Era tarde do dia 17 de abril de 2016, a mídia cria o ambiente futebolístico para estabelecer duas torcidas: a dos mortadelas e a dos coxinhas, alcunha dada aos que defendiam o governo e respectivamente os opositores. Os primeiros defendiam a garantia constitucional do governo eleito democraticamente pelo voto popular. O segundo, influenciado pela desestabilização promovida pela grande mídia, a Lava Jato, procuradores da força tarefa e seu pseudodiscurso de combate à corrupção, defendiam a ruptura democrática. Em dia 31/08/2016, ocorre o afastamento definitivo. Em seu último discurso no Congresso Nacional, Dilma afirma: a história será implacável com os meus algozes. Voltando um pouco no tempo, acontecimentos históricos traçam a seguinte narrativa: em 2008, logo após o anúncio da descoberta do petróleo da camada do pré-sal, os EUA ativam a sua quarta esquadra, que patrulha o Atlântico Sul, desativada desde o fim da segunda guerra mundial, computadores da Petrobras com dados da pesquisa do pré-sal são roubados, em 2013, a NSA espiona a presidente Dilma e Ângela Merkel. A lava jato surge durante a campanha eleitoral de 2014, uma eleição muito equilibrada, decidida nas últimas urnas. Normalmente, essas questões de operações policiais sempre surgem durante o período eleitoral, o que é um desserviço para sociedade, mas ela tem um propósito – influenciar os resultados da disputa eleitoral, o que, às vezes, consegue. Dilma ganha, Aécio não aceita e a lava jato continua, o ódio é disseminado, a sociedade se infla até aquele momento do fatídico desfecho. O Senado cumpre o rito e STF homologa. Cinco meses antes da votação na Câmara, as denúncias contra o presidente do Câmara Eduardo Cunha chegam à Procuradoria Geral da República, o Procurador Janot segura o quanto pode até encaminhar o processo para justiça, isso depois do afastamento da presidenta.
Aquele discurso de Dilma, da sessão no Senado, narra de forma precisa o que se avizinha e ela firme e altiva recorda cada importante etapa do que se desdobrará. O que já é conhecido por muitos.
A primeira agenda do Governo Temer foi beneficiar as petroleiras estrangeiras com a quebra do regime de partilhas, conceder R$ 1 trilhão em isenção de impostos e não permitir que a Petrobras fosse operadora única do pré-sal. Isso se dá porque a operadora sabe quanto está sendo extraído de petróleo, o desenvolvimento tecnológico também é associado a operação e as petroleiras estrangeiras não tem como fraudar. A legislação para quebrar o regime de partilha foi proposta no Senado pelo senador José Serra, segundo documentos vazados pelo Wikileaks, ele prometeu fazer o necessário e impossível para beneficiar empresas estrangeiras. Duas das sete irmãs, Chevron e Exxon foram contempladas. O pré-sal é a maior reserva descoberta dos últimos 50 anos com mais de 200 bilhões de barris de petróleo, o que corresponde a mais de 10 Produtos Internos Brutos (PIBs) pela cotação do dólar atual. O PIB brasileiro é da ordem de R$ 7,4 trilhões de reais. A exploração do pré-sal só foi adiante graças ao importante papel da Petrobras que é a mais destacada empresa no mundo na prospecção e exploração em águas profundas.
De lá para cá, a Petrobras, esquartejada viva, vem sendo privatizada por partes e as refinarias estão sendo desligadas para que possamos importar os combustíveis e os seus preços, influenciados pelo dólar, estejam em quase R$ 7,00. O petróleo vai muito além de uma simples commodity, representa um bem estratégico para defesa da soberania e economia do país.
A Eletrobras também vem, desde o golpe, passando por ataques dos Governos Temer e Bolsonaro. E, finalmente, esse ano, o Governo sancionou a Medida Provisória Nº 1031/2021 que a privatiza com uma proposta disfarçada de capitalização. Ela é a maior empresa de geração e transmissão de energia elétrica da América Latina e Caribe com 33% da geração, 51% da transmissão e 70% da transformação de energia elétrica do País. O valor de Novo da Eletrobras é de quase R$ 500 bilhões e o Governo prevê vendê-la por apenas R$ 40 bilhões, sem contar que ela possui recebíveis de mais R$ 45 bilhões. As Hidroelétricas já foram pagas pelo povo, estudo da FIESP afirma que o impacto sobre o consumidor vai ser de mais de R$ 400 bilhões, entretanto esse estudo considera o período da concessão de 30 anos, mas as barragens possuem vida útil mínima de 200 anos. Logo, ao realinhar as condições de contorno para os outros 170 anos tem-se um impacto de R$ 2.266,66 bilhões de reais durante a sua vida útil mínima das barragens. Adicionalmente, a Eletrobras possui uma planta de investimentos de mais de R$ 35 bilhões para substituição dos equipamentos com mais de 30 anos de idade.
Um recorte na história, mostra que o setor energético sempre foi uma arena de disputa dos atores nacionais e internacionais. Vargas foi muito perseguido por criar a Petrobras e a Eletrobras.
Antes do Estado Novo, o Setor Elétrico era todo privatizado e a energia elétrica era fornecida principalmente pela AMFORP América e LIGTH Canadense. A precarização do fornecimento era gritante e havia uma profunda descoordenação, para se ter uma ideia, havia geradores de energia elétrica de 50 e 60 Hz essa malícia era para inviabilizar a sua interligação. O código das águas, passou a coordenar as atividades de geração, transmissão e distribuição e sempre foi alvo de críticas das empresas estrangeiras por abolir a cláusula ouro, a dolarização da nossa época. Em meados da década de 50, o Governo decide encampar as duas empresas para iniciar o processo de Estatização do Setor Elétrico Brasileiro. Juntas eles cobram o valor de novo equivalente a U$ 400,00 milhões de dólares daquela época, Brizola contesta, depois de muita pressão, negociação e golpe de 1964, o Governo as compra pelo valor proposto pelas empresas. As empresas estrangeiras recebem o recurso e nós contraímos, com bancos dos seus respectivos países, as dívidas.
A Petrobras e a Eletrobras representam muito para economia, tecnologia e são estratégicas para o país. Quem controla a energia interfere no desenvolvimento econômico do país. Os EUA em associação com as elites nacionais sempre buscam controlar esses recursos a fim de interferir na pauta de desenvolvimento.
Os militares de alta patente das Forças Armadas, formados pelas melhores universidades públicas, possivelmente sabem disso, entretanto, ficam em silêncio, inclusive, seus clubes militares, caixa de ressonância dos seus anseios, em momento algum, emitiram quaisquer notas relacionadas a esses assuntos tão caros a nossa soberania.
A propósito deles, os mais de 12000 militares apoiadores do Governo, o fazem, por ocupar cargo comissionado e com a portaria SGP/SEDGG/ME Nº 4.975, de 29 de abril de 2021 do Ministério da Economia que quebrou o teto do servidor público, somam o seu salário de aposentado e do cargo em comissão. São apoios de interesse pessoal e em nada relacionados aos desafios do país.
Desde o século XIX, com doutrina Monroe, “América para os Americanos”, Americanos do Norte junto com as elites locais buscam controlar o aparelho de Estado estabelecem uma agenda de subdesenvolvimento e subserviência aos interesses do imperialismo. Os EUA, apesar de ser uma potência econômica, militar e tecnológica vêm perdendo espaço desde 2008 com a crise do subprime, guerra da Síria, Iraque, Afeganistão e fracasso do combate à Covid. A Rússia, potência regional, tecnológica e militar, desde a participação na guerra da Síria em 2015, vem retomando a sua participação no cenário mundial. A China, quando observada pelo PIB de paridade do poder de compra, sem jogar um peido de veia em ninguém, já é a primeira economia global, seguida pela União Europeia e Estados Unidos.
Essas derrotas, associadas a perda de hegemonia econômica para China fez os EUA intensificarem todas as suas forças para nossa região. O alinhamento automático ao Estados Unidos de quase dois séculos nunca promoveu quaisquer políticas de integração das Américas. Os norte-americanos sempre adotam a política do que é meu é meu e o que é seu podemos negociar, e, apesar de possuir mais de 300.000 km de linha férrea em seu território, por exemplo, nunca lideraram uma agenda de cooperação com os demais países da região para construir uma ferrovia do tipo Transiberiana, que associada às linhas ferroviárias de outros países europeus e asiáticos permite o deslocamento de mercadorias e pessoas por toda Eurásia. Com a Eurásia, é possível sair de Lisboa, em Portugal, e chegar em Vladvostok, na Rússia, após percorrer mais de 14.000 Km de trem. Imaginem se tivéssemos, por exemplo, uma ferrovia Transamericana circulando pelos perímetros da América Latina e Central até chegar à California, nos EUA, o quanto a nossa região não estaria com a economia em outro patamar. Os povos da América Latina e Caribe sempre foram golpeados e massacrados pelos seus irmãos do Norte.
Os países europeus, parceiros históricos dos americanos, não vão dar as costas para a nova rota da seda que catapultará a economia da Eurásia. A Rússia, com a conclusão do gasoduto North STREAM 2, será a maior fornecedora de energia para Europa e Alemanha, maior economia da região, a sua principal compradora. As empresas dos EUA, fornecedoras de Gás liquefeito de Petróleo (GLP), praticamente perdem o mercado Europeu.
O governo Bolsonaro, ungido pelos militares em suas escolas de formação, lamentavelmente, não está à altura dos desafios que se apresentam e adota a estratégia do diversionismo para distrair a atenção da população, enquanto a boiada passa. A sociedade civil organizada, o povo e as instituições precisam reagir ao governo Bolsonaro. Ele está deixando a população em parafuso com as suas aberrações, o número de suicídios nos bairros tem crescido de forma vertiginosa e as pessoas estão muito desesperançadas. Os jovens são a população mais atingida por essa agenda nefasta que os força a tirar a própria vida.
A vocação natural do nosso país é ser potência regional, nada nos falta, tudo em abundância: recursos energéticos, minerais, vegetais, sol, mar, vento, tecnologia e força de trabalho. Como diz o economista Paulo Nogueira Batista Jr. em seu livro “O Brasil Não Cabe no Quintal de Ninguém”. Precisamos reagir, o quanto antes, e aproveitar os ventos da nova ordem que se forma.
Ei, irmãos do Norte, devolvam o nosso pré-sal, ele é importante para nossa infraestrutura, educação, saúde, economia e vocês já possuem recursos energéticos para movimentar a sua economia e atender de sobra as suas demandas. A Eletrobras necessita continuar a ser pública e aproveitar as suas hidrelétricas pagas pela sociedade brasileira para levar mais e mais luz para todos.
Mailson Neto é engenheiro eletricista, diretor de Relações Sindicais do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco e coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica do CREA-PE