O presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, é mais um brasileiro preocupado com o desenrolar da crise política brasileira. Diariamente ele conversa com autoridades, empresários e representantes dos mais variados segmentos econômicos do país, em busca de saídas em meio a uma acelerada caminhada para a depressão.
Ele diz que a maior preocupação da sua entidade, uma das mais tradicionais do país, é com o “emprego”. Celestino é taxativo: “É inadmissível que as políticas públicas não tenham como prioridade a manutenção dos empregos”.
Celestino dá outro alerta: “A entrega do nosso petróleo e o desmonte da Petrobras, âncora do nosso desenvolvimento industrial, responsável por uma cadeia de mais de 5.000 fornecedores, nacionais e estrangeiros, é o símbolo maior da deliberada agressão ao nosso patrimônio”. A íntegra da entrevista.
Presidente, qual a real situação da engenharia brasileira neste momento?
A situação atual da engenharia brasileira é trágica. As crises política e econômica se retroalimentam e não permitem que os efeitos da operação Lava Jato sejam tratados de uma forma que preserve a capacidade gerencial, tecnológica e financeira das nossas maiores empresas de engenharia, pondo a perder patrimônio acumulado há 6 décadas. Observe-se, por exemplo, o que ocorre hoje com a Volkswagen: pilhada em fraude a mais de 8 milhões de clientes, é objeto de pesadíssimas multas, processos judiciais, cíveis e penais, mas não deixou de produzir um só veículo. Continua a sustentar empregos, a pagar impostos, a contribuir para o desenvolvimento dos países em que atua. Aqui, são impedidas de trabalhar, levando ao desemprego milhares de engenheiros e demais trabalhadores.
O senhor tem na sua agenda dos próximos dias encontros com o governador Pezão, dirigentes da ABIMAQ e outros empresários. O que o senhor espera deles neste momento de recessão e desemprego?
Hoje, a maior preocupação do Clube de Engenharia é com o emprego. O Brasil não está apenas em recessão. Estamos vivendo a maior depressão de nossa história. É inadmissível que as políticas públicas não tenham como prioridade a manutenção dos empregos e, pelo contrário, ajudem a deteriorar ainda mais o ambiente produtivo no país.
O senhor tem dito que vivemos um processo de desmonte no país? Com qual intuito e promovido por quem exatamente?
O Brasil é um país que tem extensão territorial, população e recursos naturais que fazem dele hoje uma das 10 maiores economias do mundo. É um país em construção, teve um desenvolvimento extraordinário entre os anos 30 e 80 do século passado. Adquiriu na década passada singular projeção internacional, integrando o G-20 e o BRICS, tornando-se referência entre os países em desenvolvimento, que buscam um mundo multipolar. O impeachment da presidente Dilma, que não cabe aqui analisar, colocou no poder um bloco de forças que tem como principal preocupação se livrar da Lava Jato e desconstruir, com a rapidez possível, as conquistas políticas, econômicas e sociais que são o arcabouço da sociedade brasileira de hoje.
A convivência promíscua entre empreiteiras e autoridades vem de longe.
É um bloco que tem como principais componentes o agronegócio, setor mais dinâmico da economia brasileira, preso, entretanto, à visão ideológica subalterna dos usineiros de açúcar, dos barões do café e dos coronéis do cacau de antanho, e as igrejas evangélicas, na sua maioria orientadas de fora, bloco esse que não se preocupa em nos reduzir à condição de simples exportadores de proteínas vegetais e animais, e de recursos minerais, pois não tem compromisso com a democracia, nem com o interesse nacional. A entrega do nosso petróleo e o desmonte da Petrobras, âncora do nosso desenvolvimento industrial, responsável por uma cadeia de mais de 5.000 fornecedores, nacionais e estrangeiros, é o símbolo maior da deliberada agressão ao nosso patrimônio.
A Operação Lava-Jato desnudou a realidade promíscua entre empreiteiras e autoridades. Quais as consequências deste processo para a engenharia brasileira?
A convivência promíscua entre empreiteiras e autoridades vem de longe, Getúlio já se referia ao “Partido dos Empreiteiros” nos anos 50 do século passado. Na década de 90, sob a égide neoliberal, abandonou-se o conceito de planejamento e vendeu-se à sociedade a ideia que a iniciativa privada era mais eficiente para operar serviços de utilidade pública. Foram então concedidos aos maiores empreiteiros os principais eixos rodoviários do país, o que lhes propiciou uma geração de caixa de tal monta, que passaram eles a operar como articuladores de negócios, empregando centenas de milhares de pessoas, oferecendo aos governantes programas de obras “que coubessem no período do mandato”, para que pudessem ter uso eleitoral. O país cresceu, mudou a escala do ganho. O poder desmedido das empreiteiras enfraqueceu a engenharia, pois passara m a ser responsáveis por todas as fases dos empreendimentos, estudos, projetos, execução e supervisão. A raposa tomou conta do galinheiro. É necessário voltar às boas práticas, internacionalmente consagradas: quem projeta não executa, quem fiscaliza não executa.
Qual a saída para crise atual?
O atual governo não tem legitimidade para desconstruir o país, pois não é oriundo do voto popular. É necessário estabelecer ampla aliança de todas as forças vivas da nação, com foco na manutenção da democracia, na garantia dos direitos econômicos e sociais conquistados desde os anos 30, no combate ao desemprego e na preservação do patrimônio nacional. No limite, a solução poderá ser a antecipação da eleição direta do presidente da República. O risco que corremos, a prevalecer a atual política, é o de uma convulsão social.
Qual sua avaliação sobre os rumos da Petrobras?
É necessário resgatar o papel histórico da Petrobras, uma das maiores petroleiras do mundo, e devolver-lhe a condição de âncora do nosso desenvolvimento industrial. Concluir empreendimentos inacabados, manter a política de conteúdo local e cancelar a isenção fiscal que goza o setor de óleo e gás são medidas indispensáveis à retomada do desenvolvimento. A bem da verdade o desmonte da Petrobras começou na gestão Bendine. Parente apenas dá continuidade à dilapidação dos ativos da empresa. É inadmissível que a empresa deixe de ter compromisso com o que é feito aqui, com o país.
O que querem as forças que apoiam o governo Temer? Qual a mensagem que o senhor considera indispensável a ser dada aos empresários e trabalhadores?
Como disse, não se preocupam com o desenvolvimento nacional, dedicam-se à desarticulação das principais cadeias produtivas que alavancam a nossa economia. A defesa das empresas aqui instaladas é também a defesa do emprego de milhões de trabalhadores.
Fonte: Sidney Rezende