Debate: O desafio de representar trabalhadores frente aos impactos da tecnologia

Roberto Parizotti
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Transformações no mundo do trabalho colocam em risco os direitos e o emprego de trabalhadores. CUT promove debate e ouve experiências internacionais sobre como lidar com o novo ‘mundo do trabalho’

A tecnologia tem feito o mundo do trabalho passar por rápidas transformações nos últimos tempos. Não somente a automatização da produção, cada vez mais presente nas indústrias em todo o mundo, mas também a digitalização da economia e da comunicação têm sido tema de debates pelo movimento sindical, que vê nas mudanças um desafio fundamental: como representar a ‘nova classe trabalhadora’.

Os efeitos vão da perda de postos de trabalho às mudanças nas relações de trabalho, passando pelo surgimento de novas formas de atividades, como as que se utilizam de plataformas digitais, em que trabalhadores dependem de aplicativos para exercer suas funções, caso do Uber, Ifood e Rappi.

Para saber como outros países lidam com essa nova realidade, a CUT realizou um debate com a presença do Presidente do Sindicato Europeu de Trabalhadores nas Indústrias (IndustriAll), o alemão Michael Vassialidis. Ele destacou que a tecnologia e a digitalização são uma realidade global e em todo o planeta, a representação e defesa dos trabalhadores por sindicatos enfrenta a necessidade de se reformular.

“A Alemanha é a pioneira no conceito de ‘Indústria 4.0’, a chamada quarta revolução industrial. O país tem alto nível de industrialização e a tecnologia é elemento predominante. É importante reconhecer as mudanças, mas também saber que sem a força dos sindicatos, o custo da tecnologia recai sobre os trabalhadores”, explica Vassiliadis.

Ele diz ainda que as mudanças estão tão avançadas que “partem do chão de fábrica e percorrem outros setores, como o administrativo”. Um exemplo é a forma como o mundo se comunica. Vassiliadis observou que a forma como os sindicatos dialogam com suas bases também deve ser revista.

“A digitalização é também cultural. A forma que a empresa se comunica com seus funcionários, como os sindicatos devem dialogar, tudo passa pela comunicação e é inegável que a forma de se comunicar é fator determinante na forma como nos organizamos e tomamos decisões”.

Roberto Parizotti

FOTO: ROBERTO PARIZOTTI

Organização sindical

Como forma de adaptação ao mundo do trabalho, o sindicalista alemão cita como exemplo o que aconteceu na Alemanha, após a 2ª Guerra Mundial. Antes, os sindicatos eram organizados por empresas. Para cada empresa havia um sindicato de trabalhadores. Mas, no pós-guerra, eles se viram obrigados a alterar a estrutura para poder organizar de forma mais eficaz os trabalhadores, otimizando custos, entre outras medidas, já que os recursos eram escassos. Assim, passaram a se organizar por ramos de atividades relacionadas. A Alemanha hoje possui oito sindicatos e uma central sindical.

Para o Brasil, acredita o sindicalista, a solução não é totalmente viável por causa do número de trabalhadores e empregadores, muito maior que naquele país europeu, mas, segundo ele, é subsídio para uma nova forma de se pensar o sindicalismo.

Para Graça Costa, secretária de Relações do Trabalho da CUT este é um caminho a ser debatido. “No Brasil, em cada local de trabalho, você tem vários sindicatos representando várias categorias de trabalhadores. Com os ataques ao movimento sindical, inclusive pela questão econômica, precisamos reorganizar e seguir nessa direção”.

Ela explica que além de “fazer as lutas, é preciso unificar as estruturas e unificar a representação dos ramos, ou seja, ter um sindicato que represente a todos os que estão no local de trabalho”. Graça Costa complementa que não é uma mudança rápida, mas é preciso dar um primeiro passo.

Para a dirigente, o debate sobre as transformações no trabalho também deve passar pela forma que os sindicatos dialogam com os trabalhadores. “É preciso entender as demandas dos trabalhadores. Temos que ‘encantar’ os trabalhadores. E como se faz isso se você não sabe quais são as necessidades dos trabalhadores? ”, questiona.

Ela se refere às novas formas de trabalho, justamente os informais, e os chamados “empreendedores”, que sob a ótica do movimento sindical são trabalhadores que precisam se conscientizar que, na verdade, tem empregos precários, sem direitos.

Além disso, ressalta que a disputa de narrativa ideológica deve ser reforçada e isso se dá pela comunicação. “É dessa forma que, ela diz, que os trabalhadores serão conscientizados da importância da representação sindical. E temos que ganhar os corações e as mentes deles.”

Graça ainda lembra que “no governo Lula 20 milhões de empregos formais foram criados, mas o índice de sindicalização não acompanhou esse crescimento. Hoje, a média nacional é de 18% de sindicalizados, e algumas categorias têm até quase 100%”. Ela complementa que o exemplo dessas categorias deve ser levado em consideração para fortalecer outros ramos de atividades.

Outra forma de representação, segundo Michael Vassiliadis é os sindicatos prestarem orientação jurídica aos trabalhadores informais, forma de contratação que vem crescendo no mundo do trabalho, em especial no Brasil, em época de crise econômica sem perspectivas de melhora e após a reforma Trabalhista, que alterou cerca de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Roberto Parizotti

Michael Vassiliadis / FOTO: ROBERTO PARIZOTTI

Alemanha

Considerada em estado de ‘bem-estar social’, a social-democracia alemã também enfrenta ataques à liberdade. Cidadãos conservadores se sentem, conforme explica Vassiliadis, ‘ameaçados’ pelas conquistas sociais dos últimos anos. Ele lembra que no país, o tema ‘nazismo’, foi tabu durante muito tempo, mas já há grupos que promovem ações violentas organizadas e apoiadas, inclusive por cidadãos da antiga Alemanha Oriental.

“Na unificação das ‘Alemanhas’, eles tiveram a promessa do capitalismo, de que tudo iria melhorar. Mas o capitalismo não constrói o social. Ele destrói, e como estavam mais acostumados ao autoritarismo do regime, passaram a questionar sua condição e questionar as conquistas sociais de minorias”, diz o dirigente sindical.

Vassiliadis considera que a luta contra o autoritarismo do governo de Jair Bolsonaro (PSL), no Brasil, é algo que o movimento sindical brasileiro não pode abandonar. Pelo contrário, deve reforçar, e assim, servir de exemplo para evitar a expansão da onda conservadora mundial.

“Vocês estão, estrategicamente, no caminho certo”, diz.

Congresso da CUT

Graça Costa reforça que o 13° Congresso da Central Única dos Trabalhadores, a  ser realizado de 3 a 5 de outubro, será uma oportunidade para que discutir essas transformações.

“Precisamos apontar muitas coisas. Não podemos ser o mesmo sindicato quer éramos antes. As modificações na legislação e a questão do financiamento foram muito radicais. Sairemos com uma estratégia para resistir e sobreviver ao que está colocado para o movimento”.

Mas o principal, ela diz, é definir a estratégia de representação da classe trabalhadora como um todo, não somente de trabalhadores formais. “Como vamos representar e organizar será o norte de nossos debates. Não podemos representar somente quem é do emprego formal. Temos que ser a Central de todos os trabalhadores”, finaliza a dirigente.

 

Fonte:  CUT /  Escrito por: Andre Accarini