A ortodoxia econômica que domina decisores políticos nos últimos anos privilegia a perspectiva do consumidor, quase nada do empresário e muito menos do trabalhador. Tanto assim que no caso do desemprego, concebido teoricamente por voluntário, a solução adviria da redução no custo da contratação laboral e da flexibilização dos direitos social e trabalhista.
Dessa forma, os patrões poderiam ampliar a quantidade de empregados obstaculizada por preço da mão de obra “artificialmente” acima do mercado devido atuação sindical e justiça trabalhista. Também a contenção na legislação laboral, considerada ultrapassada e rígida na garantia do padrão mínimo de relacionamento entre o capital e o trabalho, tornaria mais atraente a contração de mais trabalhadores pelos empregadores. Isso é claro, considerando que os consumidores poderiam elevar o padrão de gasto tendo em vista que a competição entre os empresários resultaria no preço final de bens e serviços menor face à queda no custo do trabalho e à flexibilização laboral.
No ano de 2017, com o objetivo de combater o desemprego, o presidente Temer sancionou a Lei 13.467 que provocou a maior alteração conhecida na Consolidação das Leis do Trabalho desde a sua implantação, em 1943. A reforma trabalhista implementada permitiu, de um lado, reduzir gastos com a remuneração direta e indireta dos empregados pelas empresas e, de outro, desequilibrar mais a relação capital-trabalho com a redução do poder tanto do sindicato, com o fim do financiamento obrigatório, como da justiça trabalhista frente aos obstáculos criados para o acesso do empregado.
O impacto disso na realidade do trabalho foi imediato e inédito. Pelos dados consolidados do Tribunal Superior do Trabalho, a quantidade de ações junto à justiça trabalhista caiu 31,8% na comparação entre os períodos de nov/16 – out/17 com out/18 – set/19. Ao mesmo tempo, os sindicatos foram muito enfraquecidos em consequência da queda de 86% na arrecadação, que passou de R$ 3,64 bilhões, em 2017, para R$ 500 milhões em 2018.
No caso do custo de contratação do empregado formal também houve ganhos ao patronato. Conforme informações disponibilizadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o custo unitário do trabalho (CUT) na indústria brasileira caiu 16,1% só em 2018, o que colocou o país no segundo posto de maior queda na lista que compara países selecionados.
Apesar da materialização das ações da reforma trabalhista em 2017 até hoje, o setor privado praticamente não conseguiu elevar o nível de emprego com carteira assinada, conferindo aumento residual na ocupação informal e manutenção do número de desempregados no país. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Ibge, o quarto trimestre (out-nov-dez) de 2017, quando da implementação da reforma trabalhista, o Brasil registrou o total de 12,3 milhões de desempregados, tendo o setor privado contabilizado 33,3 milhões de assalariados com carteira (formal) e 11,1 milhões sem carteira (informal).
Decorrido quase dez trimestres (dez/19-jan-fev2020), a quantidade de desempregados seguiu sendo de 12,3 milhões de brasileiros, com o setor privado respondendo por 33,6 milhões de trabalhadores com carteira e 11,6 milhões de ocupados sem carteira neste início de 2020. Ou seja, 303 mil assalariados formais e 529 mil empregados informais gerados pela economia com expansão acumulada de 2,5% entre 2018 e 2019.
Os dados apresentados contradizem significativamente a promessa da geração de empregos apresentada pelas autoridades governamentais como justificativa para aprovação da reforma trabalhista. Destaca-se, por outro lado, o ano de 2012, cuja presença de sindicatos fortes e acesso livre à justiça trabalhista não impediu a criação de 1,3 milhão de empregos formais, quando a economia nacional cresceu apenas 1,9%. A legislação trabalhista em vigor era considerada – por alguns – como arcaica e obstaculizadora da geração de empregos formais.
Pela ortodoxia econômica, o presidente Bolsonaro enviou a Medida Provisória 905 que aguarda ser votada proximamente pelo Senado Federal. Tal com a Lei 10.748 de 2003, a intenção legislativa denominada por Contrato de Trabalho Verde e Amarelo é a elevar a contração de trabalhadores jovens (18 a 29 anos de idade) a partir da diminuição do dispêndio social e trabalhista aos empregadores.
Do ponto de vista concreto, a MP 905 poderá repetir o fracasso em termos de geração de empregos obtido pela lei do primeiro emprego de 2003 e pela reforma trabalhista de 2017. Conforme inúmeros estudos, inclusive da Organização Internacional do Trabalho, a redução do custo laboral e a flexibilização da contratação de empregados gera precarização nos postos de trabalho existentes, sem comprovação empírica de elevar consideravelmente o nível de emprego.
Ao reduzir o custo do trabalho, que constitui o rendimento do empregado, ele passa a consumir menos, tornando mais difícil manter o nível das vendas e, por consequência, a produção e o próprio emprego. Verdadeira marcha da imprudência que faz do emprego incapaz de retirar o trabalhador da condição miserável, conforme mostra a literatura especializada sobre o trabalho no século XIX.
*Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas
Artigo publicado originalmente no jornal Estadão
Foto: Joka Madruga/Fisenge