Direito à cidade é destaque em atos e oficinas do Fórum Social Temático

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Movimentos pedem por Função Social da Cidade na marcha do Fórum Social de Porto Alegre

“Alinhados com os diversos movimentos urbanos, a nossa pauta é pelo cumprimento da Função Social da Cidade e da Propriedade, pois que ela é o elemento central da luta na cidade”

Por Vivian Fernandes, do FNRU

As bandeiras dos movimentos populares por moradia construtores do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) se juntam a tantas outras na celebração dos 15 anos do Fórum Social Mundial, que ocorre durante o Fórum Social Temático de Porto Alegre, de 19 a 23 de janeiro.

Além da comemoração, o momento também é de apontar os desafios da luta anticapitalista atualmente. Na marcha de abertura das atividades com a participação de 10 mil pessoas, nesta terça-feira (19), o tom político ficou demarcado, e os movimentos de moradia levaram suas pautas: pela Função Social da Cidade e da Propriedade, pela autogestão na habitação popular e a cultura e território como resistência.

“Alinhados com os diversos movimentos urbanos, a nossa pauta é pelo cumprimento da Função Social da Cidade e da Propriedade, pois que ela é o elemento central da luta na cidade. Nós não vamos avançar na luta social por moradia, se não tivermos terra. Além disso, também seguimos pautando a Reforma Urbana junto ao governo federal, seguimos pautando as reformas estruturais para o país”, afirmou Beto Aguiar, da coordenação do FNRU e do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM).

Outra pauta forte trazida pelos movimentos é da “autogestão em todos os níveis da sociedades. Isso quer dizer a possibilidade dos trabalhadores e das trabalhadoras produzirem a riqueza e dividi-la com toda a sociedade”, explica Donizete Fernandes, da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), que desenvolve há décadas trabalhos com autogestão para habitação popular.

Trazendo um aspecto da subjetividade da luta e resistência popular, a coordenadora da Central de Movimentos Populares (CMP), Angélica Marinhã, levantou a importância da cultura e do território como “afirmação das raízes, da subjetividade do povo. É uma forma de autoafirmação, de entender de onde a gente veio, nossa origem, e dar um significado maior para a nossa luta”.

Os movimentos populares por moradia realizam uma série de oficinas autogestionadas durante o Fórum Social Temático. Entre elas, está a oficina “Campanha pela Função Social da Cidade e da Propriedade, no contexto da 6a Conferência das Cidades e do Habitat III”, que acontece na sexta-feira (22), às 8:30, no auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, no Centro de Porto Alegre.

 

“Por que ocupamos prédios vazios?”: conflitos urbanos e luta por moradia marcam oficina no FST

Promovido por movimentos e organizações sociais que lutam pela Reforma Urbana, espaço compartilhou relatos de norte a sul do país.

Por Vivian Fernandes, do FNRU

“Por que os prédios estão vazios? Por que os imóveis estão vazios? E por que a gente ocupa?”, com estas perguntas iniciou mais um espaço sobre Reforma Urbana no Fórum Social Temático de Porto Alegre. A oficina “Conflitos territoriais urbanos: um olhar a partir da função social da propriedade e da autogestão do habitat” tratou dos temas relacionados à moradia, nesta quarta-feira (20), na Câmara de Vereadores porto-alegrense, com mais de 50 participantes.

A atividade foi promovida pela União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM-SP) e pelo Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), entidades construtoras do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU).

Cristiano Müller, do CDES Direitos Humanos, organização que atua na prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos no Rio Grande do Sul, trouxe alguns marcos importantes desse debate e exemplos de lutas por habitação.

“Os vazios urbanos que existem não estão servindo para moradia. O Estatuto das Cidades não está sendo utilizado. O que a gente vê é a especulação imobiliária se apropriando dessas áreas, o capital se apropriando disso, e não tendo nenhuma contrapartida para a sociedade”, relata Müller, citando casos de Porto Alegre, mas que são válidos para outras cidades brasileiras.

Ele ainda explica que o trabalho da assessoria jurídica vai até a resolução do conflito e o processo de titularidade do terreno. Depois, chega “o melhor momento”, em suas palavras, que é o de como construir a moradia através de mutirão e autogestão.

Mariza Dutra Alves, coordenadora da UMM e militante na Leste 1, conta que o movimento atua na luta da autogestão há quase 30 anos. “A União defende a autogestão porque, além de construir moradia de interesse social, tem que haver qualidade da moradia e ser de acordo com a forma que a gente quer construir. A gente faz um projeto com a assessoria técnica e com as famílias, num projeto que a gente quer morar”, explica.

Para que esse processo ocorra, ela também cita a luta para que seja cumprida a Função Social sobre as terras e os imóveis vazios. “Moradia é um direito de todo cidadão e cidadã, mas o que a gente vê é um poder público lento e injusto”, pontua. Mariza ainda acrescenta: “Enquanto tiver uma família sem moradia, os movimentos populares estarão na luta. Enquanto não tiver terras, recursos e direitos, os movimentos estarão na rua”.

Conflitos

Relatos de conflitos fundiários e o papel do Judiciário, dos governantes e da polícia foram marcantes ao longo do debate da oficina. Artur Alves Santos, de São Paulo, relata que no último ano chegou a sofrer três reintegrações de posse em oito meses, até ser acolhido junto a outras famílias no bairro do Jaraguá, pela UMM SP. “Quem está com a caneta é mais perigoso do que quem está com a AR15. A caneta é uma arma poderosa”, avalia ao relatar as histórias que viveu, também chamando os despejos como “operações de guerra” por parte da PM e do Batalhão de Choque, com o consentimento do Judiciário.

“Muda de cidade, mas a realidade é a mesma. Temos aqui em Porto Alegre várias ocupações com ordem de despejo. Transformam a cidade em mercadoria e o que sobra para a população pobre é ir para periferia, enquanto a elite e a especulação imobiliária ficam com as áreas nobres”, comenta Luiz Carlos, coordenador estadual da Central de Movimentos Populares do Rio Grande do Sul (CMP-RS).

“Os despejos são um fenômeno social, de falta de política de moradia, de cumprimento da Função Social da Propriedade, e isso resulta em ocupações. A gente nunca viu uma área já ocupada sofrendo outra ocupação. Só os territórios vazios é que são ocupados. E o Poder Judiciário aciona uma operação de terror para a desocupação”, aponta Cristiano, do CDES.

Apesar da violência do poder público, as ocupações foram apresentadas como a forma principal de cumprir na prática o direito à moradia. “Para disputar o espaço da cidade, a gente tem que continuar com os processos de ocupação. Não conheço outra forma de fazer valer a Função Social da Propriedade”, defende André Delfino, do Movimento de Defesa do Favelado.

Direitos

As reivindicações pelo direito à cidade e à moradia foram lembradas por muitos dos participantes da oficina. Tatiana Nogueira, do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), questiona: “tem que reivindicar o direito à cidade. Por que quem é pobre não pode morar no centro da cidade? Por isso que a gente reivindica essa bandeira de poder morar no centro da cidade, perto de equipamentos públicos.”

“Alguém aqui tem condições de pagar um aluguel para morar em um lugar digno para sua família? Alguém acha o bolsa-aluguel justo? Dar comida só para o corpo parar de doer? O cara vem com uma lei de dar R$ 400 por mês, a cada três meses. Alguém consegue ter dinheiro a cada três meses? Algum senhoria [locatário] aceita dinheiro a cada três meses? O cara te dá R$ 1.200 a cada trimestre para calar sua boca e acha que você vai fazer milagre com o dinheiro”, relata Artur, da UMM-SP.

“Tá lá na Constituição Federal que todo mundo tem direito à moradia, mas muita gente não sabe ainda como garantir esse direito”, aponta José Maria de Amorim Lima, de Cruzeiro do Sul, cerca de 600 KM de Rio Branco, e segundo maior município do estado. Ele, que é líder comunitário e atua no MNLM, conta ainda que “o governo estadual fez uma propaganda enorme de construção de mais de 10 mil casas no Acre, e, acredite se quiser, nenhuma foi para Cruzeiro do Sul até hoje”.

“O processo da cidade é o que era o papel da cidade como um espaço de realização e perspectiva, porque a cidade é atrativa, atrai por tudo o que ela promete de realização. E a gente vê que isso se resume a um plano econômico, se você tem dinheiro fica na cidade, se não tem, é expulso dela”, finaliza Delfino, do Movimento dos Favelados.