Companhias líderes medem antes suas emissões poluentes

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Na 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima, que acontece em dezembro, em Copenhagen, Dinamarca, espera-se definir o chamado “pós-Kyoto”, um novo conjunto de normas para o mercado de carbono a partir de 2012. Para tratar das demandas e perspectivas dos empresários com relação ao tema, o francês Claude Fussler chega ao Brasil neste mês para o encerramento da Conferência Internacional Ethos 2009. Expert em inovações nos negócios e gestão com foco na sustentabilidade, ele estudou engenharia química em Lyon, França, e atuou na Dow Química, onde foi vice-presidente.  

Diretor do Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês) e do programa Pacto Global, da ONU, foi convidado a dirigir a iniciativa Caring for Climate (C4C), que busca engajar as empresas no combate às mudanças climáticas globais. A seguir, os principais trechos da entrevista para o Valor. 
Valor: Durante mais de 30 anos, o sr. atuou na Dow Química, companhia de um setor pioneiro na atuação responsável. Como se envolveu nessa área?
 

Claude Fussler: Em meu primeiro dia na Dow Química, em 1971, na França, meu chefe examinou meu carro e ordenou que eu instalasse cintos de segurança, algo que se tornaria lei no país só dois anos depois. Foi minha primeira vivência numa corporação global em que normas de segurança, inclusive as ambientais, são mais restritivas de que as leis locais. Sim, havia dilemas para promover inovação, e modos para proteger a vida e o ambiente, sem comprometer competitividade e rentabilidade. Mas nunca fui pressionado a comprometer princípios éticos em favor do lucro. A Dow foi líder na implementação de um amplo programa de atuação responsável. Pessoalmente, desenhei o primeiro relatório ambiental nessa área.  
Valor:
O programa Caring for Clima (C4C) atende ao grande desafio do combate às mudanças climáticas. Mas, até agora, só uma pequena parcela de empresas aderiu. Como engajar mais companhias? 
 

Fussler: Esse programa foi lançado em 2007 por Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU. Cerca de 400 empresas já subscreveram. No início deste ano, disponibilizamos no site www.unglobalcompact.org um estudo sobre como o compromisso vem sendo operacionalizado. É impressionante a aposta na inovação. Também se nota a opção de adotar metas. A maioria prefere a abordagem clássica, de metas graduais, viáveis, em consonância com a legislação. Um número menor defende o ´carbono zero´. Além da característica de cultura inovadora, essas companhias entendem que, se cumprirem antes a recomendação dos cientistas de reduzir emissões em 80%, evitarão pressões futuras e ganharão uma credibilidade que se tornará vantagem competitiva para a marca. 
 

Valor: Como as companhias que aderiram ao C4C definem suas metas e ações voluntárias? 

Fussler: Tipicamente, companhias líderes medem, primeiro, as emissões de gases-estufa, tanto de seus processos de produção, quanto pelo uso de meios de transporte e do produto ou serviço na fase de consumo. Também investem na motivação de funcionários e em ferramentas para medir e comunicar progressos realizados. E definem metas ambiciosas de eficiência energética. Além disso, buscam incentivar o uso de fontes renováveis de energia, seja pela compra de certificados de “energia verde”, ou mecanismos para que fornecedores adotem fontes mais limpas. Por fim, compensam emissões que não podem evitar, usando mecanismos financeiros previstos nos acordos internacionais.  

Valor: Como ampliar a adesão?  

Fussler: O caminho para a economia do carbono-neutro é uma jornada de inovações, sensibilização pública e cooperação global. Ele enriquece a cultura da empresa, que se torna agente da sustentabilidade no longo prazo, e ganha competitividade no curto prazo. A maioria dos signatários do C4C entende que não pode avançar sem a garantia de políticas públicas que exerçam pressão sobre os demais, para que também busquem o patamar de baixas emissões. Por isso, quem está à frente busca comunicar seus progressos e incentivar tomadores das decisões políticas para que estabeleçam metas ambiciosas na área climática. 

Valor: Quais as reivindicações das lideranças empresariais quanto aos aspectos regulatórios que estarão em discussão em dezembro, na conferência das partes da Convenção do Clima?

Fussler: Realizamos a Cúpula Empresarial de mudanças climáticas, em maio, que terminou com um chamado aos governos, para que definam metas ambiciosas para o pós-Kyoto. Precisamos estabelecer indicadores de emissões e regras claras para o mercado de carbono, de modo a estimular investimentos e a mensuração dos riscos econômicos. Os verdadeiros líderes empresariais defendem isso, bem como o respeito às necessidades de desenvolvimento das economias emergentes e um esforço comum para deslanchar tecnologias que reduzam as emissões. Empresários são treinados a reagir a sinais econômicos, a preferir manter equipamentos obsoletos, enquanto possível, em vez de apostar no novo. Se o governo toma a dianteira, com normas e instrumentos econômicos que favoreçam quem reduz as emissões, empresas e pessoas que não aderiram até hoje podem surpreender com um desempenho além das expectativas. 

Valor: Qual o impacto da crise econômica, para o investimento no combate às mudanças climáticas?  

Fussler: É animador ouvir e ler sobre o consenso entre as empresas, governos e peritos que esta crise econômica pode ser resolvida com investimentos, por exemplo em tecnologias mais limpas. Grande parte dos pacotes de recuperação têm uma reserva para elas, que somaria US$ 420 bilhões, segundo estimativa de um estudo do HSBC. Não é só para mudanças climáticas, mas também, por exemplo, ecoeficiência. Isso sinaliza que poderemos sair da crise com uma economia mais robusta. Claro que também precisamos de mais transparência e uma melhor governança, como aprendemos do modo mais duro. 

Valor: Qual mensagem do C4C o senhor trará para as lideranças empresariais no Brasil? 

Fussler: Em maio, nove empresas Brasileiras e 22 de outros países latino-americanos aderiram à C4C. É fascinante observar o interesse crescente das empresas líderes na China, Índia, África do Sul e América Latina. O “Norte”, como nós chamamos, não tem todas as soluções e é muitas vezes prejudicado pela herança de uma infraestrutura antiga. Portanto, a liderança na área climática pode emergir de grandes e novos mercados, como o Brasil.

Fonte: Valor Econômico
Silvia Czapski, para o Valor, de São Paulo