Comissão Nacional da Verdade tem uma relação de empresas cuja participação na ditadura será investigada. Golpe teve ‘caráter de classe’, afirmou coordenadora. Trabalhadores pedem volta de Cláudio Fonteles
São Paulo – As centrais sindicais manifestam apoio à Comissão Nacional da Verdade, mas cobram celeridade e “imediata recomposição” do colegiado, desfalcado há meses. E esperam que a CNV “se transforme num coletivo forte o suficiente para garantir a abertura total dos arquivos dos órgãos de repressão e informação”. Essas reivindicações foram reapresentadas hoje (22), durante o primeiro ato público do grupo de trabalho que investiga a repressão a trabalhadores e ao movimento sindical. O encontro ocorreu no Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical, no centro de São Paulo, em prédio que durante anos foi sede do Sindicato dos Metalúrgicos.
A coordenadora da CNV, Rosa Cardoso, que comanda também esse grupo de trabalho, disse que a preocupação é comprovar que houve demissões sistemáticas de trabalhadores, o que configuraria crime de lesa-humanidade. “É uma construção que precisamos fazer. Só tendo havido crime de lesa-humanidade é que os trabalhadores poderão pedir reparação”, afirmou. Devido ao prazo curto, ela afirmou que a comissão trabalhará “em ritmo de campanha”.
Segundo Rosa, já existe uma relação de empresas que deverão ser investigadas. “Há muito material conjunto de acervos que o grupo terá de trabalhar sobre eles. Um dos mais importantes hoje está no Ministério do Trabalho. Esse material mostra como foi a intervenção nos sindicatos, as lideranças que foram cassadas, as políticas que foram desenvolvidas de perseguição aos trabalhadores, indicação de nomes que foram perseguidos. Vamos encontrar aí certamente uma história muito significativa para relatar.” Após um primeiro momento de coleta de dados e documentos, “para obter um espectro maior”, terá início um processo de audiências públicas.
Representantes de dez centrais participaram do ato, que teve ainda depoimentos em vídeo de antigos dirigentes, como Derly de Carvalho, José Maria de Almeida, Nair Goulart, Raphael Martinelli, Carlúcio Castanha (morto em 2008), Vital Nolasco e José Ibrahim, que morreu em maio. Também participaram o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos Arnaldo Gonçalves e o ex-dirigentes dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (atual ABC) Djalma Bom. Também foram exibidos vídeos sobre o período da greve geral de 1983, com declarações de Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, Luiz Inácio Lula da Silva, dom Cláudio Hummes e Frei Betto, entre outros.
Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), José Luiz del Roio destacou o caráter “antinacional e, sobretudo, antitrabalhador” do golpe de 1964, que como medida nacional fez intervenção em aproximadamente 500 entidades. Para ele, o apoio do movimento sindical pode dar “inflexão de massa” à CNV. “Vamos apoiar essa comissão. Façam audiências públicas, vão às fábricas, aos sindicatos. Sem memória não existe classe operária.” Para Djalma Bom, “a sociedade brasileira tem uma grande dívida com a classe trabalhadora”.
Rosa Cardoso afirmou que fazer parte do grupo de trabalho sobre movimento sindical “é o mais importante para ela”. E classificou o movimento de 1964 como um “golpe de classe”, contra o que chamava na época de República Sindicalista. “A classe trabalhadora nos deu o mais importante presidente da República que tivemos. Por mais diferença que possamos ter, foi o que mais avançou nessa questão de reduzir a desigualdade. A classe trabalhadora não precisa de intérprete.” Na interpretação da coordenadora, “a ditadura teve um caráter de classe”, atingindo o sistema capitalismo e o “Estado desenvolvimentista de então”, adotando também uma política conhecida como arrocho salarial.
O secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, cobrou a recomposição imediata da comissão da verdade, com a substituição de Gilson Dipp, afastado por problemas de saúde, e a volta de Cláudio Fonteles, que pediu desligamento. “E todos os integrantes devem ter tempo integral. Que esses nomes se dediquem exclusivamente (à comissão) e que tenha fortalecimento necessário para abrir os arquivos.” Caso Fonteles não volte, Solaney defende a indicação de um “não notável”, ou seja, algum representante dos familiares das vítimas ou um alguém ligado ao movimento sindical.
A coordenadora da CNV disse que ainda não há definição sobre a recomposição do colegiado. “É uma exigência absolutamente normal que, diante de uma comissão que tem sete membros e está funcionando apenas com cinco, essa restauração seja imediatamente definida. De outro lado, entendemos que a presidente (Dilma Rouseff) tem vivido um momento de atender, responder e tomar medidas efetivas para responder essa situação das manifestações que têm havido no país.”
Dirigente da CSP-Conlutas, Luiz Carlos Prates, o Mancha, entregou a Rosa um dossiê sobre participação de empresas públicas e privadas na repressão aos trabalhadores e sua relação com a ditadura. Os documentos citam companhias como Embraer, Embratel, Telesp, Volkswagen, General Eletric, Mafersa, General Motors e Monark. “Não estamos falando de abstrações”, afirmou.
“A primeira coisa que vamos ver é se houve essa repressão sistemática”, disse a coordenadora. “Os indícios são fortes, mas ainda temos de analisar se são sistemáticos.”
Fonte: Vitor Nuzzi, da RBA