Emenda de deputado federal propõe extinção do Salário Mínimo Profissional

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A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 23/6, a Medida Provisória nº  1040 que desregulamenta procedimentos para abertura de empresas. No entanto, uma emenda “jabuti” do deputado federal Alexis Fonteyne (NOVO-SP) propõe a revogação da Lei 4950-A/66, responsável pelo Salário Mínimo Profissional (SMP) de engenheiros, arquitetos, agrônomos, veterinários e químicos. A MP segue agora para o Senado e também ataca as fontes de financiamento dos conselhos profissionais, o que poderá inviabilizar sua sobrevivência.

O Salário Mínimo Profissional é uma conquista histórica das categorias e da engenharia que mobilizou o parlamento e a sociedade em plena ditadura civil-militar. Inspirada pelo engenheiro e político brasileiro Rubens Paiva, a lei 4.950-A de 1966, que instituiu o Salário Mínimo Profissional, é de autoria do então deputado e advogado Almino Affonso. Na época, o então presidente e marechal Castelo Branco vetou a lei, mas graças à mobilização das categorias, a Câmara derrubou o veto e hoje, o Salário Mínimo Profissional está em vigência há 55 anos. O SMP é um dos principais direitos da categoria, que prevê a utilização do valor de 8,5 salários mínimos, em jornadas de trabalho de 8 horas, para o piso inicial para engenheiros, agrônomos, químicos, arquitetos, médicos veterinários, todos no regime celetista.

De acordo com o engenheiro e presidente da Fisenge, a luta pelo Salário Mínimo Profissional nunca foi fácil. “É uma batalha enorme. Para conseguir a Lei [4.950-A/66] foi um processo demorado. Quando conseguimos aprovar na Câmara dos Deputados e a lei foi para a sanção, houve o veto total do Marechal Castelo Branco – que era o ditador daquela época. E a Câmara derrubou o veto, mesmo sob forte resistência empresarial. Hoje não temos dificuldade maior do que naquela época. Pelo menos, não estamos em uma ditadura, mas sabemos que é um processo ultraliberal. Em 1966, os nossos representantes atuaram e derrubaram o veto de um ditador! E a lei ficou valendo até hoje. Temos que atuar juntos, todas as entidades de classe, categorias e movimentos sociais, porque valorizar a engenharia significa valorizar a sociedade”, destacou Freire.

Presidente da Fisenge, Roberto Freire, na terceira reunião ordinária do Colégio de Presidentes dos Creas, promovida de modo híbrido em Cuiabá (MT) em Julho/2021

Outro dispositivo de ataque à organização dos engenheiros e das engenheiras é o impedimento dos conselhos profissionais de suspenderem o exercício profissional dos inadimplentes ou daqueles com mensalidades em atraso. E também dispensa a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) nos pedidos de ligação de energia elétrica junto às empresas prestadores de serviços, outra fonte de receita dos conselhos. A fiscalização é fundamental para garantir segurança, bem-estar e políticas públicas de qualidade para a população. Por meio da atuação dos conselhos, é possível normatizar a responsabilidade civil, ambiental e social de obras, barragens, hidrelétricas, por exemplo. Na prática, a chamada “desburocratização” advém de um modelo neoliberal e propõe uma desregulamentação e desvalorização da categoria, fragilizando a segurança dos serviços prestados à sociedade.

Quem é o deputado Alexis Fonteyne

A emenda aditiva que prevê o fim do SMP é de autoria do Deputado Federal Alexis Fonteyne, Partido Novo, que propõe: “apresentamos esta emenda visando garantir que toda pessoa natural ou jurídica não tenha restringida, por qualquer autoridade, sua liberdade de definir o preço de produtos e de serviços. Não cabe a lei restringir o direito do profissional especializado de prestar seus serviços ao valor que vier a acordar, não importando a forma de contratação, respeitadas as disposições constitucionais. (…) garantindo que a liberdade de precificação alcança esses profissionais na atividade comercial”.

Deputado Alexis Fonteyne. Foto: Gustavo Sales / Câmara dos Deputados

Segundo apuração realizada pela comunicação do Senge-PR, Alexis Fonteyne é formado em engenharia mecânica desde 1994 e é empresário do ramo de pisos e revestimentos da região de Campinas (SP) e foi presidente da ANAPRE (Associação Nacional de Pisos e Revestimentos de Alto Desempenho), foi conselheiro do CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), e foi conselheiro da Sociedade Hípica de Campinas. Segundo ele próprio explica em sua rede social no LinkeIn, ingressou na vida política por causa de diversas multas aplicadas a ele contra o seu negócio. A partir daí, dizendo que trabalha contra a burocracia, defende a desregulamentação das leis e normas que, evidentemente, possam beneficiar o seu negócio em desfavor do interesse da sociedade.

O deputado detém patrimônio de R$ 28,8 milhões declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo o oitavo mais rico entre todos os parlamentares. Mesmo assim, segundo reportagem do El País, ele se beneficia de uma legislação que não tributa os mais ricos. Ele recebeu R$ 12 mil de restituição do Imposto de Renda e se vale das desonerações fiscais para aumentar seu próprio patrimônio, conforme afirmou ao jornal.

“Normalmente tenho restituição no Imposto de Renda por causa da distorção do sistema tributário brasileiro. Como sócio de empresa, tenho rendimentos não tributáveis. E como tenho três filhos e esposa, tenho direito a deduções com educação e saúde”, explica.

Em 2019, ele foi representado pelo seu partido, o NOVO, por fazer uso do auxílio-moradia de R$ 3,5 mil, contrariando uma das bandeiras da legenda de não se beneficiar de recursos públicos. Há época, ele recebeu R$ 14 mil desse tipo de verba. Em sua defesa, embora tenha dito que iria combater os privilégios, argumentou que “enquanto não houver um parecer da Comissão de Ética Partidária não iremos nos manifestar, respeitando o sigilo estatutário assegurado aos assuntos que são levados à comissão”.

Atualmente, o salário de um deputado federal atinge R$ 33,7 mil. O valor equivale a pouco mais de 5 salários mínimos profissionais de um engenheiro com jornada de seis horas. Mesmo assim, ele tem feito uso da Cota Parlamentar e de sua verba de gabinete. Em 2021, já usou R$ 54 mil da Cota, mas sem detalhar as despesas no site da Câmara dos Deputados. Desde 2019 já foram gastos R$ 153 mil apenas para a divulgação de ações do mandato, o que representa 44% dos seus gastos.

Com relação à verba de gabinete, utilizou R$ 242 mil neste ano, destinado ao pagamento dos seus sete assessores contratados de um total de 25 possíveis. Boa parte dos maiores gastos do deputado está na contratação de serviço de consultoria, como os pagos a Nowcast Consultoria de Dados e Economia Ltda, no valor superior a R$ 16 mil. (Informações por Senge-PR)

A LUTA DA FISENGE PELOS DIREITOS

No dia 27 de junho, a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros ingressou com Amicus Curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a Medida Provisória nº 1.040/21, ajuizada pelo PSB, em face dos arts. 6º e 11-A, II, da Lei n. 11.598/2007. “Amicus Curiae” é termo em latim que significa “amigos da corte” e permite que organizações da sociedade civil apresentem contribuições em ações no STF. 

De acordo com o engenheiro e presidente da Fisenge, Roberto Freire, este é mais um ataque em face do desmonte do Estado brasileiro. “Desde 2016, o Brasil vive um processo de reformas neoliberais, como a Reforma Trabalhista e Previdenciária que desregulam o mundo do trabalho. A chamada flexibilização nada mais é do que precarização dos direitos e favorecimento ao lucro das grandes corporações”, afirmou. Ainda de acordo com o engenheiro, a Lei 4950-A/1966 foi fruto não apenas da necessidade de combate à atuação irregular dos indivíduos sem formação para exercer a profissão como também consequência de muito empenho e mobilização das entidades de engenheiros. “A luta pela regulamentação foi longa e trabalhosa e exigiu muita argumentação e capacidade de convencimento para transformar em norma os desejos dos engenheiros e de suas entidades representativas. O tempo histórico exige que nós, engenheiros e engenheiras, nos mobilizemos ainda mais em defesa de nossos direitos”, reforçou, destacando que os sindicatos filiados à Fisenge estão procurando os senadores com o objetivo de argumentar contra a Medida.

No texto do “Amicus Curiae”, a Fisenge alega que “vivenciamos a tendência de expansão do mercado com a mercantilização de tudo e a adoção de reformas na regulamentação do trabalho, em países diversos, na direção da ampliação da flexibilidade do mercado de trabalho, por meio do aumento das formas contratuais (contrato temporário, por prazo determinado, terceirização, contrato de trabalho intermitente, contrato de trabalho autônomo, além do tradicional contrato por prazo indeterminado) e a justificativa da MPV nº 1040 de 29 de março de 2021 destaca o objetivo de adequar à normativa interna para que o Brasil se torne um “melhor ambiente de negócios” seguindo os parâmetros adotados pelo Doing Business este contexto de desumanização do trabalho, a ponto de se adotar “precificação” como categoria indicativa da remuneração de profissionais, importa lembrar a importante conquista no plano internacional, consenso antigo entre as Nações que integram a Organização Internacional do Trabalho, expresso em sua Constituição: o trabalho não é uma mercadoria”.

Conheça a história do Salário Mínimo Profissional 

Em 31 de março de 1964, um golpe pôs fim à democracia no Brasil e deu início a uma ditadura que, oficialmente, duraria até 1985. Uma das referências de oposição a esse regime autoritário foi o engenheiro e deputado federal Rubens Paiva. No dia 2 de abril de 1964, em um discurso histórico, ele foi corajoso. Convocou o povo a resistir ao golpe e defender a permanência do presidente João Goulart. Paiva foi preso em sua casa pelos órgãos de repressão, em 20 de janeiro de 1971. Nunca mais voltou. Seu desaparecimento é sempre lembrado quando se trata de recordar as barbaridades cometidas naquela época.

Rubens Paiva

Rubens Paiva inspirou a criação do Salário Mínimo Profissional, transformado em Lei pelo deputado federal e advogado Almino Affonso em 22 de abril de 1966. É a Lei 4.950-A/1966, fruto de intensos debates entre as entidades de engenharia e demais profissionais. A legislação diz respeito aos engenheiros, arquitetos, agrônomos, químicos e médicos veterinários. A lei garante um salário mínimo proporcional à jornada de trabalho e à duração do curso de graduação.

Esse valor mínimo deve ser garantido a todos os trabalhadores celetistas, ou seja, aqueles regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, os servidores da administração pública que estão sob o Regime Estatutário ainda não foram contemplados pela lei. Apesar dessa limitação, essa foi uma grande conquista da categoria que, historicamente, lutava por maiores salários e melhores condições de trabalho. O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, em 13 de março de 1968, que o artigo 82 não se aplica ao Estatuto dos Funcionários Públicos, pois seria incompatível com a Constituição.

Em maio de 2009, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, contestou no STF a Lei do Salário Mínimo Profissional. A ação pedia que o Supremo determinasse que a regra não foi recepcionada pela Constituição, já que foi editada antes da Constituição Federal de 1988. A justificativa era o inciso IV do artigo 7o da Constituição, que proíbe a utilização do salário mínimo para indexação de qualquer fim.

Em 2010, a Ministra do STF Ellen Gracie ao julgar uma ação de inconstitucionalidade contra o estabelecimento de Salário Mínimo para os radiologistas que fixava o piso de 04 salários mínimos nacionais declarou a constitucionalidade da lei. Este entendimento foi reforçado pelo Ministro do STF Gilmar Mendes na sumula vinculante 045/ 2012.

Em fevereiro de 2010, a Fisenge, em parceria com o Senge-PR, entrou com um pedido de Amicus Curiae sobre a constitucionalidade da Lei 4.950-A. De acordo com o documento, a Lei no 4.950-A não estabelece um reajuste de salário, mas sim a fixação do menor salário que um engenheiro, arquiteto, químico, médico veterinário ou agrônomo pode receber. Em 2013, o STF aceitou o Amicus Curiae sobre a constitucionalidade da lei 4.950-A.

Texto publicado na revista digital Em Movimento nº 33 da Fisenge