Imersos em um dos momentos mais nefastos da história política recente do país, os brasileiros vivem a iminência de mais um duro golpe empreendido por um governo que se aproveita da gravidade da crise econômica, e dos 13 milhões de desempregados, para promover uma completa deterioração das relações de trabalho no Brasil.
A reforma trabalhista proposta pelo governo Temer e seus aliados compõe, ao lado da reforma da Previdência e do congelamento dos gastos públicos, a base de um projeto político que levará o Brasil a uma profunda depressão, ameaça que já assombra países como Grécia e Espanha, que aderiram às medidas de austeridade semelhantes. A paralisação geral no dia 28 de abril, em diversas cidades, foi um sinal de que os brasileiros sabem que o que está em jogo é o direito a uma vida digna.
Por meio de um contorcionismo retórico, o governo tenta convencer a população de que a retirada de direitos e o aumento da “liberdade” de negociação entre patrões e empregados vão melhorar a vida do trabalhador e gerar novos empregos. Toda essa “boa vontade” da gestão Temer tem objetivos claros: a redução do custo da mão de obra e a sonegação de direitos trabalhistas, permitindo a superexploração do trabalho em todos os níveis de atividade. Até mesmo economistas alinhados à política econômica do governo admitem que a geração de novos empregos depende fundamentalmente da recuperação da economia e da capacidade em gerar demanda por bens e serviços.
Com o apoio de uma das legislaturas mais patronais e conservadoras da História do Congresso brasileiro, usam o PL 6787 para criar uma legislação trabalhista ao gosto dos grandes grupos econômicos, os mesmos que patrocinaram a ascensão de Temer e de boa parte dos parlamentares que o apoiam. Um grupo ansioso por maximizar margens de lucro e dispor de uma mão-de-obra barata e fragilizada.
Não por acaso, uma a cada três emendas acrescidas ao projeto original enviado pelo Executivo foi assinada por lobistas que representam os bancos, as grandes indústrias e entidades de transporte, segundo levantamento do site Intercept Brasil. São propostas que preveem restrições a ações trabalhistas, entraves para reconhecimento das responsabilidades do empregador, permissão de demissões em massa sem a necessidade de qualquer acordo, trabalho intermitente, entre outros ataques à CLT.
O desinteresse em promover uma ampla discussão com a sociedade e as centrais sindicais ficou mais evidente na votação a toque de caixa promovida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o mesmo que defendeu publicamente que a Justiça do Trabalho “não deveria sequer existir”. Com emendas que ignoram a realidade do trabalhador brasileiro, na prática, o que se propõe é o fim dos sindicatos e da Justiça Trabalhista, cuja atuação plena já se encontra severamente prejudicada por cortes em seu orçamento, determinados pelo mesmo Congresso, e que já causam o fechamento de tribunais e redução do atendimento à população.
A prevalência do chamado negociado sobre o legislado, em que o acordado individualmente entre patrão e empregado prevalece sobre o que determina a lei, representa um retrocesso do sistema de proteção social a um patamar inaceitável. A Constituição já prevê essa possibilidade de acordo entre as partes, desde que não implique em perdas de direitos previstos pela legislação. Sem uma legislação que proteja adequadamente os trabalhadores, a corda vai, mais uma vez, arrebentar para o lado mais fraco.
Que poder de convencimento teria o empregado em negociar melhores condições de trabalho isoladamente com seu empregador? É acreditar que Davi terá sempre condições de derrotar o gigante Golias. A proposta de reforma ainda prevê a asfixia dos sindicatos com o fim sumário do imposto sindical, atingindo tanto os que não têm representatividade e usam desse recurso para fins alheios a sua missão, quanto os que construíram sua história com seriedade e baseados na luta por direitos dos seus representados.
A população brasileira não deve arcar com os castigos impostos pela cartilha de austeridade para conter a crise. Não podemos assistir a mais esse golpe de braços cruzados, divididos pela polaridade ideológica que tem caracterizado o debate político no Brasil. É preciso reagir para conter mais esse ataque, em nome do futuro das próximas gerações.
Roberto Freire é vice-presidente da Federação Interestadual de Sindicatos dos Engenheiros (Fisenge)