moradores se apropriaram dessa tecnologia para a produção de banana, com reflexo em mobilizações nos bairros vizinhos. “Criaram até coletivos de prestação de serviços para essa tecnologia.”

Um novo projeto, agora com agroecologia, está se desenvolvendo na Maré. “É uma possibilidade viável que vem sendo experimentada, e poderia dar respostas, até como dispositivo de mobilização e formação, nesses territórios”, afirmou Luciana. Outra demanda crítica, disse, está na dificuldade de acesso à água, intermitente em várias comunidades. Ela conta que viu, por exemplo, na própria Maré, inúmeras casas que não tinham nem cisterna nem caixas d’água. Como o protocolo para prevenção da Covid-19, além de isolamento, é lavar as mãos com frequência, e para evitar que as famílias saíssem, a comunidade se organizou para colocar galões nas ruas.

“Estamos desenvolvendo técnicas de captação da água da chuva com filtragem, que já foram implantadas em Caxias, com formação de moradores, que aprenderam a produzir cisternas”, contou Luciana. O Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) tem incentivado essa temática, com assessoria técnica e editais, disse.

Na segurança alimentar, outro campo relevante, ela descreveu a experiência de distribuição de cestas de alimentos, em Niterói e São Gonçalo. A ação foi encabeçada pela comunidade do Preventório, em Niterói, que buscou produtores agrícolas locais, criou um modelo de distribuição, o que demandou um sistema informacional para pedidos a distância, em parceria com um laboratório de informática, e organizou uma logística própria. “Foi um sucesso”, avaliou Luciana. Na comunidade Santa Marta, em Botafogo, a professora do Nides observou o uso intensivo do celular (WhatsApp) para acionar serviços médicos remotos.

“Nós, profissionais indignados com esse quadro [de tragédia sanitária], precisamos construir pontes, conexões com esse mundo popular, criativo, colocar em xeque conhecimentos. A UFRJ vem lentamente construindo esses caminhos, mas é um processo difícil, ainda de forma fragmentada, em projetos de extensão”

O quadro, contudo, já foi pior. Nos últimos 15 anos, a democratização do acesso à universidade pública, segundo Luciana, mudou o perfil do conjunto dos alunos e novas demandas e conexões entraram na sala de aula e nas pesquisas. Há fila de estudantes interessados em participar dos projetos. De um universo de 70 mil estudantes, ela estima que 30% sejam de baixa renda.

“Estou muito impressionada com o interesse dos alunos de Arquitetura e Engenharia nos projetos de extensão. Temos fila, mesmo sem bolsa.” Mas, para a mudar a mentalidade de forma generalizada nos cursos, seria preciso, argumentou ela, que a extensão deixasse de estar à margem do ensino, “Na hora em que os alunos entram em contato com essas práticas, dão sentido à abstração da sala de aula. A maioria desconhece as ações; está lá para ser chamado pela empresa. É uma disputa.”

A professora lembra, nesse sentido, que a Faculdade de Arquitetura conseguiu inserir duas disciplinas obrigatórias para serem oferecidas dentro da ocupação, em Caxias. “Eram 40 alunos em cima dos telhados, fazendo cálculo de cobertura. E há uma fila de gente querendo que a disciplina se repita. Precisamos lutar por isso.” Todas essas iniciativas podem “estar por um fio”, advertiu Luciana, devido aos cortes de bolsas – integrais, nas Ciências Humanas; e parciais, na Exatas.

Tem tecnologia, mas não tem governo 
“As tecnologias são importantes”, sublinhou o decano do Centro de Tecnologia da UFRJ, Walter Issamu Suemitsu, “mas não resolvem, se não tivermos políticas públicas adequadas.” No CT, que abrange o Nides, a Escola Politécnica, a Escola de Química, a COPPE e o Instituto de Macromoléculas, foram desenvolvidos ao longo deste ano respiradores de baixo custo, para responder à demanda extraordinária da pandemia, e máscaras do modelo face shield, em impressoras 3D. Um trabalho integrado entre engenheiros e médicos. As equipes de química também produziram, em cooperação com vários institutos, muitos litros de álcool em gel. E entregaram kits de testes rápidos para Covid-19.

“Os testes precisam ser rápidos, confiáveis e baratos – se houvesse um programa governamental de testagem”, explicou Suemitsu. “Em todos os lugares que houve combate efetivo à pandemia, houve testagem em massa e isolamento das pessoas que dessem positivo. Mas aqui, sabemos a ineficácia do governo”.

No plano de vacinação, ele alertou que será preciso contar com insumos como seringas, recipientes de vidro, logística bem azeitada. “A questão está muito atrasada no Brasil”, advertiu. “Dizem que esse ministro da Saúde é especialista em logística, mas ainda não vimos isso.”

Para o decano do CT, é preciso incluir nesse plano coordenado iniciativas relacionadas a dispositivos de acesso à internet – pesquisas para baratear smartphones ou a criação de outros meios, como laptops para processamento em rede, e oferta de banda larga acessível –, e parcerias para difusão de conhecimento. Ele lembrou que, em Sergipe, houve quem recebesse terreno de reforma agrária e tivesse que arrendá-lo por não saber plantar. 

Nessa grande rede solidária, Artur Obino, do Clube de Engenharia, defendeu o protagonismo das comunidades nas iniciativas. Não só participando da criação de soluções, como apontando prioridades e trocando saberes. “É necessário levar alternativas e construir a solução junto com eles. A tecnologia tem que estar na mão não só de quem a faz mas das pessoas que vão utilizá-las.”

Olimpio, do Senge RJ, afirmou que vai buscar o avanço das articulações da rede, observando que pandemias, historicamente, refletem desequilíbrios socioeconômicos, ambientais e políticos das sociedades, e momentos de mudanças de paradigma.

“No dia 10, comemoramos os 72 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas uma declaração ainda não é um direito. Certamente muitos países devem ter inserido alguns itens da carta dos DDHH nas suas constituições e leis. Mas, mesmo escritos, muitas vezes esses direitos não se tornam efetivos. Estamos assistindo a isso neste momento, quando o direito à vida está sendo negado aos brasileiros. Os direitos só são alcançados quando as sociedades resolvem lutar por eles. E às vezes têm que lutar duramente.”

 

O DEBATE NA ÍNTEGRA ESTÁ DISPONÍVEL NO LINK ABAIXO
https://www.youtube.com/watch?v=7vG3VvU3b2E

Fonte: Verônica Couto/Senge-RJ