Este levantamento tem como objetivo apresentar, de forma sintética, algumas das medidas propostas ou adotadas por alguns países para conter os efeitos econômicos e sociais da crise gerada pela pandemia do Covid-19.
Em função da urgência do tema para o debate púbico nacional, o DIEESE priorizou a publicação das informações até então coletadas e, posteriormente, fará acréscimos com as medidas adotadas por outros países.
Nesse primeiro texto, a maioria dos países destacados pertence à Europa, onde o ciclo da doença parece entrar na fase mais aguda. São países que implementaram no passado as políticas de intervenção social e econômica que constituíram o chamado Estado de Bem-Estar Social, hoje em declínio em grande parte daquele continente, mas ainda operante. Também serão apresentadas as medidas tomadas pelo governo brasileiro para conter a crise, em sessão específica no final do texto.
Devido à rapidez como a doença se propaga e à expectativa de que o surto não cessará tão cedo, novas medidas devem ser adotadas por esses países, no futuro, assim como outros devem se incorporar à lista. Por essa razão, o DIEESE procurará manter atualizado o quadro das ações propostas ou implementadas pelos diversos governos nacionais ou órgãos internacionais, divulgando sempre informes.
É também propósito da entidade publicar um quadro com a síntese das principais medidas propostas, negociadas ou acordadas pelos sindicatos brasileiros para o combate dos efeitos da pandemia no emprego e na renda dos trabalhadores e trabalhadoras, e sobre toda a população brasileira.
Síntese das medidas
1. A União Europeia decidiu suspender temporariamente as regras de disciplina orçamentária obrigatórias, entre elas a que define que o déficit público dos países membros do bloco deve permanecer abaixo de 3% do PIB.
2. A França anunciou um plano de 45 bilhões de euros para, entre outras ações, ajudar as empresas em dificuldades, se necessário, inclusive, nacionalizando organizações, e manter o pagamento dos salários dos trabalhadores. Além dessa medida, criou um fundo solidário de 1 bilhão de euros para micro e pequenas empresas e trabalhadores por conta própria que tenham menos de 1 milhão de faturamento e que tenham perdido, entre março de 2019 e março de 2020, 70% do faturamento.
3. Outra medida adotada foi a suspensão da cobrança de impostos, contas de luz, água e gás e de aluguéis. Posteriormente, o governo francês ampliou as medidas, disponibilizando cerca de 300 bilhões de euros para empréstimos bancários e ampliação do plano de “desemprego parcial” (programa de suspensão de contrato de trabalho na França, com pagamento de parte do salário do empregado pelo Estado e oferta de formação profissional).
4. Na Holanda, o governo adotou um programa que prevê o pagamento de até 90% dos salários dos trabalhadores, durante três meses, nas empresas que apresentarem perda de pelo menos 20% da receita. Para serem elegíveis, as empresas não devem demitir nenhum funcionário por razões econômicas durante o período coberto pelo subsídio. As medidas também preveem assistência adicional aos trabalhadores autônomos, entre outras.
5. O governo britânico anunciou um pacote de estímulo da economia que prevê recursos da ordem de 38 bilhões de libras (cerca de R$ 223 bilhões) para garantir o pagamento de 80% dos salários dos trabalhadores ingleses a partir de março e ao longo de três meses. É o terceiro pacote apresentado pelo governo desde o início da pandemia. Juntos, totalizam cerca de 418 bilhões de libras, ou R$ 2,5 trilhões.
6. Na região de Flandres, na Bélgica, o governo local anunciou um fundo de reserva de 100 milhões de euros de socorro às empresas. E cada estabelecimento comercial que for obrigado a interromper as atividades poderá se beneficiar de uma indenização de 4.000 euros.
7. A Alemanha anunciou empréstimos “ilimitados” às empresas afetadas pela pandemia, além de incentivos fiscais. De início, o governo alemão disponibilizará mais de 500 bilhões de euros em crédito para assegurar a liquidez das empresas. Não está descartada a adoção de programas de recuperação e nacionalização. Outras medidas estão em estudo e podem ser indicadas em breve. Por exemplo, o governo vai propor que pessoas que moram em casas alugadas não possam ser despejadas por falta de pagamento dos alugueis nos próximos seis meses.
8. A Itália prevê a nacionalização da companhia aérea Alitalia, que enfrenta grandes dificuldades financeiras há muitos anos. Também prevê um fundo de 600 milhões de euros para o setor aéreo nacional.
9. Portugal adotou diversas ações, como:a) linha de crédito de 200 milhões de euros para as empresas; b) linha de crédito de 60 milhões de euros para microempresas do setor de turismo; c) lay off simplificado – apoio de 2/3 das remunerações, com 70% do valor coberto pela Seguridade Social; d) bolsa de formação do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP); e) adoção de um regime excepcional e temporário de isenção de pagamento de contribuições à Seguridade Social, prorrogação de prazos de pagamentos de impostos e outras obrigações declarativas, além de outras medidas fiscais; e f) aceleração do pagamento às empresas pela administração pública.
10. Espanha adota medidas de estatização temporária dos serviços privados de saúde para o combate da pandemia. Também exige que empresas e pessoas que produzam ou possam produzir materiais como equipamentos de diagnóstico, máscaras, luvas e outros produtos médicos e farmacológicos informem às autoridades em 48 horas sobre essa capacidade. Os que não informarem correm riscos de sanções.
11. EUA planejam enviar recursos diretamente para as famílias, como parte de um pacote de estímulo à economia da ordem de US$ 850 bilhões. A medida prevista propõe doar mil dólares por família. Outras ações planejadas: a) conceder ajuda de US$ 50 bilhões de dólares ao setor aéreo e b) compra de dívidas corporativas de curto prazo das empresas pelo FED (banco central estadunidense).
Medidas adotadas pelo governo federal brasileiro
1. Em 16 de março, o governo brasileiro anunciou um pacote de R$ 47,3 bilhões. As medidas são:
a. Leilões extraordinários de títulos públicos para reduzir distorções no mercado de títulos e ampliar a liquidez do mercado
b. Antecipação para abril do pagamento de metade do 13º de aposentados e pensionistas do INSS, em valores que devem somar R$ 23 bilhões
c. Suspensão de prova de vida dos beneficiários do INSS por 120 dias
d. Ampliação de prazos e redução do teto de juros de empréstimo consignado de beneficiários do INSS
e. Aumento do percentual da renda de aposentados, que pode ser comprometida por empréstimo consignado
f. Utilização pela Caixa de R$ 75 bilhões para compra de carteira de outros bancos, renegociação de dívidas e para atender ao setor do agronegócio
g. Facilitação de negociação de dívidas de empresas e famílias que têm boa capacidade financeira e mantêm empréstimos regulares e em dia, por decisão do Conselho Monetário Nacional. Bancos ficam dispensados de aumentar provisionamento no caso de repactuação de operações nos próximos seis meses.
h. Antecipação da segunda parcela do 13º de aposentados e pensionistas do INSS para maio. Valores somam R$ 23 bilhões
i. Recursos do PIS/Pasep não sacados irão para o FGTS, com permissão de novos saques do Fundo. Estimativa de até R$ 21,5 bilhões
j. Antecipação do abono salarial para junho. Impacto de R$ 12,8 bilhões
k. Aumento do orçamento do Bolsa Família em R$ 3,1 bilhões. Medida deve permitir a inclusão de mais de 1 milhão de famílias, que aguardam na fila de espera
l. Empresas poderão adiar o pagamento do FGTS por três meses. Impacto estimado em R$ 30 bilhões
m. Empresas do Simples Nacional poderão adiar pagamento de tributos federais, calculados em R$ 22,2 bilhões, por três meses
n. Crédito de R$ 5 bilhões do FAT para micro e pequenas empresas
o. Corte de 50% nas contribuições para o Sistema S por três meses. Impacto de R$ 2,2 bilhões
p. Facilitação do processo para liberar a importação de insumos e matérias- primas industriais
q. Destinação do saldo do fundo do DPVAT para o SUS. Estimativa de R$ 4,5 bilhões
r. Redução a zero das alíquotas de importação para produtos de uso médico- hospitalar (até o final do ano)
s. Desoneração temporária de IPI para produtos importados necessários ao combate ao Covid-19
t. Desoneração temporária de IPI para bens produzidos internamente e necessários ao combate ao vírus
2. Em 18 de março, o governo anunciou novas medidas, que incluem:
a. Pagamento de auxílio de R$ 200 mensais pelo período de três meses a todos os trabalhadores informais ou desempregados com mais de 18 anos, que integrem família de baixa renda e que não sejam inscritos em outros programas públicos de transferência de renda. O programa prevê custo de R$ 15 bilhões
b. Descumprimento da meta fiscal de 2020, mediante aprovação do decreto de calamidade pública pelo Congresso Nacional, o que aconteceu em 20 de março
3. Em 22 de março, o governo publicou a MP 927 sobre as medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do Covid-19. A MP visa facilitar aos empregadores:
a. o teletrabalho, sem necessidade de acordo individual ou coletivo
b. a antecipação das férias individuais
c. a concessão de férias coletivas
d. o aproveitamento e a antecipação de feriados, que dependerá somente de concordância do empregado
e. o banco de horas estabelecido por acordo individual ou coletivo para compensação num prazo de até 18 meses; a compensação de hora pode ser determinada exclusivamente pelo empregador, independentemente de convenção, acordo coletivo e acordo individual
f. a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, como exames médicos ocupacionais, treinamentos periódicos e eventuais previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde do trabalho
g. a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, com direcionamento do trabalhador para curso ou programa de qualificação, sem recebimento obrigatório de remuneração (parcial ou total) pelo trabalhador no período; e
h. o diferimento do recolhimento do FGTS
Algumas considerações
As medidas anunciadas pelos países devem ser ainda detalhadas, algumas estão sujeitas à aprovação dos respectivos parlamentos e outras mais são esperadas. Entretanto, o que o conjunto dessas ações revela, mesmo que em graus diferenciados, é a atuação direta do Estado na busca pela minimização dos impactos decorrentes da crise. Como na crise de 2008, os Estados estão abrindo “as torneiras fiscais” para enfrentar a pandemia. São quase inexistentes iniciativas privadas de socorro econômico, em especial de setores líquidos na economia, como o financeiro, as grandes companhias de comunicação e as gigantes do mundo virtual.
É importante lamentar que nem sempre a mão visível do Estado alcança o próprio bolso. A contradição neoliberal, ao ter que amargar a intervenção do Estado na crise e abandonar, mesmo que momentaneamente, o fetiche da alocação eficiente dos recursos pelo mercado, traz um diferencial importante nessas ações anticíclicas realizadas pelos países.
Em algumas iniciativas, como parece ser, infelizmente, o caso brasileiro, o Estado intervém principalmente como mediador de ações entre os atores sociais e com reduzido papel de protagonista na mobilização de fundos públicos para o enfrentamento da crise. O Ministério da Economia está mais preocupado, por exemplo, em fazer avançar nova (a terceira) reforma trabalhista, reduzindo ainda mais os salários e benefícios para aliviar o caixa das empresas, em vez de injetar recursos para tratar da anemia enfrentada pela economia brasileira nos últimos anos. Este foi o tom das primeiras medidas anunciadas, em 16 de março e persiste na recente Medida Provisória, de domingo, 22 de março (MP 927).
A forma como cada país lida com a crise gerada pelo coronavírus fará toda a diferença ao final desse difícil período. Terão menos riquezas e mais miséria os países cujos governos não ampliaram despesas, sobretudo as sociais, e escolheram a medíocre estratégia de continuar reduzindo direitos e desonerando o setor produtivo, mantendo intocados os pagamentos dos serviços da dívida.
Fonte: Dieese
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