O Dieese produziu uma Síntese Especial sobre a nova Lei de Igualdade Salarial entre homens e mulheres (Lei n° 1085/2023), que procura abranger, além dos salários, a definição de valores iguais para os cargos e funções, e para as regras de progressão na carreira, além de estabelecer a obrigatoriedade de divulgação desses dados. O documento destaca que o movimento sindical tem papel fundamental na consolidação da legislação, que ainda precisa de uma regulamentação específica, incluindo um protocolo de fiscalização.
<A nova lei determina que é obrigatória a igualdade salarial para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. (Clique aqui para ler a Síntese Especial – subsídios para o debate – Lei da Igualdade salarial entre homens e mulheres, do Dieese, que analisa em detalhes a nova legislação.) >
“As lideranças sindicais, especialmente as mulheres, devem estar atentas à divulgação de relatórios, à denúncia, quando for necessário, e à formação e organização das mulheres trabalhadoras em relação a esse tema”, afirma a síntese do Dieese. Aponta, por exemplo, para a existência de controvérsia sobre a definição de salário e remuneração na legislação brasileira, cuja “compreensão é fundamental para garantir que a aplicação das regras definidas na nova lei sejam o mais abrangentes possível”.
A igualdade estabelecida na lei aprovada diz respeito aos itens que compõem o salário (mais restrito), e não aos itens da remuneração (mais amplo). “Há um grupo bastante grande de itens que compõem o salário e a remuneração. É preciso assegurar que mesmo aqueles itens que não estão abrangidos pela lei sejam objeto de discussão do movimento sindical com as empresas, a fim de garantir efetivamente a igualdade salarial entre homens e mulheres.”
A remuneração, segundo o Dieese, “engloba todos os ganhos que o trabalhador(a) recebe do empregador(a), incluindo o salário (e todos os demais itens) e outras vantagens estabelecidas em contrato de trabalho pela legislação ou negociação coletiva de trabalho, ou ainda de modo tácito entre empregador(a) e empregado(a). Portanto, esses são os elementos que deveriam ser considerados na avaliação para determinar a magnitude das desigualdades entre homens e mulheres nas empresas. No entanto, o texto aprovado no Congresso Nacional limitou o escopo de atuação nesse tema, incluindo apenas os itens relacionados ao salário.”
Muitos dos itens que compõem a remuneração, contudo, são calculados com base nos salários. “Portanto, se estiverem em desacordo com a lei, é necessário denunciar”, avisa o Dieese. “Além disso, outras verbas que não são diretamente calculadas com base no salário possuem regulamentação, e erros de cálculo que prejudiquem as mulheres também devem ser denunciados. Itens como PLR (Participação nos Lucros e Resultados) devem ser definidos de modo a não estabelecer metas que prejudiquem as trabalhadoras, levando em conta as necessidades e particularidades da inserção feminina no mercado de trabalho.”
Os critérios remuneratórios têm grande importância no esforço de eliminação das disparidades salariais entre homens e mulheres, explica a síntese do Dieese. “Asseguram que o estabelecimento do valor monetário de uma ocupação não seja guiado por concepções baseadas em discriminação de gênero. Além disso, garante que os processos de progressão profissional na carreira sejam regidos por regras igualitárias para homens e mulheres.”
A Lei n° 1085/2023 determina a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios das empresas com cem ou mais empregados. Esses relatórios devem conter “informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico” (artigo 5º, parágrafo 1º). Se o relatório apontar desigualdades, a empresa deverá implementar um plano de mitigação das diferenças salariais e de critérios de remuneração com metas e prazos.
Está prevista, ainda, a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho. Caso a empresa não cumpra as regras determinadas na lei da igualdade salarial, deverá pagar multa de 3% da folha de salários, limitado a cem Salários Mínimos, e pode sofrer outras sanções.
Ação do poder público
O poder público tem grande responsabilidade no combate às desigualdades salariais. Segundo o Dieese, o texto legal indica que o governo federal disponibilizará, de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, as informações dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios elaborados pelas empresas.
“O governo deve publicar indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda, desagregados por sexo, indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.”
Mercado tão desigual
O trabalho do Dieese informa que, em relação à remuneração, ao se comparar as diversas variáveis do mercado de trabalho, as mulheres estão sempre em desvantagem. No que diz respeito às desigualdades de gênero/sexo, as mulheres são maioria da população brasileira com mais de 14 anos de idade (51,7%, enquanto os homens são 48,3%), mas a participação feminina no mercado de trabalho é de 44%. Já eles representam 56%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PnadC-IBGE) para o 3º trimestre de 2022.
“Isso ocorre porque as mulheres enfrentam mais dificuldades para acessar e permanecer no mercado de trabalho. Entre as pessoas que estão fora do mercado de trabalho, as mulheres representam 64,5%, enquanto os homens correspondem a 35,5%, mostra a PnadCIBGE. Parte significativa dessas mulheres quer e precisa ter uma atividade econômica remunerada. No entanto, as condições para a ocupação são mais limitadas para elas na comparação com os homens: faltam creches, serviços de cuidados, garantia de direitos à maternidade, políticas que enfrentem a discriminação de gênero, os assédios moral e sexual no ambiente de trabalho, entre outros aspectos.”
“Mesmo quando estão no mercado de trabalho, elas enfrentam condições mais desfavoráveis em relação ao acesso, permanência e ascensão profissional do que os homens. A situação é ainda pior para as mulheres negras. É por isso que, histórica e estruturalmente, as trabalhadoras têm médias salariais menores do que as registradas para os homens, mesmo quando ambos os grupos populacionais têm nível de escolaridade, ocupação e tempo de emprego similares - elas sempre estão em desvantagem salarial. Por causa dos salários inferiores, as mulheres possuem autonomia financeira menor, o que acarreta impactos negativos em outras esferas da vida delas: as mulheres ganhavam menos 21% do que os homens. Mesmo nos setores com predominância de mulheres, como saúde, educação e serviços sociais, a desigualdade de remuneração é ainda maior, chegando, em média, a menos 32% em comparação à remuneração dos homens.”
“Em relação à remuneração, ao se comparar as diversas variáveis do mercado de trabalho, as mulheres estão sempre em desvantagem. A desigualdade salarial entre homens e mulheres só não é ainda maior devido à existência de limites mínimos, como os pisos salariais das categorias profissionais e o salário mínimo nacional. No entanto, as desigualdades ocorrem nas faixas acima desses mínimos. Isso porque os critérios remuneratórios adotados privilegiam as ocupações predominantemente masculinas ou cargos e funções ocupados por eles, garantindo promoções profissionais de modo mais frequente para os homens. As mulheres têm maior dificuldade de ascender na carreira em razão da “necessidade” de intercalarem períodos no mercado de trabalho com períodos fora, devido à maternidade ou ao acúmulo das tarefas de cuidados.”
“As mulheres são maioria entre os que recebem pisos salariais, enquanto os homens têm acesso a salários mais altos. Cerca de 43% das mulheres recebem salário mínimo, enquanto o percentual de homens com essa remuneração é de 32%, conforme Síntese de Indicadores publicada pelo DIEESE em 2023.”
O boletim mostra em gráficos que, quanto maior a escolaridade, maior é a desigualdade de remuneração no mercado de trabalho formal. “Nos empregos com menor exigência de escolaridade, os trabalhadores e as trabalhadoras estão mais próximos dos pisos das categorias profissionais ou do Salário Mínimo, ou seja, a variação de remuneração é menor. Como as mulheres têm forte presença nas faixas salariais próximas ao piso, a política de valorização do Salário Mínimo acaba reduzindo a desigualdade média de remuneração entre homens e mulheres no mercado de trabalho. No entanto, à medida que aumenta a exigência de escolaridade, aparecem outros fatores que contribuem para ampliar as desigualdades das remunerações: maior valorização das ocupações com presença majoritária de homens, critérios adotados para acesso a promoções profissionais, a exigência de horários incompatíveis com a vida familiar, entre outros fatores. Dessa forma, mesmo que a desigualdade na remuneração seja em média de – 12,52% no mercado formal de trabalho, entre os trabalhadores e trabalhadoras com superior completo ou incompleto, a diferença é maior do que 30%, chegando a 34,84% quando há ensino superior completo.”
De modo geral, o Dieese avalia que a Lei da Igualdade Salarial contribuirá para o combate às desigualdades no mercado de trabalho, para aumentar a autonomia financeira feminina e para a melhora da vida das mulheres também em outras esferas.
Fonte: Veronica Couto/Senge-RJ