Em entrevista à Fisenge, Marcia Nori, engenheira de alimentos, fala sobre o Beiju

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por Camila Marins

Característico da Bahia, o beiju é um produto artesanal fabricado, em sua maioria, por mulheres. No entanto, sua produção corre risco. Isso porque devido a condições insalubres gerações mais novas não querem assumir o trabalho. Nesta entrevista, a engenheira de alimentos, Márcia Nori conta sobre sua pesquisa e também sobre a organização de engenheiras no Coletivo de Mulheres Maria Quitéria. Márcia Nori é doutoranda e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Márcia Nori / Foto: Camila Marins

Como surgiu o coletivo de mulheres Maria Quitéria?

O Coletivo de Mulheres do Senge Bahia recebeu o nome “Maria Quitéria” inspirado na coragem da heroína baiana, que se destacou na luta pela independência do Brasil, lutando como soldado para livrar o Brasil do domínio português durante as últimas batalhas ocorridas na Bahia. O decreto da independência do Brasil foi assinado pela Imperatriz Leopoldina em 2 de setembro de 1822. No entanto, o último foco de resistência portuguesa deixou o Brasil em 2 de julho de 1823, após sua expulsão definitiva pelas tropas baianas, das quais Maria Quitéria servia como soldada. Ela foi obrigada a se disfarçar de homem para ser aceita, porque o Exército não aceitava mulheres. Na família, o pai e irmão de Quitéria, estavam inaptos a participar devido à idade. Tendo ela se prontificado, o pai respondeu “recomponha-se, Maria. Isso não tem cabimento. Lugar de mulher é em casa e ponto final”. Inconformada com a situação do país e a proibição do pai, dirigiu-se à casa da irmã e roubou roupas e documentos do cunhado que não havia sido recrutado por ser o único homem da casa, e se apresentou em seu lugar. Depois ela foi descoberta, obviamente. Mas como Maria Quitéria já tinha mostrado sua habilidade e domínio no uso das armas, sua permanência no exército foi defendida por seu superior, gerando, inclusive, um problema muito grande com o pai. Ela e o pai romperam. Maria Quitéria foi condecorada com a comenda “Cavalheiro Imperial da Ordem do Cruzeiro” pelo Imperador Pedro I, por sua bravura frente as tropas inimigas. Em 1996, lhe foi concedido o título de “Patrono do Quadro Complementar de Oficiais”. Ela não apenas atuou na guerra da independência, mas buscou, através de sua participação, a igualdade de direitos das mulheres na sociedade. 

A Bahia é um dos únicos estados que comemora o 2 de julho, que são duas datas: o 7 de setembro, que é a data oficial no Brasil e o 2 de julho, quando as tropas invadiram Salvador e os portugueses foram expulsos. Inspiradas na história de Maria Quitéria, resolvemos homenageá-la como forma de incentivar as mulheres da engenharia que todos os dias batalham para ocupar os espaços, por valorização profissional e equidade de direitos.

Quais são as principais ações do Coletivo de Mulheres?

Hoje, uma de nossas principais pautas é empoderamento da mulher, tanto na sua carreira, criando redes colaborativas, como na ocupação dos espaços. Na última eleição para a presidência do Crea-BA, nós tivemos duas mulheres do Coletivo disputando. Nós temos agora uma das mulheres disputando para deputada estadual. Esta iniciativa está ajudando as mulheres a criarem coragem para enfrentar a disputa em espaços públicos que, normalmente, são ocupados por homens.

Conte sobre sua pesquisa.

A minha pesquisa é inspirada em mulheres. Isso porque eu trabalho com um produto que se chama beiju, que é a base de fécula de mandioca hidratada, a mesma matéria-prima da tapioca. E o beiju é um produto fabricado artesanalmente majoritariamente por mulheres. Eu iniciei a pesquisa com uma empresária, que era a única formalizada das mulheres. Ela conseguia vender para supermercados maiores, pois atendia aos critérios de qualidade exigidos por estes. Infelizmente ao longo dos anos, ela foi vítima de leucemia e a perdemos, mas a pesquisa continua. É um setor totalmente informal, formado por mulheres que sustentam suas famílias. É um produto que não é fácil de fazer, porque elas ficam o dia todo em pé em frente a um forno aquecido a lenha e realizando um trabalho repetitivo. Isso acaba gerando muitos problemas, inclusive de insalubridade. Nossa equipe analisou o processo e as dificuldades reais destas trabalhadoras, resultando no desenvolvimento de uma máquina protótipo para fabricação de beiju. É a ciência tentando ajudar um grupo de mulheres, porque elas reclamam muito de dores no braço, devido ao esforço repetitivo, de ficar em pé e dor nas pernas e de choque térmico. O beiju é um produto característico da Bahia, que corre o risco de se extinguir, porque as gerações mais novas não têm interesse de seguir o mesmo trabalho dos pais. O processo envolveu um trabalho conjunto de profissionais da engenharia de alimentos e da engenharia mecânica para caracterização e definição de variáveis que permitissem o desenvolvimento do equipamento. Nós ganhamos um prêmio de inovação tecnológica, 2º lugar na Fapesp e FINEP no ano de 2010. A invenção não é rápida, requer anos de pesquisa e estamos desde 2005. O objetivo, além de ajudar as mulheres, é não permitir que se extinga um produto que é totalmente regional e que poderia ser inclusive exportado. Mas por que que ele não está no mercado? Porque é artesanal, não tem larga escala e isso o torna mais caro e improdutivo. Há como melhorar essa cadeia produtiva, criando equipamentos que reproduzam as características artesanais e garantam a produtividade através da ciência. Um produto típico, produzido com processos otimizados pode melhorar as condições de vida dos trabalhadores que estão envolvidos e disseminar a cultura da gastronomia baiana.

 

Entrevista originalmente publicada na revista da Fisenge.