Desfazendo mentiras sobre a Vale do Rio Doce

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Ceci Juruá, ex-conselheira do Conselho Regional de Economistas do RJ

Marcos Arruda – economista do PACS e Rede Jubileu Brasil

 

Resposta ao artigo assinado por Walter Diogo (Jornal do Brasil, 7.9.2007) contendo equívocos e sinais de desinformação

Como é que a maior mineradora do Brasil e da América Latina, que teria o preço mínimo de R$ 12 bilhões em 1997, como diz o artigo, foi vendida por miseráveis R$ 3,338 bilhões? Esta é a pergunta que o Jornal do Brasil e o resto da grande mídia deixa de fazer. Como pôde o próprio Jornal do Brasil informar, em fevereiro de 1997, que em Johanesburgo, África do Sul, já se sabia que o “preço mínimo” para a Vale ir a leilão seria de US$ 3 bilhões? E quem apurou se os novos acionistas foram agraciados com um “deságio” de R$ 338 milhões como benefício fiscal?

Mas este é o primeiro equívoco, com desdobramentos. Segundo a revista Exame (“As 500 maiores”, julho de 1998), o patrimônio da CVRD em 1997 era de US$ 8,5 bilhões naquele ano. Tinha receitas de US$ 5 bilhões e lucrou US$ 677 milhões. Portanto, era rentável e dava um lucro substancial, civilizado, de 8% do seu patrimônio líquido. Aplicando àquele valor patrimonial a desvalorização sofrida pelo dólar (mais ou menos 30% nos dez anos), pode-se dizer que o patrimônio da CVRD em 1997 era de US$ 11 bilhões a preços de 2007.

 

Supomos no entanto, e isto é importante, que o método utilizado até a privatização, para cálculo do patrimônio, consistia na simples atualização dos valores históricos. É esta a razão pela qual não se pode comparar os valores de antes da privatização, calculados por preços históricos, com o valor acionário atual, pois este obedece a outros parâmetros de avaliação. Mas é importante que se saiba que já em 1997, ano da privatização, a Vale do Rio Doce liderava um conjunto de grupos econômicos que era o maior do Brasil, e tinha um patrimônio equivalente a quase o dobro do grupo Votorantim e do grupo Bradesco.

Na bolsa, um dos critérios utilizados para avaliar empresas é a relação entre preço e patrimônio líquido. Há vários casos em que esta relação chega a 10 ou 20. Por este critério, a Vale do Rio Doce poderia valer US$ 110 ou mesmo US$ 220 bilhões de dólares.

 

Difícil mesmo é explicar como o órgão gestor das privatizações, o BNDES, assessorado por empresas de auditoria e consultoria contratadas, chegou a um preço mínimo tão insignificante frente aos resultados e ao patrimônio da Companhia Vale do Rio Doce. Como gestor da privatização da Vale, o BNDES tinha a obrigação de levantar a situação econômico-financeira da empresa e o valor integral do seu patrimônio, não só em ações, mas também em reservas minerais, equipamentos, meios de transporte, imóveis urbanos, terras, conhecimento científico, reservas estratégicas e tudo o mais. E por que nunca foram divulgados os resultados financeiros positivos da Vale desde o início de suas atividades em janeiro de 1943?

Nós, e a grande maioria da população brasileira não entendemos, e esta é a razão do plebiscito. Enquanto não houver explicações por parte dos governantes e autoridades daquela época, muitas hipóteses podem ser feitas e uma questão pode ser colocada: “Tratou-se de um crime de lesa Pátria o leilão da Companhia Vale do Rio Doce?”.

Há sérios indícios de distorções na avaliação realizada sob a coordenação do BNDES. E por isto há mais de 100 processos na Justiça, desde a época do leilão, maio de 1997. Por que foram subavaliadas as reservas de minérios de ferro, ouro, manganês, bauxita, cobre e caulim? Foram incluídas na avaliação o titânio, calcário, dolomito, fosfato, estanho, granito, zinco, grafite, nióbio e urânio? E a Docegeo, com seu rico acúmulo de capital tecnológico e terminais marítimos, mais duas das três ferrovias mais rentáveis do mundo? E as duas siderúrgicas já então controladas pela CVRD? E a participação acionária em 54 empresas controladas e coligadas da CVRD?

A lei de criação da Vale estabeleceu que 85% dos seus lucros seriam aplicados em fundo de melhoramento e desenvolvimento regional. Antes da privatização os acionistas reduziram esse percentual para 8% e o BNDES recebeu dos arrematantes uma “doação” de apenas R$ 85,9 milhões, que seus técnicos disseram corresponder a 30 anos de contribuição na base de 8% sobre os lucros estimados a contar de 1997.

Na ocasião do leilão, um mandado de segurança contra a venda da Vale do Rio Doce recebeu parecer favorável do Supremo Tribunal Federal, porque a empresa era proprietária de reserva de urânio, mineral considerado de segurança nacional. Mas havia também 26 milhões de hectares de terra, proibidas por lei de passar ao controle estrangeiro. A Constituição da República impede a alienação de mais de dois mil hectares a alienígenas sem a anuência das Forças Armadas e do Senado da República. Algumas destas terras se encontram em zonas de fronteira, constituindo uma dupla violação dos preceitos constitucionais.

Pretender que foi a eficiência do setor privado que fez o lucro da Vale disparar nestes anos é outro equívoco. O preço dos minérios mais do que triplicou no mercado internacional. O preço do frete ferroviário e de outros serviços que a Vale presta mais que duplicou com a privatização, e a Vale tem três ferrovias. Além disso, com as demissões, o aumento da taxa de exploração e reduções de salário real dos funcionários, aumentou substancialmente a mais valia. E, na sede corporativa de construir oligopólios globais, a Vale comprou oito empresas de mineração.

 

Outro equívoco é dizer que, para reestatizar, o governo teria que pagar US$ 90 bilhões aos seus acionistas. A avaliação prévia foi incorreta. Por isso, mesmo que a venda não tivesse sido, como foi, fraudulenta e ilegal por outros motivos, o primeiro gesto de dignidade do governo terá de ser o reconhecimento da nulidade do edital e do leilão que o sucedeu, e o segundo será realizar uma auditoria que revele quanto os acionistas controladores pagaram e quanto receberam ao longo de dez anos de privatização ilegal da empresa. Ao final, eles é que têm de reembolsar o Estado por ganhos excessivos e lesividade contratual.

 

O plebiscito não propõe a mudança da natureza mista da empresa, até porque as sociedades de economia mista já são consideradas da iniciativa privada e fiscalizadas pela CVM, O plebiscito consulta a população quanto à necessidade de retomada do controle acionário nacional sobre o imenso patrimônio da Vale do Rio Doce pelos brasileiros, dado o seu caráter estratégico, essencial para os fundamentos de um modelo próprio de desenvolvimento do Brasil.

A questão é que juridicamente a venda da Vale foi ilegal e só falta o Poder Judiciário julgar o mérito das ações judiciais que alegam isso. Politicamente, o plebiscito serve de expressão da voz do povo, mostrando ao Governo que é sua vontade ter a Vale sob efetivo domínio nacional.

 

Dirigentes da Vale do Rio Doce estão na China, sim, mas negociando o que pode resultar no empobrecimento do Brasil. Pois estamos suprindo 30% das necessidades de minério de ferro bruto daquele país para as suas aciarias. Por que não lhes vendemos o aço, que tem um valor agregado muitas vezes superior ao do minério bruto ou semimanufaturado que lhes remetemos?

Mas o plebiscito também trata da prioridade dada pelo governo aos juros pagos a cerca de 20 mil detentores de contratos e títulos da dívida pública brasileira, mostrando que estes desviam do orçamento público recursos indispensáveis a investimentos na economia doméstica (infra-estrutura, etc.) e na ampliação e melhoria de qualidade dos serviços básicos de responsabilidade do governo (saúde, educação, saneamento, habitação, organização agrária, meio ambiente, cultura, trabalho, defesa nacional, etc.) E isto sem realizar a auditoria da dívida, previsto na Constituição de 1988. As cifras federais indicam que, durante 2006, o governo pagou aos banqueiros por mês o correspondente quase sete CVRDs (tomando por referência o valor de venda da CVRD)!

É calúnia afirmar que grupos empresariais internacionais estariam financiando o plebiscito. E é indignidade não divulgar que, no “descruzamento de ações” em 2001, o BNDES deu R$ 859 milhões ao BRADESCO / VICUNHA / CSN, ou seja, exatas dez vezes mais do que a “doação” recebida em 1997 para acabar com o fundo da Vale para desenvolvimento regional. Somos milhões de voluntários pelo Brasil afora dialogando com a população, informando, educando, mobilizando e recolhendo votos, na maior pesquisa de opinião que se realiza no Brasil! As organizações, redes e fóruns do movimento social que participam têm colaborado com os gastos com os materiais. A acusação precisaria ser provada para ter qualquer credibilidade. Não se iludam, pois argumentos desse tipo não conseguirão apagar a indignação da maioria dos votantes com os quais conversamos. Indignação contra as ilegalidades da privatização, contra o ex-presidente da República, contra os dirigentes do BNDES na época do leilão e, enfim, contra o ambiente político marcado por denúncias constantes de corrupção e de impunidade.

 

Em maio de 1997, o Ministro Demócrito Reinaldo, do STJ, advertiu para a temeridade de vender a Vale com aquele monte de ações para serem julgadas. Se a Justiça Brasileira resolvesse julgar de verdade o mérito das ações judiciais, que os caluniadores não divulgam, será que estes ousariam dizer que os juízes também estariam sob a suspeita de financiamento internacional?

 

Um triste exemplo não foi o superescândalo do BANESTADO, com desvio de mais de US$ 30 bilhões para o exterior? Por que tamanha preocupação das elites políticas, econômicas e midiáticas quando a voz do povo se levanta para protestar e exigir dignidade e justiça?