Embora a região Sudeste do Brasil esteja vivendo uma das piores crises hídricas da história, é importante apontar que a crise já existe para milhares de pessoas que não contam com acesso à água potável e nem tratamento de esgoto. Em meio a esse cenário alarmante de falta de água e alterações climáticas, existem questões estruturais a serem enfrentadas. Para agravar a situação, houve o anúncio de uma proposta polêmica – autorizada pela Agência Nacional de Águas (ANA) – de interligação do rio Paraíba do Sul (RJ) com o Sistema Cantareira (SP). Em um primeiro momento, em 2014, o governo do Rio de Janeiro se manifestou contrário, por meio do seu governador e do ex-secretário de meio ambiente, Índio da Costa; mas o governo de São Paulo se manteve favorável à medida, anunciando no dia 30 de janeiro de 2015 o edital para as obras. O presidente do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda (Senge-VR), especialista em gestão ambiental (FGV) e integrante da Comissão Ambiental Sul, João Thomaz fala sobre os gargalos da gestão hídrica do Estado do Rio de Janeiro, que foi tema do seu TCC em 2014. A matéria completa com entrevistas e dados poderá ser conferida na próxima revista da Fisenge.
Por Camila Marins
A Agência Nacional de Águas anunciou a interligação do Paraíba do Sul com o Sistema Cantareira. Qual a sua avaliação sobre a ação?
No Rio de Janeiro, o rio Paraíba do Sul é a nossa única opção. Em São Paulo, há cinco mananciais. Tenho uma ação, em curso há cinco anos, no Ministério Público Federal (MPF) para impedir a transposição do Rio Paraíba do Sul, que atende a cerca de 75% da população do Rio de Janeiro, (12.346.097 habitantes). A interligação com o Sistema Cantareira é um problema. O Plano Estadual de Recursos Hídricos já prevê a impossibilidade de mais uma transposição. O Estado do Rio de Janeiro não pode aceitar uma segunda transposição, porque não há um projeto com contrapartidas sociais, ambientais e econômicas a curto, médio e longo prazo. Uma transposição e/ou interligação comprometem a soberania hídrica do Estado.
Estamos em uma das piores crises hídricas dos últimos anos. Quais os passos emergenciais nesse momento?
Em primeiro lugar, o Estado do Rio de Janeiro precisa assumir a crise hídrica e ampliar diálogo com os comitês técnicos, os profissionais e a sociedade. O Plano Estadual de Recursos Hídricos do Rio de Janeiro, numa perspectiva tendencial, já apontava que daqui a 15 anos chegaríamos ao nosso limite, ou seja, a 99,5% de consumo. O que está acontecendo agora é um cenário antecipado deste limite causado pela estiagem. O que ocorre é uma falta de engenharia estratégica de recursos hídricos. No Rio de Janeiro, já estamos no volume morto em duas grandes represas e a tendência é piorar. Hoje, estamos com 0,5% de volume útil total. A região Sudeste, que aglutina as principais economias, está com apenas 17,5% de volume útil nos seus reservatórios para geração de energia elétrica. Com 10%, essas hidrelétricas param de operar por medida de segurança e ninguém está debatendo este problema.
Quais os riscos da diminuição da quantidade de água?
O reservatório de Santa Cecília, em condições normais, manda para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro até 160m³/s. Hoje, com a escassez estamos enviando aproximadamente 100m³/s. Para as cidades de Barra do Piraí e a jusante, a vazão é de 90m³/s e, hoje, estamos com 41m³/s. Com a redução do volume de água e a concentração de esgoto não tratado, há a proliferação de algas prejudiciais à saúde (cianobactérias), principalmente na Represa do Funil. As estações de tratamento de água aumentam a quantidade no uso do cloro e de sulfato de alumínio, que são prejudiciais à saúde e ao ecossistema. Não esquecendo que o rio Paraíba do Sul é líder em hormônios (estradiol e estriol). Essa redução também tem causado problemas da intrusão salina das águas na Baía de Sepetiba, através do canal do São Francisco, que tem comprometido o funcionamento de várias empresas, que captam a água deste canal. Estamos com sérios problemas de falta de água nas cidades do estado do rio de janeiro, perda de safras agrícolas e morte de rebanhos bovinos (Campos).
O que é preciso fazer em médio e curto prazos?
O Estado do Rio de Janeiro é campeão de vazamentos de água, nas redes públicas e privadas e há um descontrole do uso. A CEDAE/RJ tem perdas de água tratada em 50% em Duque de Caxias; 62,69% em Belford Roxo; 62,29% em Nova Iguaçu; 57,78% em São João de Meriti; 49,67% na região Sul Fluminense. Volta Redonda tem 45% de perdas de água tratada. É preciso uma campanha direta para incentivar a redução do consumo e penalizar o alto consumo. Atualmente, são as empresas e o sistema agropastoril que gastam mais água. É preciso um redirecionamento na logística de consumo hídrico. Apenas com a plantação de arroz gasta-se mais de 15m³/s que é maior o volume da segunda transposição. São Paulo já está licitando as obras num custo de R$ 800 milhões . Além disso, o Estado do Rio de Janeiro tem um dos maiores índices de não tratamento de água e esgoto. Precisamos salvar nossas matas ciliares, as microbacias, nossas minas e riachos. Se cada uma das 184 cidades dos três estados (SP, RJ e MG) despoluírem pelo menos um de seus afluentes, com vazão média de o,5 a 1,0 m³/s chegaríamos de 92 a 184 m³/s de água de boa qualidade. Os recursos naturais estão se mostrando finitos e o crescimento urbano desenfreado sem projetos de políticas públicas, moradia e mobilidade urbana estão extinguindo estes bens naturais. O poder público se torna um especialista em gerir emergências com elevados custos e sacrifícios desnecessários para toda a sociedade.
Entrevista: Camila Marins