Em entrevista exclusiva à Fisenge, Radia Perlman, conhecida como “mãe da internet”, conta sobre sua descoberta pioneira

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Entrevista e tradução por Camila Marins

Foto: Wikipédia

Basta digitar no Google o nome de Radia Perlman e, logo, virão inúmeros textos afirmando que ela é a “mãe da internet”. Isso porque Radia é a criadora do Spanning-Tree, um protocolo que é fundamental para a operação de bridge (redes de computadores). Radia é engenheira de redes e designer de software. Regulamentado em 1990, o protocolo foi criado a partir de um algoritmo desenvolvido por Radia em 1985, quando ela trabalhava na Corporação de Equipamentos Digitais. Durante o desenvolvimento do protocolo, Radia escreveu o poema Algoryme (Algorima). Nesta entrevista à Fisenge, ela conta um pouco sobre sua trajetória e o papel de mulheres na ciência.

Por que escolheu a área de engenharia? Conte um pouco sobre trajetória.

Eu nunca pensei muito sobre a minha carreira final. Sempre gostei de quebra-cabeças lógicos e era boa em ciências e matemática. Eu também gostava de escrita criativa. As pessoas supõem que um engenheiro está desenvolvendo um software ou construindo fisicamente as coisas, mas existem muitos tipos diferentes de habilidades que são necessárias para que uma equipe construa um produto com sucesso. Obviamente, você precisa de pessoas que estejam desenvolvendo softwares, mas você precisa de pessoas que entendam interações complexas entre componentes, e pessoas que possam imaginar a aparência dos produtos. Me especializei em matemática na faculdade, que não é bem “engenharia”. Eu nunca fui realmente um tipo de pessoa “prática”. Nunca me ocorreu separar as coisas quando criança (o que a maioria das pessoas presume ser como uma criança destinada a se tornar engenheira se comportaria). Então, se você me dissesse quando criança que eu estava destinada a me tornar uma engenheira, eu ficaria bastante surpresa.

Aprendi a programar computadores na faculdade e tinha um emprego de meio período como programadora. Mas devido a eventos aleatórios, consegui o trabalho ideal no momento ideal (no despontar da rede), projetando como as redes de computadores se organizam para saber como fornecer dados.

Qual a importância da ciência para a sociedade?

Naturalmente, a sociedade depende da ciência de muitas maneiras. Isso nos ajuda a cultivar alimentos suficientes para sustentar bilhões de pessoas. Permite-nos construir pontes e edifícios em diversas condições, ter todo o conhecimento humano facilmente acessível na internet e curar todos os tipos de doenças que costumavam ser fatais.

Você foi uma das responsáveis pela descoberta da internet. Como foi esse processo?

A internet é um acervo de muitos tipos de tecnologias. Minha contribuição é descobrir como os computadores podem ser conectados juntos, trocar informações e encaminhar dados para um destino. E como tornar esse tipo de mecanismo muito confiável, fácil para os humanos gerenciarem, tendo os computadores gerenciáveis em sua maioria, e tornando possível construir redes muito grandes.

Como é ser mulher na ciência?

Esta é uma questão muito ampla. Na maioria das vezes, eu não percebo qual é o gênero das pessoas. Há muitos estereótipos, como o fato de os homens serem mais agressivos e as mulheres serem modestas. No entanto, mesmo que uma porcentagem maior de um gênero se comporte de uma determinada maneira, isso não significa que todos tenham esse comportamento. Eu sempre achei muito frustrante que pessoas que agem como se fossem importantes, que depreciam e levam créditos por ideias dos outros se saíssem muito bem por elas mesmas, em termos de títulos e salários. Mas além de serem realmente tóxicas para aqueles que estão ao seu redor, eu nunca conheci alguém assim que fizesse, realmente, um bom trabalho. Eu vi pessoas assim de ambos os gênero, e também vi pessoas muito modestas, colaborativas, extremamente inteligentes e que trabalham duro.

No começo da minha carreira, as pessoas tendiam a esquecer quem inventou as coisas que eu inventei. No entanto, isso mudou, principalmente depois que escrevi meu primeiro livro “Interconexões”. Com ele, todos aprenderam, e ficou claro que a maior parte da tecnologia descrita ali eu havia inventado.

Mesmo hoje, no entanto, o número de mulheres na indústria é muito pequeno, principalmente quando se é mais velha. Existem algumas histórias engraçadas. Eu estava em uma grande reunião, e eu era a única mulher (nada incomum). A pessoa sentada ao meu lado era nova na empresa e nunca havia entrado naquele prédio. Quando chegou a hora da primeira pausa, ele perguntou se eu poderia mostrar onde ficava o banheiro. Eu disse: “Claro, mas eu tenho meu próprio banheiro privativo”. Ele disse: “Sério?”. Eu disse: “Sim. Não sei porquê. Eu acho que é porque eu sou uma colega”. Ele ficou impressionado que os Fellows (o principal título técnico da empresa) tinham seus próprios banheiros privativos. Eu o acompanhei até o banheiro masculino e, então, entrei no banheiro feminino ao lado. Ele me viu entrar e riu.

Como foi a descoberta do “Spanning Tree Protocol”? É realmente uma história fofa.

A tecnologia que criei permitiu que os computadores encontrassem um caminho em vários links e enviassem dados no caminho. Então, Ethernet foi inventada. Era apenas um link que conectava algumas centenas de computadores. Apenas um link em uma rede, não foi uma rede. Mas como era chamado EtherNET em vez de EtherLINK, as pessoas supunham que a Ethernet era uma maneira nova de fazer a tecnologia que eu havia projetado. Eles construíram sua aplicação com apenas um cabeçalho Ethernet, e não as informações extras necessárias para encaminhar os links. Tentei argumentar e dizer “você ainda precisa da camada de rede. Você pode querer encaminhar o tráfego de uma Ethernet para outra. ”Eles disseram: “Nossos clientes nunca iriam fazer isso”. Eles criaram aplicações que funcionariam em uma única Ethernet, o que significava que só conectava algumas centenas de computadores dentro dela em um único edifício.

Alguns anos mais tarde, meu gerente de Corporações de Equipamentos Digitais me desafiou a projetar uma caixa que permitisse que essas aplicações construídas apenas na Ethernet continuassem funcionando em uma rede maior. A ideia básica era que a caixa ouvisse todos os pacotes em cada link e, em seguida, os encaminhasse nos outros links. Isso só funciona se houver apenas uma maneira de ir de um lugar para outro. E outras palavras, sem loops. Com loops, os dados continuariam em círculos. Ele me pediu para descobrir uma maneira de fazer isso na tarde de sexta-feira e ele estava de férias na semana seguinte. Isso foi antes de telefones celulares ou pessoas lendo e-mails fora do escritório. Ele achava que seria muito difícil, e além disso, talvez para ser engraçado, disse “e como outro desafio, faça o algoritmo para que a quantidade de memória necessária o execute e não cresça com o tamanho da rede”. Isso foi uma coisa muito estranha de se pedir.

Mas, naquela noite, eu percebi exatamente como fazê-lo e, além disso, a quantidade de memória necessária era muito pequena e não crescia com o tamanho da rede. Passei segunda e terça-feira escrevendo a especificação. Escrevi com detalhes suficientes para que os implementadores fizessem funcionar em apenas alguns meses sem me fazer uma pergunta. Era terça-feira à tarde e eu não conseguia me concentrar em mais nada, porque estava animada para contar ao meu gerente, mas ele não estaria por perto até segunda-feira. Passei o restante da semana trabalhando no poema que acompanha o algoritmo e é o resumo do artigo no qual eu o publiquei. O poema é chamado de “Algorhyme” (todo algoritmo deve ter um algorhyme, certo?) e é facilmente localizável na Internet, pesquisando por Algorhyme.

Que políticas são importantes para o aumento do número de mulheres na ciência e no mercado de trabalho?

Há mulheres em muitas áreas. Eu não acho que seja uma questão de “mercado de trabalho”. Em tecnologia, especialmente ciência da computação, elas estão sub-representadas. Acredito que existem dois problemas. Um é o estereótipo do “verdadeiro” engenheiro construindo um computador em seu porão quando ele tinha 12 anos, o que torna algumas pessoas muito valiosas na indústria e gera uma adoração ao trabalho, fazendo com que outras nem mesmo tentem. Outra é que os gerentes de contratação também têm, subconscientemente, uma imagem do que é um “verdadeiro engenheiro” e, de alguma forma, as mulheres não lhes dão a impressão de serem “verdadeiras” engenheiras. Além disso, seria bom para os administradores não superestimarem as pessoas que fazem coisas afirmam “eu fiz isso”, quando, na verdade, fazem parte de uma equipe. Não subestimarem as pessoas que contribuíram, optando assim por dizer a equipe da qual eu fazia parte fez isso. Os gerentes devem procurar oportunidades para pessoas que são tímidas demais para perguntar.

Em uma entrevista ao jornal brasileiro “O Globo” você afirmou que “engenheiros deveriam odiar tecnologia”. Por que?

O que eu quis dizer é que as coisas são muito difíceis de usar. Algumas pessoas gostam de coisas complicadas com todos os tipos de recursos, e não se importam de ter que fazer todos os tipos de configuração para que funcionem. Estas não se importam de receber perguntas obscuras como quando as caixas pop-up perguntam ao usuário “você deseja exibir os itens seguros e inseguros?”. E eles culpam o usuário caso ele clique em “links suspeitos”. Não há desculpa para as coisas serem tão complicadas de usar, ou tão frágeis. Abrir um anexo ou um clique em qualquer link na internet não deveria quebrar meu computador.

 

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 Entrevista originalmente publicada na revista da Fisenge.