UMA VISÃO SISTÊMICA DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL.
1- Apresentação
A Constituição de 1988, denominada pelo saudoso Deputado Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”, garantiu pela primeira vez na nossa Historia as condições para universalização do acesso a saúde, educação e previdência social.
Antes da constituição de 1988, o acesso à saúde pública, estava restrito aos servidores públicos e trabalhadores de “carteira assinada” através do INAMPS e aos trabalhadores rurais (sindicalizados), através do FUNRURAL. Em um país cuja principal característica do mercado é informalidade, este modelo “deixava de fora” a maioria da população brasileira. A criação e implantação do SUS – Sistema Único de Saúde, permitiu que milhares de Brasileiros tivessem acesso algum tipo de assistência médica preventiva e curativa.
Assim como a saúde, a previdência social era restrita aos trabalhadores de carteira assinada, aos servidores públicos e aos contribuintes autônomos que eram obrigados a recolher a contribuição do empregador e do empregado, sendo que os trabalhadores rurais percebiam 50 % do salário mínimo vigente. A partir da Constituição Cidadã foi garantida uma renda mínima para os trabalhadores rurais e idosos acima de 65 anos e foram criados diversos mecanismos legais que incorporavam os setores oriundos do mercado de trabalho informal.
Em relação à educação, o modelo existente era muito semelhante aos descritos anteriormente: a educação pública existia, mais o seu acesso era dificultado por um número reduzido de unidades escolares (principalmente no interior e na periferia das grandes cidades) e por falta de recursos. A criação do FUNDEB, a garantia da merenda e transporte escolar, a distribuição dos livros didáticos e a criação de um sistema nacional de educação definiram claramente as atribuições dos entes federativos, permitindo que o Brasil em 20 anos universalizasse o acesso à educação básica, apesar da existência de problemas sérios na qualidade do ensino ministrado.
Para que o Estado Brasileiro pudesse avançar na implementação destes direitos sociais foi necessário o estabelecimento de uma política nacional que definisse de forma clara as competências dos entes federativos, garantisse recursos constitucionais permanentes (através dos fundos constitucionais), implantasse uma rede de infra-estrutura pública (equipamentos, servidores e etc), a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS) e das Redes Municipais, Estaduais e Federais de Educação, e que tem a sua atuação complementada pelo setor privado e entidades filantrópicas e/ou sem fins lucrativos.
No entanto apesar da moradia ter sido reconhecido com um direito através da emenda constitucional 26/2000, foi apenas em 2002 com a criação do Ministério das Cidades que o Estado Brasileiro começou a construir o embrião de uma política publica de habitação através da criação do Conselho e do Fundo Gestor de Habitação de Interesse Social.
A universalização do direito moradia no Brasil tem, como um dos seus pilares, o apoio e o atendimento financeiro, material e técnico as experiências de auto–construção e gestão da população de baixa renda organizada ou não, em cooperativas e movimentos de moradia.
A inexistência de uma rede de assistência técnica estatal dificulta e impede o acesso de milhares de brasileiros a moradia digna. A maioria dos municípios brasileiros não tem em seu quadro, profissionais da área de Desenvolvimento Urbano e/ou serviços de apoio à moradia popular, sendo que na maioria dos casos a prestação de assistência técnica é marcada por ações pontuais e setoriais através de Escritórios Públicos, ONG´S e Escritórios Modelos das Universidades que priorizam o atendimento individual e o fornecimento do Projeto Arquitetônico.
2 – Proposições
Em vista das experiências exitosas na construção do Sistema Público de Saúde (SUS), de Assistência Social (SUAS) e de Educação, estamos propondo o estabelecimento de uma Política Nacional Sistêmica de Assistência Técnica que defina claramente as competências da União, do Estado e do Município, assim como o papel que deverá ser desempenhado pelo setor privado, entidades filantrópicas e/ou sem fins lucrativos, que do nosso ponto de vista deve ser complementar a ação Estatal. A seguir apresentamos de forma sucinta o papel que deverá ser desempenhado pelo setor estatal, privado e das entidades filantrópicas e sem fins lucrativos na implantação do Sistema Nacional de Assistência Técnica ( S.N.A.T).
Setor Estatal
Foco Principal – Ações Estruturantes e de Regulação
1- Governo Federal
§ Financiamento dos Entes Federativos;
§ Estabelecimento das diretrizes da Política Nacional de Assistência Técnica em consonância com Política de Desenvolvimento Urbano e de Habitação de Interesse Social;
2- Governo Estadual
§ Capacitação dos técnicos municipais;
§ Apoio à gestão municipal;
§ Estabelecimento das diretrizes da Política Estadual de Assistência Técnica em consonância com Política de Desenvolvimento Urbano e com Plano Estadual de Habitação de Interesse Social;
3 – Governo Municipal
§ Atendimento do cidadão de forma coletiva e/ou individualizada;
§ Implantação de Escritórios Públicos de Engenharia e Arquitetura ;
§ Estabelecer convênios com instituições públicas, privadas e entidades filantrópicas para atendimento individual e/ou coletivo para habitação de interesse social ;
§ Estabelecimento das diretrizes da Política de Assistência Técnica em consonância com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e com Plano Municipal de Habitação de Interesse Social;
Setor Privado
1- Entidades Filantrópicas e/ou sem fins lucrativos
Foco Principal – Atendimento individualizado e/ou coletivo das famílias de baixa renda, protagonizando ações de Filantropia, Extensão Universitária, Voluntariado e Fiscalização e Manutenção dos Equipamentos Públicos e Privados de Uso Coletivo.
Exemplos:
- Escritórios Modelos;
- Empresas Junior;
- Entidades Profissionais;
- ONG´S e etc;
- F.P.I (FPI´s do sistema CONFEA – CREA)
2 – Mercado Popular de Engenharia e Arquitetura
Foco Principal – Incentivar a criação de mecanismos que permita a população de baixa renda contratar profissional para elaboração e implantação do projeto da habitação de interesse social;
Exemplos:
- “Casar” o financiamento do material construção a mão de obra técnica;
- Criar financiamentos para contratação de projeto e acompanhamento de obra;
- O setor privado de material construção pode “fornecer o projeto” quando o individuo adquirir o material de construção em determinado estabelecimento;
- Incentivar empreendimentos de “Escritórios Populares de Engenharia”;
- Estabelecimento do mercado de engenharia popular;
3 – Conclusão
A garantia do direito à cidade sustentável, entendido como o direito a terra, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura, mobilidade (trânsito e transporte) e aos serviços públicos, ao trabalho e lazer, para as presentes e futuras gerações, só poderá ser viabilizado com a implantação de uma política nacional de assistência técnica que articule as ações do poder público federal, estadual e municipal.
Engenheiro Civil Ubiratan Félix Pereira dos Santos
Presidente do SENGE –BA
Conselheiro do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
ANEXOS
Tabela 1 – População e renda per capita em alguns estados do Brasil
Estado |
População (em milhões) (1) |
Renda per capita (R$) (2) |
São Paulo |
37.032.403 |
11.356 |
Minas Gerais |
17.891.494 |
6.775 |
Rio de Janeiro |
14.391.282 |
11.459 |
Rio Grande do Sul |
10.187.798 |
9.958 |
Paraná |
9.563.458 |
8.241 |
Pernambuco |
7.918.344 |
4.482 |
Pará |
6.192.307 |
3.887 |
Maranhão |
5.651.475 |
1.949 |
Goiás |
5.003.228 |
5.921 |
Paraíba |
3.443.825 |
3.311 |
Piauí |
2.843.278 |
2.113 |
Distrito Federal |
2.051.146 |
16.361 |
Fonte: IBGE – CENSO 2002·
Tabela 2 – Percentual de apropriação da renda bruta
Período |
Renda apropriada por 50% mais pobres |
Renda apropriada por 10% mais ricos |
1976 |
11,58 |
51,04 |
1986 |
13,02 |
46,95 |
1996 |
12,09 |
47,52 |
2002 |
12,98 |
47,02 |
Fonte: Série baseada na PNDA (Pesquisa Anual por Amostra de Domicílios) do IBGE
Tabela 3 – Percentual de Indigência e Pobreza (% da população total)
Período |
Pessoas abaixo da Linha da Indigência |
Pessoas abaixo da Linha da Pobreza |
1976 |
23,12 |
48,23 |
1986 |
8,83 |
26,45 |
1996 |
15,63 |
34,72 |
1997 |
15,58 |
35,18 |
1998 |
14,52 |
33,97 |
1999 |
15,03 |
35,26 |
2000 |
– |
– |
2001 |
15,25 |
35,13 |
2002 |
12,16 |
31,27 |
Fonte: Séries baseadas na PNDA do IBGE .
Tabela 4 – Domicílios com instalações elétricas
Regiões |
1970 |
1980 |
1991 |
2000 |
|
Centro-Oeste |
257.416 |
863.652 |
1.958.883 |
3.020.373 |
|
Norte |
163.995 |
499.413 |
1.314.182 |
2.290.675 |
|
Nordeste |
1.199.435 |
2.942.406 |
6.464.093 |
9.996.236 |
|
Sul |
1.331.137 |
2.990.580 |
5.282.282 |
7.057.199 |
|
Sudeste |
5.432.011 |
9.973.424 |
15.160.695 |
19.967.331 |
Fonte: PNDA do IBGE