No dia 29 de janeiro o Núcleo Piratininga de Comunicação, famoso pólo de formação de trabalhadores para a importância da comunicação sindical, propôs no FSM2009 a oficina “Mídia e criminalização da pobreza e dos movimentos sociais”. A oficina contou com a participação da estudante de Comunicação Social e editora do jornal comunitário O Cidadão, Gizele Martins, de Jorge Santos, articulador social das comunidades da Baixada de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, do sociólogo Guilherme Marques, de Luciene Silva, mãe de adolescente executado na chacina da Baixada em 2007, do escritor Vito Giannotti e da jornalista Claudia Santiago.
Claudia Santiago abriu a oficina falando sobre o papel da imprensa comercial em manter à margem da sociedade as camadas mais populares. “A mídia tem um papel central no convenci,ento de que os jovens moradores de favelas são perigosos”, afirmou. A jornalista explicou que o objetivo da oficina era o de conhecer pessoas e realidades de outras comunidades do Brasil e propor soluções e lutas comuns.
A estudante Gizele Martins, que mora na Maré, complexo de 16 comunidades localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, fez um diagnóstico sobre a posição econômico-social que os jovens moradores de comunidades enfrentam. “Infelizmente a faculdade pública não foi feita pra mim e nem para os moradores das favelas do mundo. Nessas instituições entram apenas aqueles que têm condições de pagar uma faculdade particular. E nós, que desde o ensino básico sofremos com a baixa qualidade do ensino, somos muitas vezes obrigados a parar uma faculdade, quando temos alguma condição financeira”, desabafou.
Para a jovem, os direitos básicos garantidos pela Constituição como saúde, educação, habitação, saneamento, lazer não fazem parte do universo da maior parte dos pobres do país. “Essa Constituição não é feita para o pobre, para o trabalhador, para o negro. A mídia coloca que nós somos o problema da sociedade. No entanto choramos todos os dias lágrimas de sangue porque a violência bate diariamente às nossas portas! Violência policial, violência da ausência de direitos. Somos produto de um sistema, da falta de políticas, da ausência do Estado”, afirmou a jovem.
Gizele expôs o drama sofrido pelos moradores de Mandacaru, uma das comunidades da Maré com mais baixo IDH. Lá não existe saneamento, água potável, eletricidade ou casas de alvenaria. “As pessoas lá vivem completamente na miséria, mas é a única alternativa que lhes sobra”, disse.
Ela também citou o recente assassinato do menino Matheus Rodrigues, de 8 anos, por policiais na porta de casa quando saía para comprar pão. “Vi as pessoas protestarem, pedirem seu direito de ir e vir, seu direito a vida. Entendi que não precisamos ser letrados para sabermos que temos direitos e que podemos reivindicá-los”, falou Gizele, que arrancou lágrimas da platéia.
A jovem estudante encerrou sua fala citando a frase do governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral Filho, que em meio a discussões sobre legalização ou não do aborto soltou a seguinte frase: A mulher da favela é o útero do tráfico. A favela, hoje, é fábrica de marginais”.
“A Baixada simplesmente não existe”
Luciene Silva, mãe de adolescente assassinado em 2007 em Nova Iguaçu, na chacina da Baixada, quando um grupo de policiais milicianos exterminaram 29 pessoas numa mesma noite, alertou: “Se as favelas cariocas e de outros lugares do país são discriminadas, a Baixada Fluminense simplesmente não existe! Somos esquecidos pela mídia, os jovens não tem oportunidade de emprego porque a passagem da Baixada para o centro do Rio é muito cara. Não temos direito à saúde, educação, transporte, emprego”, afirmou.
A mãe também colocou o sofrimento de outras mães que como ela perderam seus filhos e não podem nem ao menos registrar queixa na delegacia. “As mães perdem seus filhos e são obrigadas a enterra-los caladas. Quando têm esse direito, pois existem mães e pais que já procuram os corpos de seus filhos há quatro, oito meses. Não temos mídia nem mesmo para falar dos problemas que acontecem. Se criminalizam os moradores de favelas, simplesmente nos esquecem, nos ignoram. Nem mesmo o FSM está tendo o respeito que deveria pela mídia”, declarou.
Ela encerrou sua fala dizendo que é preciso que reconstruamos uma mentalidade humana. “Estamos completamente desumanizados. O imposto que saiu do meu bolso pagou a bala que matou meu filho. Não adianta apenas falarmos, nos compadecermos das histórias e continuarmos de braços cruzados”, concluiu.
Expulso do campo e da cidade
Jorge Santos colocou aos participantes sua experiência como morador de comunidades do Rio de Janeiro, além de explicitar a principal razão pela qual saiu do interior do Espírito Santo para tentar a vida na cidade grande. “Eu era moleque e todos os dias via uma televisão imensa dizer que eu seria feliz se fosse para o Rio, que praias e mulheres de biquíni eram coisas ótimas. Aquela tela me dizia que o caminho da prosperidade, onde eu me tornaria alguém de verdade, era o Rio de Janeiro”, contou.
A decepção para Jorge veio no momento em que ele se deparou com a realidade. “Muitos bairros estavam em expansão, só que faltava a eles a mão-de-obra, o trabalho braçal, e eu era o burro de cargas da vez”, disse. Hoje ele trabalha com articulações sociais da região da Baixada de Jacarepaguá. “Chegamos lá para construir os bairros que hoje conhecemos como Recreio dos Bandeirantes e Barra da Tijuca. Agora estão dizendo que nós invadimos. Hoje perdi meu vínculo com o campo e o capitalista também não precisa mais de mim na cidade”, lamentou.
Déficit urbano
O sociólogo Guilherme Marques, o Soninho, trouxe dados importantes para a discussão. Segundo o estudioso, que faz doutorado na UFRJ, existe um déficit de 8 milhões de casas para a população carioca. A grande contradição é que cerca de 6 milhões de unidades habitacionais estão vazias no Rio de Janeiro. Desse número pelo menos 500 mil estão localizadas em prédios públicos. “Precisamos, com urgência, de uma reforma urbana. Não dá pra ficar nessa. Se as famílias invadem, elas estão indo contra a propriedade privada, portanto contra o capital, e aí são consideradas criminosas. Ninguém leva em consideração que habitação também é necessidade básica, de sobrevivência, inclusive”, afirmou.
Ele encerrou sua fala traçando um paralelo entre este diagnostico e o papel da mídia. “A mídia criminaliza, despolitiza, desarticula, gera um apartheid social. Criminaliza, inclusive, todos os movimentos sociais que lutam a favor da igualdade, que têm suas bandeiras pautadas na luta das populações mais pobres, nos direitos humanos”.
Instrumento de convencimento
Vito Giannotti explicou que a mídia comercial tem claro o papel de acusar os movimentos sociais e populares de contribuírem para o crime e de criminalizar a pobreza. De acordo com o escritor, esta mentalidade tem origem com a ascensão do capitalismo. “Os trabalhadores são úteis, afinal são eles que geram o lucro, mas têm que ser mantidos sob controle porque são ‘perigosos’”, disse.
No Brasil, explicou Giannotti, a tradição de exclusão do pobre e negro tem origem na escravidão. “A escravidão acabou, mas o processo continua até os dias de hoje, só que agora de forma velada”, disse.