Há poucas mulheres atuando nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, na sigla em inglês), em todos os países do mundo. Nas universidades, as mulheres representam apenas 35% dos alunos matriculados nesses campos do conhecimento – o percentual é ainda menor nas engenharias (de produção, civil e industrial) e em tecnologia, não chegando a 28% do total.
“É um quadro preocupante, sobretudo porque são essas áreas que vêm gerando mais oportunidades de trabalho”, disse Adriana Carvalho, gerente da ONU Mulheres para os Princípios de Empoderamento Econômico das Mulheres, durante evento realizado no Rio de Janeiro no início do mês (11). “Não é possível avançar na igualdade de gênero sem atentar para o hiato em carreiras tão promissoras”, completou.
Participaram do evento mais de 150 pessoas, entre executivas de grandes empresas, professoras, estudantes e especialistas no tema. A jornalista Flávia Oliveira conduziu os debates, que contou com representantes de empresas e instituições como White Martins, Petrobras, L’Oreal, Fundação Unibanco, Copa D’or, Furnas, Instituto Brasileiro de Petróleo, além de novas companhias tecnológicas, como a Twist.
Da academia, estavam cientistas e pesquisadores de Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ), Instituto Tecnológico de Aeronáutica de São Paulo (ITA-SP), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste. Fundo Elas, Inspiring Girls e demais organizações de apoio às mulheres também contribuíram com as discussões.
Não há na vasta literatura científica nada que sustente a ideia de que as mulheres tenham menos aptidões que os homens para se desenvolver nas áreas de STEM. Há muitos estudos sobre os fatores biológicos no aprendizado, considerando por exemplo estrutura e funções cerebrais, genética e questões hormonais. Eles sugerem que pode até existir diferença de habilidades cognitivas entre indivíduos, mas não entre gêneros.
“O fato de as mulheres estarem menos presentes em determinadas áreas de conhecimento tem muito mais relação com questões sociais e com expectativas que pais e comunidade propagam desde muito cedo”, diz Fabio Eon, coordenador de Ciências da UNESCO no Brasil. A agência da ONU tem amplo banco de dados, aberto ao público, com estatísticas detalhadas sobre meninas e ciências. Os dois estudos recentes que embasaram a palestra de Eon são: “Relatório de Monitoramento Global de Educação” e “Decifrar o Código: educação de meninas e mulheres em STEM”.
Nas escolas
As diferenças de interesse por matérias STEM começam a se mostrar na virada do ensino fundamental para o médio, quando mais meninos que meninas realizam cursos avançados de matemática e física, por exemplo.
Pesquisas do Instituto Unibanco com escolas no Brasil revelaram que, durante o ensino médio, o interesse de meninos por carreiras de exatas já é quatro vezes maior que o de meninas, lembrou Ricardo Henriques, diretor-executivo do Instituto Unibanco e um dos grandes especialistas em educação e desigualdade social no Brasil.
O menor interesse das meninas por matérias de exatas é algo que começa a ser forjado ainda cedo, durante a infância, quando as crianças passam a assimilar estereótipos – os meninos ganham incentivo e espaço para desenvolver habilidades espaciais, por exemplo, e as meninas são levadas a acreditar que sua tarefa no mundo é cuidar da casa e da família e não pesquisar, liderar ou criar coisas.
Posteriormente, no ensino médio, elas encontram principalmente homens dando aulas de matemática, ciências e física e, dificilmente, recebem referências a mulheres de destaque nessas áreas.
Para Henriques, é fundamental que as escolas comecem a replicar ações afirmativas, de gênero e também para as diferentes etnias. “Temos de mudar a perspectiva de intenção das meninas. Escolas com mais professoras mulheres em matemática, com mais professoras negras, já produzem um contexto mais positivo”, disse.
A ideia do especialista é corroborada pelos demais presentes no encontro, a de que é preciso repensar o processo de aprendizagem. Há possibilidades de ações simples – como a adequação de materiais didáticos que tragam mais mulheres como exemplos e fontes de conhecimento, além das mudanças na forma de ensinar as matérias STEM. Meninas, por exemplo, costumam demonstrar mais interesse por física ou matemática quando são apresentadas à aplicação prática do que estão aprendendo.
Para a universidade, pública ou privada, caberia dar seguimento a esse processo, começando por realizar ações explícitas de captação de jovens de todos os gêneros já nas escolas para as áreas de exatas.
“Não existe escolha certa ou errada”, disse Adriana Carvalho, da ONU Mulheres. “Mas hoje, infelizmente, ainda existe falta de escolha. E as pessoas não podem decidir suas carreiras por acreditar que pertencem a um mundo e não ao outro”.
Nas empresas
As empresas também têm responsabilidades para levar mais mulheres a se interessar por carreiras em STEM. “É preciso motivá-las nos estudos dessas áreas. Mas é preciso também dar possibilidades para que tenham emprego quando se formarem”, disse o engenheiro Gilney Bastos, presidente da White Martins para América do Sul.
Bastos tem dado apoio a uma série de mudanças em sua empresa para garantir que mais mulheres se candidatem às vagas nas áreas técnicas, criando mecanismos internos inclusive para promoções. “É verdade que, por muitas décadas, a gente só tinha homens engenheiros. Quando comecei, por exemplo, era assim. Mas nós precisamos de talentos, de gente boa para garantir inovação. Ter uma equipe diversa, com mais mulheres e profissionais de diferentes etnias é fundamental para os bons resultados”.
Na fabricante de cosméticos L’Oreal, o apoio às mulheres na ciência veio por meio do “Para Mulheres na Ciência”. Em parceria com a UNESCO, o prêmio concede bolsa-auxílio para mulheres que tenham se destacado em pesquisas nas áreas de ciências da vida, matemática, física e química. Entre as já premiadas, estão a brasileira Mayana Zatz e duas reconhecidas pelo Nobel, a israelense Ada Yonath e a norte-americana Elizabeth Blackburn.
“Não é ideologia dizer que há desigualdade de gênero, que há racismo”, declarou Amália Fischer, cofundadora e coordenadora-geral do Fundo ELAS, o único fundo brasileiro de investimento social voltado exclusivamente para o protagonismo das mulheres.
“A desigualdade é um fato e, para acabar com ela, é preciso participação de toda a sociedade, incluindo escolas, universidades e principalmente as empresas”, declarou. Amália destacou os dados de um aprofundado estudo da consultoria McKinsey sobre o impacto da desigualdade de gênero. Se as mulheres em todos os países ocupassem o mesmo papel que os homens nos mercados, haveria um acréscimo de 28 trilhões de dólares na economia mundial até 2025 – ou 26% do PIB global.
ONU Mulheres
O debate “Meninas na Ciência” fez parte dos esforços da ONU Mulheres para garantir mais possibilidades às mulheres na sociedade e no mercado de trabalho. Garantir às mulheres o reconhecimento de seus direitos, acesso à própria renda e também ao controle e uso desses recursos é um dos temas centrais do mandato da agência das Nações Unidas.
Em uma de suas mais recentes iniciativas, a ONU Mulheres, com Organização Internacional do Trabalho (OIT) e União Europeia (UE), desenvolveu o “Ganha-Ganha: Igualdade de Gênero Significa Bons Negócios”. O programa busca fortalecer o protagonismo das mulheres no setor privado, oferecendo às empresas ferramentas para promover a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, na cadeia de fornecedores e nas comunidades com as quais se relaciona.
Fonte: ONU BR