De mão beijada

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(Publicado no Jornal do Commercio de 29/01/08)

 

Sergio Ferolla, brigadeiro, membro da Academia Nacional de Engenharia

Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia

 

Alan Greenspan, o ex-presidente do Banco Central Americano, afirmou em seu recém lançado livro de memórias: “Entristece-me que seja politicamente inconveniente reconhecer o que todos sabem, que a guerra no Iraque é, sobretudo, por causa do petróleo”. Dessa forma, os EUA e seus aliados, dentre eles a Inglaterra, objetivavam não só garantir o suprimento do petróleo a partir daquele país, como tornar mais seguros os fornecimentos da Arábia Saudita e de outros países árabes.

 

No artigo “It’s the Oil”, do London Review of Books, Jim Holt afirma que o Iraque é a menos explorada das nações ricas em petróleo do mundo e tem 115 bilhões de barris de reservas, podendo, como estimado pelo “Council on Foreign Relations”, ter mais 220 bilhões de barris não descobertos. Ele continua dizendo que o valor do petróleo do Iraque, em grande parte leve e com baixo custo de produção, seria da ordem de US$ 30 trilhões, aos preços de hoje. E conclui que, para efeito de comparação, o custo total projetado da invasão e ocupação dos EUA é de cerca de US$ 1 trilhão, significando que, em termos de realpolitik, a invasão do Iraque não é um fiasco e, sim, um retumbante sucesso.

 

Os EUA e a Rússia travam acirrada disputa na busca de alianças com países produtores de petróleo ou que estejam na rota de seu escoamento. Depois do término da União Soviética, alianças no Cáucaso e na Ásia Central, regiões ricas em petróleo, com países desse antigo bloco, foram disputadas através de compensações comerciais e financeiras, ações diplomáticas, apelos a estratégias comuns e coerção militar. Hoje, os EUA têm alianças com a Geórgia, a Ucrânia e a Moldávia e dominam, militarmente, o Afeganistão. A Rússia tem conseguido atrair para sua área de influência o Cazaquistão, a Bielo-Rússia, o Tadjiquistão, o Quirguistão, o Uzbequistão, o Turcomenistão e a Armênia.

 

O corte de fornecimento de gás natural da Rússia a países da Europa ocidental em 2007, a pretexto de renegociar o preço do gás fornecido à Ucrânia, pode significar a intenção de lembrar a esse país e a toda Europa ocidental que não é possível esse antigo país satélite da União Soviética tornar-se um fervoroso aliado dos EUA. Nicolas Sarkozy, nas suas primeiras viagens, como presidente francês, foi à Líbia, Argélia, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Catar e Egito, para buscar garantir o suprimento de petróleo para a França, dentre outros objetivos, e a Alemanha, ao articular recente aproximação com a Rússia, também visou assegurar o suprimento futuro de óleo.

 

“O nacionalismo de recursos trata-se de uma decisão estratégica de países com recursos energéticos para usá-los em seu próprio desenvolvimento, em vez de otimizar as receitas das empresas”, afirma Roger Tissot, analista do mercado de petróleo da PFC Energy. Robert Samuelson, no artigo “Geopolitics at $100 a Barrel” no Washington Post de 14/11/07, diz que: “O barril a US$ 100 sugere uma nova era geopolítica quando a energia cara serve como uma arma política. Os produtores a usarão para facilitar as agendas nacionais e os consumidores buscarão tratamento preferencial. Nós já vemos isso no desconto do petróleo venezuelano de Hugo Chávez para aliados prioritários e os esforços frenéticos da China para assegurar suprimento garantido”.

 

Enquanto tudo isso ocorre no mundo, no Brasil, o MME e a ANP entregam o petróleo nacional para empresas estrangeiras, que irão exportá-lo, através de contratos de 30 anos de duração, obtidos nas rodadas de leilões. Além do mais, pagam poucos impostos e taxas, quando comparados aos de outros países, compram poucos bens e serviços no Brasil, enfim, trazem poucos benefícios para a sociedade brasileira. Precisamos aprender com os poderosos a dar mais atenção ao patrimônio nacional e, com visão estratégica, vislumbrando horizontes de longo prazo, impedirmos que o nosso valioso petróleo continue a ser entregue de mão beijada.