Desenvolvimento, Soberania e Engenharia: notas

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Texto escrito por Samuel Pinheiro Guimarães em 19 de fevereiro de 2014 para o livro dos 20 anos da Fisenge

Uma sociedade e um Estado são soberanos quando são capazes de se organizar, de se autodeterminar, e de agir de forma autônoma, isto é, sem terem de se subjugar aos interesses de terceiros Estados e serem capazes de se defender de qualquer agressão externa.

Uma sociedade somente é soberana, capaz de resistir a pressões de outros Estados, se for desenvolvida, isto é, se for capaz de utilizar da forma a mais plena e eficiente possível seus fatores de produção (capital, terra e trabalho) e se não for dependente, em excesso, de importações para abastecer suas necessidades vitais de consumo e de investimento.

O desenvolvimento pode ser definido como o processo pelo qual uma sociedade, uma economia, um Estado utilizam seus fatores de produção de forma cada vez mais eficiente e ampliam sua capacidade instalada, e em consequência o emprego e, dependendo da estrutura de distribuição da renda, o bem estar geral da população.

O desenvolvimento econômico brasileiro significa o desenvolvimento industrial do Brasil. A população, que já é mais de 80% urbana, tenderá a se tornar cada vez mais urbana e não é possível gerar empregos, no número necessário, na agricultura de grande escala e na mineração, voltadas para a exportação.

O processo industrial é que transforma a economia, que transforma a sociedade, que reduz sua vulnerabilidade externa, que é essencial para construir sua capacidade de defesa, e assegurar sua soberania.

Desenvolvimento industrial significa a maior integração das cadeias produtivas de cada setor, a maior absorção e geração própria de tecnologia, a maior capacidade de ampliar e diversificar as exportações, a maior capacidade de investir.

A ampliação da capacidade instalada em todos os setores seja na agricultura, mineração, indústria, transportes ou serviços, em níveis tecnológicos cada vez mais elevados (e, portanto, mais competitivos) depende de investimentos, isto é, de recursos financeiros para adquirir bens de capital, contratar operários e técnicos e adquirir insumos intermediários, e da existência de demanda doméstica ou externa para a futura produção.

Esses recursos financeiros podem ter sua origem no setor privado ou no setor público, mas em geral é canalizado através do sistema de crédito de bancos, privados ou públicos.

A ação do Estado nesta área é fundamental para estimular por medidas regulatórias e pelo poder de compra e de crédito que detêm o desenvolvimento industrial eficiente.

Esta ampliação da capacidade instalada não é apenas uma questão financeira, mas depende de conhecimento tecnológico capaz de definir e desenhar máquinas e organizar sistemas de suprimento de insumos, linhas de produção e sistemas de distribuição de produtos finais e, assim, não pode ser feita sem a participação de engenheiros de todas as especialidades, desde os agrônomos aos eletrônicos, de acordo com o projeto de ampliação em pauta.

Ainda que os empresários privados e o Estado decidam investir a taxas capazes de absorver a mão de obra que chega ao mercado de trabalho brasileiro a cada ano, e os contingentes acumulados de mão de obra subempregada e de baixa capacitação, é indispensável que exista a mão de obra qualificada de engenheiros e técnicos para que as instalações que correspondem aos investimentos possam ser fisicamente construídas e operadas.

Para tal, tendo em vista a notória escassez de engenheiros no Brasil, e observando o esforço de formação realizado por outros países como a China, que forma 500 mil engenheiros por ano, e a preocupação com o tema nos Estados Unidos, é necessário estimular a formação de engenheiros e evitar a evasão que ocorre nos cursos superiores de engenharia, por razões inclusive econômicas, dos alunos que não podem enfrentar os seus custos.

É necessário transformar a atitude de “laissez faire” do sistema educacional brasileiro que parte do princípio de que a oferta de cursos superiores é uma decisão autônoma das universidades públicas e privadas, que podem a seu bel-prazer criar cursos, ainda que necessitem para tal de autorização do Ministério da Educação, que, todavia, não procura influir sobre o tipo de curso a ser criado.

Proliferam os cursos superiores nas áreas de ciências sociais e fazem falta os cursos nas áreas de ciências exatas. Somente 10% dos estudantes universitários brasileiros se graduam por ano na área de ciências exatas.

É indispensável estimular a demanda dos jovens que terminam o ensino fundamental pelos cursos de engenharia, assim como retreinar os engenheiros que, no período chamado de “décadas perdidas”, se dirigiram ao setor financeiro devido à escassez de oportunidades de trabalho ou de remuneração adequada nas áreas de engenharia.

O ensino de matemática (e de ciências como a física e a química) no ensino fundamental tem de ser ministrado de forma eficiente e atraente.

Para que isto ocorra, é necessário um esforço planejado, em grande escala, de formação de professores de matemática cujo êxito depende da reestruturação da carreira de professor, de níveis salariais adequados e do retreinamento de professores.

O salário básico dos professores de matemática no ensino fundamental público, muitas vezes “leigos” sem formação específica, é inferior aos salários no serviço doméstico e inferior à média salarial da força de trabalho.

Caberia criar um programa de bolsas de estudo para os estudantes nos cursos superiores de ciências exatas, como a matemática, a física e a química, para atrair mais estudantes e para reduzir a evasão de alunos desses cursos, por razões econômicas de subsistência.       

Não há desenvolvimento, nem soberania sem a ação do Estado. A ação do Estado deve dar especial prioridade ao desenvolvimento industrial e, portanto, à engenharia nacional, sem a qual não pode haver desenvolvimento industrial.

A formação de professores de matemática, a criação de institutos especializados na área de engenharia, com padrões diferenciados de remuneração para os professores e de assistência financeira aos alunos é indispensável e  ponto essencial de uma política de desenvolvimento sustentada de  longo prazo.

Texto escrito por Samuel Pinheiro Guimarães em 19 de fevereiro de 2014 para o livro dos 20 anos da Fisenge

Sobre Samuel Pinheiro Guimarães:

Embaixador;
1963 Bacharel, pela Faculdade Nacional de Direito, Universidade do Brasil;
1969 Mestre em Economia pela Boston University;
1997 Professor do Curso de Mestrado em Direito da UERJ, até 2002;
1977 Professor de Comércio Internacional da Universidade de Brasília (UnB), até 1979;
1978 Professor de Microeconomia do Instituto Rio Branco até 2016;
2003 Secretário-Geral das Relações Exteriores, até 2009;
2009 Doutor Honoris Causa pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil);
2009 Ministro de Estado, Secretaria de Assuntos Estratégicos, até 2010;

 

Foto: Joka Madruga/Fisenge