Desmatamento na Amazônia é ‘perda irreparável’, diz especialista em recuperação ambiental

Imagem da Nasa mostra vários incêndios nos estados de Rondônia, Amazonas, Pará e Mato Grosso em agosto de 2019
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AFP/GETTY IMAGES

Imagem da Nasa mostra vários incêndios nos estados de Rondônia, Amazonas, Pará e Mato Grosso em agosto de 2019

Imagem da Nasa mostra vários incêndios nos estados de Rondônia, Amazonas, Pará e Mato Grosso em agosto de 2019

É possível recuperar áreas desmatadas da Amazônia?

Na hipótese mais otimista, sim, mas seriam necessários, no mínimo 20 anos. No pior – e mais comum – dos cenários, no entanto, a floresta destruída nunca voltará a ser o que era antes, segundo Jerônimo Sansevero, professor do Departamento de Ciências Ambientais do Instituto de Florestas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

“Estamos tendo uma perda irreparável. Nunca tivemos uma perda tão alta nas últimas três décadas”, afirmou.

A Amazônia brasileira perdeu mais de uma Alemanha em área de floresta entre 2000 e 2017. São cerca de 400 mil km² a menos de área verde, de acordo com estudo de uma equipe de pesquisadores da Universidade de Oklahoma publicado na revista científica Nature Sustainability.

O resultado é mais que o dobro da área de 180 mil km² registrada no mesmo período pelo sistema de monitoramento de desmatamento anual adotado pelo Inpe.

Especialista em restauração ambiental, Sansevero explica que a chance de recuperação da área desmatada depende, primeiro, do tamanho do impacto causado na vegetação original.

E compara à superação de um trauma para o ser humano. “Alguns traumas a gente consegue superar, mas outros têm um impacto tão grande que você não consegue voltar ao que era antes.”

Nas áreas em que o solo foi afetado de forma muito forte – com mineração, por exemplo -, dificilmente haverá a recomposição da vegetação original, segundo ele.

Em locais onde houve uma agricultura de baixo impacto – sem uso de queimadas e de máquinas -, as chances de recuperação são maiores.

Incerteza climática não ajuda

Os especialistas usam o termo “resiliência” para descrever essa capacidade de recuperação. E Sansevero diz que, infelizmente, é a “menor parte” das áreas destruídas que tem esse potencial de retomar as condições anteriores.

“Estamos falando de uma menor parte que conseguiria se recuperar em 20 anos. As outras áreas já perderam essa capacidade porque já têm desmatamento em larga escala.”

AGÊNCIA PARÁ

Força-tarefa no Pará combate focos de desmatamento em Altamira, Anapu, Moju, Tailândia e Senador José Porfírio.

Combate à extração ilegal de madeira não conseguiu impedir a perda de uma área maior que o território da Alemanha na Floresta Amazônica

Um fator fundamental para a recuperação é a proximidade a uma área de floresta, que serve como fonte de sementes e frutos que podem dar origem a novas plantas na área destruída.

Outra questão importante é o clima. Segundo Sansevero, áreas naturalmente mais secas têm menor capacidade de recuperação.

“Ou seja, se a gente considera o cenário de incerteza do que vai ocorrer com clima, isso também gera incerteza do que vai acontecer com esse potencial de recuperação. À medida que o clima passa a ficar mais seco, vamos perder essa resiliência.”

‘Alerta’

fenômeno que deixou o céu de São Paulo escuro durante a tarde de segunda-feira funcionou como um alerta até “para quem não é sensível ao tema”, segundo o engenheiro florestal Eraldo Matricardi. O recado, ele diz, é que os impactos ambientais do que acontece na Amazônia atingem todas as regiões do país.

“Não dá para achar que uma região está desconectada da outra. É bom ficar de olho no que acontece com o vizinho porque pode afetar o seu quintal”, afirmou.

Dados do Inpe mostram ainda que o número de focos de incêndio no Brasil este ano (do primeiro dia de janeiro a 19 de agosto), 72.843, já é 83% maior que no ano passado. Os maiores crescimentos de 2018 para 2019 estiveram no Mato Grosso do Sul (+256%); Pará (+199%); Acre (+196%); e Rondônia (+190%).

Professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em degradação e incêndios florestais, Matricardi diz que o aumento das queimadas no Brasil é resultado de fator climático e da ação humana, com o desmatamento para explorar áreas para plantio.

Ele compara a decisão de queimar o solo – que gera nutrientes em um primeiro momento – à ingestão de bebida alcoólica. “Em um primeiro momento, traz um benefício, mas depois vem a realidade. É como quando você bebe: primeiro vem a felicidade, mas a hora que passa o efeito vem a ressaca.”

Como o fogo transforma material orgânico em inorgânico, ele diz, acaba gerando nutrientes para as plantas. “Mas quando ocorre um incêndio, você tem uma bomba de nutrientes, que as plantas não conseguem absorver e isso vai para rios.”

E as consequências das queimadas são devastadoras, afetando solo, vegetação e os animais no local, além de causar efeitos com alcance global.

“Ao fazer a queimada, você está emitindo carbono, engrossando camada dos gases do efeito estufa e, por sua vez, aumentando possibilidade de mudanças climáticas no mundo”, diz Matricardi.

 

Fonte: BBC News Brasil / Escrito por Laís Alegretti