O governo de Michel Temer anunciou, no dia 8/9, a chamada “modernização” da legislação trabalhista. Dentre as medidas, estão a ampliação da jornada de trabalho para 12 horas e a permissão para contratação por hora trabalhada. Com a pressão da sociedade, o governo recuou e, em nota, afirmou que não haverá aumento da jornada de trabalho. Por outro lado, setores empresariais pressionam pela flexibilização da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Em entrevista, o engenheiro eletrônico e diretor de negociação coletiva da Fisenge, Ulisses Kaniak fala sobre as consequências da retirada de direitos e o impacto nos acordos coletivos de trabalho.
– O governo anunciou a chamada “modernização” das leis trabalhistas e entre os pontos está a flexibilização da jornada de trabalho para 12 horas. O que esta medida representará?
Se aprovada, representa um retrocesso de mais de um século nas lutas dos trabalhadores. A atual limitação de jornada que as Leis do Trabalho impõem (8 horas diárias com um máximo de 2 horas extraordinárias) visa preservar a saúde das pessoas. Jornadas excessivas são comprovadamente improdutivas e geram doenças ocupacionais e afastamentos. Os empresários que defendem esta e outras sandices demonstram que a sociedade escravocrata, que constituiu a correlação de forças deste país desde o século XVI, continua viva por meio deles e de seus representantes nos 3 Poderes.
– Quais os desafios e o papel do movimento sindical nesse momento? De que forma barrar essa ofensiva de retirada de direitos?
Desde a interinidade, esse ilegítimo “governo” federal tem demonstrado que veio para destruir a busca pelo equilíbrio nas relações entre Capital e Trabalho, obviamente a serviço do lado mais poderoso. Agora, consumado o golpe à democracia, acham que podem tudo. O maior desafio do movimento sindical é levar às ruas, contra a retirada de direitos e de soberania do país, toda a classe trabalhadora. Inclusive, a parcela que esteve nas ruas defendendo o impeachment imotivado, seduzida pela ilusão midiática de que se estaria “acabando com a corrupção”. Logo, esta parcela terá que encarar a realidade. O nosso papel é o de buscar todas as formas de comunicá-la e de canalizar a revolta em ações.
– Quais serão os impactos de uma reforma da previdência?
Nos moldes que o “governo” tem divulgado, é uma reforma para fazer com que os pobres trabalhem mais tempo para manter os cofres cheios dos ricos. O “déficit” da Previdência Social é uma falácia que se desmente ao observar as contas de orçamento da Seguridade Social, que é algo muito mais amplo. Caso os trabalhadores passem a contribuir mais tempo e desfrutar menos de suas aposentadorias, os governantes irão destinar mais verba do orçamento da União ao pagamento da dívida pública, ou seja, ao mercado financeiro especulativo. É Robin Hood às avessas.
– Um balanço divulgado pelo Dieese apontou que as negociações coletivas do 1º semestre foram negativas [Pouco menos de um quarto dos reajustes – cerca de 24% – resultou em aumentos reais aos salários, 37% tiveram reajustes em valor igual à inflação e 39% abaixo]. Na sua opinião, é possível reverter esse quadro? Quais as estratégias para negociações coletivas futuras?
Lamentavelmente, é preciso dizer que tal quadro só poderá se reverter com a retomada de uma política econômica visando ao desenvolvimento do mercado interno do país. Isso só entrará na agenda das próximas eleições federais pois, reitero, o atual “governo” já disse a que veio. Portanto, é preciso aliar a estratégia das negociações – a meu ver, a busca da manutenção das conquistas econômicas e sociais dos anos 2004 a 2015 – com a da participação política, denunciando sempre a ilegitimidade do governo em exercício e defendendo novas eleições gerais com urgência.
– Diante da retirada de direitos, ainda há tentativas de desmonte de empresas públicas. Quais as consequências para a engenharia e a sociedade?
As consequências são desemprego, precarização e encarecimento dos serviços. A média de desempenho, de qualidade de atendimento e o papel social exercido pelas empresas que se mantiveram estatais, após a ofensiva privatista dos anos 1990 são notadamente superiores a das que caíram nas mãos da iniciativa privada. É um verdadeiro atentado à engenharia nacional e à valorização da capacidade dos profissionais brasileiros.
Entrevista: Camila Marins