Com a aprovação do regime de urgência para a votação da reforma trabalhista, o plenário do Senado deve apreciar na próxima semana o projeto de lei que altera mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As mudanças, tratadas como prioridade pelo governo e pelo mercado, podem resultar em consequências nefastas para os trabalhadores brasileiros, como detalha um novo dossiê preparado pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), vinculado ao Instituto de Economia da Unicamp.
Organizado por Andréia Galvão, Jose Dari Krein, Magda Barros Biavaschi e Marilane Oliveira Teixeira, o estudo tem como um de seus principais méritos detalhar os impactos da reforma trabalhista em relação a temas como formas de contratação, flexibilização da jornada, rebaixamento da remuneração, alteração nas normas de saúde e segurança do trabalho, fragilização sindical e limitação do acesso à Justiça do Trabalho.
Segundo os pesquisadores, a regulamentação do trabalho temporário, autônomo e terceirizado e da jornada parcial, além da criação de uma nova forma de contrato, a do trabalho intermitente, “legaliza a transformação do trabalhador em um empreendedor de si próprio, responsável por garantir e gerenciar sua sobrevivência em um mundo de trabalho que lhe retirará a já frágil rede de proteção social existente.”
De acordo com o dossiê, não há nessas modalidades de contratação “qualquer estímulo à geração de emprego”. “Ao contrário, são adotadas com o propósito de racionalizar o uso de tempo pelos empregadores, gerando mais desemprego, insegurança e precariedade”, assinalam os pesquisadores.
As consequências da reforma apontadas pelos especialistas incluem a desconstrução de direitos, a desestruturação do mercado de trabalho, a fragilização dos sindicatos, a ampliação da vulnerabilidade, a deterioração das condições de vida e de saúde do trabalhador, o comprometimento do financiamento da seguridade social e a ampliação da desigualdade e da exclusão social.
Entenda os principais pontos do estudo e leia a íntegra ao final da matéria.
Trabalho Intermitente: a regulamentação dos “bicos”
De acordo com o estudo, o contrato intermitente garante subordinação do trabalhador ao contratante, sendo esse último autorizado a fazer o uso da mão de obra de acordo com sua necessidade. Um dos problemas da criação da modalidade é que os empregadores não terão restrições caso prefiram remunerar seus trabalhadores apenas pelas horas trabalhadas.
Segundo os pesquisadores, “não há nenhuma previsibilidade em relação ao número de horas contratadas, nem à remuneração a ser recebida, o que produz incerteza para o trabalhador, além de um forte impacto social, na medida em que reduz as contribuições previdenciárias e os direitos trabalhistas.” Além disso, a remuneração do trabalho intermitente, aponta o dossiê, não precisa corresponder ao salário mínimo.
Conforme o estudo, pesquisas já apontam que trabalhadores submetidos a esse regime trabalham “muito mais ou muito menos” do que os empregados contratados em regimes tradicionais.
Contrato em tempo parcial: viés de gênero
Os pesquisadores mostram que, em 2015, jornadas semanais de até 30 horas representavam 41,2% dos empregos das mulheres, e apenas 24,7% dos homens. Na Europa, o dossiê revela que 22% dos trabalhadores atuam nessa modalidade. Segundo os pesquisadores, se os trabalhadores não escolhem deliberadamente pelo trabalho parcial, “então estamos falando de uma forma de subemprego”.
Contrato Temporário: desigualdade sancionada
Sob o governo Temer, o trabalho temporário foi estendido para até 270 dias em qualquer circunstância. De acordo com os pesquisadores, o projeto sancionado por Temer resultou em medidas ainda piores do que as aprovadas no Congresso: barrou-se até mesmo o direito de o trabalhador receber o mesmo salário e ter a mesma jornada dos empregados que trabalham na mesma função.
Terceirização: interesses empresariais predatórios
No projeto da reforma trabalhista, reforça-se a permissão para a terceirização de todas atividades, inclusive àquelas relacionadas à atividade principal das empresas, sancionada por Temer em um projeto de lei avulso. Os trabalhadores passarão a ser contratados através de cooperativas, pessoa jurídica (PJ) e microempreendedor individual (MEI). Segundo os pesquisadores, com essa permissão haverá “uma espécie de leilão onde vence quem paga menos”.
Em um primeiro momento, preveem os pesquisadores, os mais afetados serão profissionais que, por força de convenção ou de acordos coletivos, conquistaram mais direitos e benefícios “embora exerçam as tarefas menos qualificadas”. Com isso, os mais atingidos devem ser mulheres e jovens.
Segundo o dossiê, a terceirização irrestrita se assenta “exclusivamente na capacidade de imposição dos interesses empresariais predatórios na atual conjuntura de ataque aos princípios democráticos”.
Trabalho Autônomo: eliminação dos direitos garantidos pela CLT
Segundo os pesquisadores, o artigo que regulamenta o trabalho autônomo afasta do trabalhador a qualidade de empregado. O dossiê registra que a medida deve ser compreendida como “legalização da pejotização do trabalhador e a legalização da eliminação de todos os direitos garantidos pela CLT”.
A pergunta que fica para os especialistas é: para que registrar um trabalhador se é legal contratá-lo como autônomo? O dossiê também ressalta que, com o trabalho autônomo, a possibilidade de os trabalhadores exigirem seus direitos na justiça trabalhista é desfeita.
O trabalho autônomo também deve impactar nas contribuições previdenciárias, pois acarretará na queda da arrecadação.
Flexibilização da jornada: a falta de controle do trabalhador sobre seu tempo
Para os especialistas, a flexibilização da jornada prevista na reforma trabalhista leva à redução ou extensão do tempo de trabalho sem dar aos trabalhadores controle sobre seu tempo, “o que resulta em redução indireta de custos para o empregador”. A reforma quer ampliar a compensação de horas extras e generaliza a possibilidade de jornada de 12 horas seguida por um período de 36 horas de descanso.
Segundo os pesquisadores, o resultado é que cada ínfimo momento em que o trabalhador consegue “respirar” e se recompor dentro da jornada é esvaziado. Jornadas maiores e a intensificação do ritmo levariam ainda ao aumento do número de acidentes do trabalho e adoecimentos ocupacionais.
Outro ponto relevante é que a mudança gera impacto na vida social e profissional do trabalhador. Com a jornada imprevisível, dificulta-se “a possibilidade de capacitação via cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e acúmulo de novos conhecimentos”.
Rebaixamento da remuneração como consequência da reforma
Segundo os pesquisadores, não há dúvidas de que as alterações da reforma trabalhista levarão ao rebaixamento de salários e consequências deletérias às fontes de financiamento dos fundos públicos, especialmente da seguridade social e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Pesquisas sobre mercado de trabalho, lembram os especialistas, mostram que os terceirizados e os trabalhadores contratados a termo recebem menor remuneração do que os contratados diretamente por prazo indeterminado.
Uma das possibilidades que incentivam a redução salarial é a possibilidade de se rever as remunerações em negociações coletivas ou individuais. De acordo com os pesquisadores, o projeto possibilita, de forma expressa, a redução do valor do salário sem assegurar redução proporcional do tempo de trabalho, algo fundamental para embasar qualquer negociação coletiva atual, que não pode reduzir o volume de direitos previstos na CLT.
Normas de saúde e segurança: até a higiene dos uniformes caberá ao trabalhador
Os pesquisadores alertam que, embora o projeto afirme não reduzir ou suprimir direitos relacionados à segurança e à saúde do trabalhador, admite ao mesmo tempo a negociação coletiva a respeito da insalubridade e da prorrogação da jornada em ambientes insalubres. Para os pesquisadores, condições tecnicamente definidas como de grau máximo de insalubridade podem se tornar de grau mínimo.
O projeto permite ainda, alertam os especialistas, que grávidas e lactantes trabalhem em ambientes insalubres e que o trabalhador seja responsável pela higienização dos uniformes.
a reforma prevê ainda que as regras sobre a duração do trabalho e os intervalos não sejam consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
Na modalidade de teletrabalho, por exemplo, a única obrigação dos empregadores será “instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar”. Logo, a responsabilidade sobre as más condições no trabalho à distância serão exclusivamente do trabalhador.
Fragilização sindical
Os pesquisadores também reservam espaço para refletir sobre as consequências da reforma para os sindicatos brasileiros.
Entre as medidas que podem levar à fragilização sindical, estão o aprofundamento da fragmentação das bases de representação sindical, a prevalência do negociado sobre o legislado, a possibilidade de negociação individual, a eliminação da cláusula mais favorável nos acordos, a representação dos trabalhadores no local de trabalho independentemente das entidades sindicais e a redução dos recursos financeiros dos sindicatos, em especial com a possibilidade de revisão ou mesmo de exclusão do imposto sindical obrigatório.
Limitação do acesso à Justiça do Trabalho
Para os pesquisadores, o projeto limita o acesso à Justiça trabalhista em três planos. Primeiro, por “desconfigurar o direito do trabalho como direito protetor e promotor de avanços sociais, privilegiando o encontro ‘livre’ de vontades ‘iguais'”.
Em termos mais práticos, a reforma trabalhista atinge a Justiça do Trabalho ao determinar que o pagamento de honorários periciais e advocatícios de sucumbência e custas processuais sejam suportados pelo trabalhador. Segundo os pesquisadores, a medida inviabiliza o acesso para a maioria dos trabalhadores brasileiros “pelo custo extremamente alto de litigar em juízo”. Para os especialistas, e medida fere a Constituição e o princípio da gratuidade judiciária.
Outra crítica ao projeto é a limitação da atuação da Justiça do Trabalho em relação às negociações coletivas. De acordo com os especialistas, o judiciário passará a exercer uma função meramente homologatória de acordos extrajudiciais firmados entre empregado e empregador. O projeto prevê a possibilidade de empregados e empregadores, individualmente, negociarem sobre verbas devidas ao trabalhador, “competindo a Justiça do Trabalho apenas a função de reconhecer a validade deste acordo”.
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Fonte: Carta Capital