Como os futuros engenheiros pensam o seu sindicato e o movimento sindical do amanhã

Estudantes de engenharia do Coletivo Força Motriz oferecem um olhar da geração Z ao sindicalismo, enquanto vivem entre medos, incertezas e a constatação de que estão sozinhos em um mundo do trabalho cada vez mais precarizado e informal

Na posse da diretoria do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro, um grupo de pessoas se destacava no auditório lotado. Em meio à maioria de engenheiros e engenheiras aposentados ou em fase avançada de carreira, os jovens na casa dos 20 anos — estudantes de engenharia do Coletivo Força Motriz (CFM), escritório modelo de engenharia popular parceiro do Senge RJ no Curso André Rebouças para estudantes negros e periféricos — representavam mais do que a presença de companheiros na luta contra a elitização das engenharias. Simbolizavam, ao mesmo tempo, esperança e desafio.

Eles e elas estão no centro de uma das questões mais urgentes para um movimento sindical que vem decrescendo continuamente na última década: como renovar os quadros e, assim, manter viva a organização dos trabalhadores da categoria em torno da conquista e garantia de direitos e, para além das pautas corporativas, como fortalecer os sindicatos como espaços de organização e de lutas sociais e políticas.

A esperança de renovação encontra uma barreira que, até então, todo o movimento associativo ainda não conseguiu superar: a dificuldade de conquistar mentes e corações de gerações que vivenciam hoje um mundo do trabalho totalmente distinto daquele em que os sindicatos surgiram — e onde a importância da organização coletiva e da militância por trabalho digno parecia mais real, mais próxima, mais possível.

“O desafio é amplo. Tem a ver com a renovação das pautas do movimento sindical. A conjuntura brasileira das relações de trabalho mudou radicalmente nos últimos anos. A uberização surgiu em todos os espaços, as terceirizações se aprofundaram e a ‘PJotização’ foi catapultada, driblando leis e garantias que o movimento sindical conquistou historicamente. Nesse cenário, é importante dar centralidade a pautas como a redução das jornadas de trabalho, o salário mínimo profissional, reconectar os sindicatos à realidade de quem realmente precisa deles: aqueles que estão acostumados com o desemprego, com a informalidade, com a precarização. Essas novas gerações não veem os sindicatos discutindo isso”, aponta Pedro Monforte, diretor do Senge RJ.

Levi de Oliveira Pires Neto, coordenador do CFM e Pedro Enrique Monforte, diretor do Senge RJ.

Recém-formado, Monforte faz a ponte entre o sindicato e os estudantes que integram o Coletivo Força Motriz, movimento estudantil que, em parceria com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), Senge RJ e Clube de Engenharia — com patrocínio da Mútua — oferece cursos de reforço e preparatórios para provas de Cálculo, matéria responsável pela eliminação de grande número de universitários já nos primeiros anos da faculdade.

Pedro destaca que, embora a distância do movimento sindical da vida dos engenheiros e estudantes prestes a ingressar em um mercado de trabalho distorcido pelo neoliberalismo seja um problema central, o cenário nacional e características da categoria também impõem desafios.

“A economia brasileira passou, desde o golpe, por um grave processo de desindustrialização, que tem a ver com o rentismo, com os grandes bancos que buscam rentabilizar a economia, desacelerando sua fração industrial. A indústria é impactada e a engenharia, diretamente prejudicada. Temos menos empregos e mergulhamos na informalidade. As novas gerações já se acostumaram com essas novas relações de trabalho e não veem o sindicalismo discutir isso”, destaca Monforte.

O amanhã incerto do futuro engenheiro

As contas não fecham: com projetos de desenvolvimento ambiciosos — e dignos do tamanho e do potencial do país — o Brasil sonha com um crescimento soberano irrealizável sem a engenharia. Ao mesmo tempo, a procura pela universidade na área diminui ano a ano, assim como o número de engenheiros formados. Os motivos são muitos, mas a incerteza se destaca.

“As mudanças estão acontecendo muito rápido e nós não sabemos como lidar com elas. Em algumas engenharias, como na minha área, da tecnologia, da computação, houve um aquecimento, e se vendeu a ideia de que encontrar empregos seria algo fácil. Mas a realidade não é bem essa. Após a pandemia, houve uma queda acentuada nas vagas e acompanhamos muitas rodadas de demissões, principalmente em grandes empresas. Isso preocupa, porque não sabemos se iremos, depois de formados, trabalhar na nossa área.”

Solenidade de posse da diretoria do Senge RJ para o triênio 2025-2028.

A declaração é de Jonathan Teodoro, que, cursando Engenharia da Computação, divide suas preocupações entre as provas e a ansiedade por um futuro incerto e, provavelmente, precarizado.

“Há muito medo do trabalho precarizado, dos freelas. Há quem entenda que essas relações de trabalho são boas, resultado de uma glamourização do empreendedorismo. Mas mesmo os que sabem que, na verdade, abrem mão de direitos importantes, não têm alternativa, já que todos se submetem à precarização. A luta diante desse tipo de contratação deveria ser de reconquista de direitos, pensar em maneiras de mediar de alguma forma esse tipo de relação profissional”, aponta Jonathan.

Júlia Matos, estudante de Engenharia Ambiental, convive com as mesmas dúvidas. Segundo ela, a precarização do trabalho causa medo a quem terá que enfrentar o mercado nos próximos anos.

“Vemos uma desvalorização crescente dos profissionais, especialmente entre os recém-formados, além de um distanciamento entre a formação técnica e os problemas concretos enfrentados pela população.”

A falta de diversidade na categoria também é fonte de constante inquietação. Júlia aponta que o cenário majoritariamente branco, masculino e elitista limita muito o potencial transformador da engenharia.

“Essa mudança dentro da engenharia como campo passa necessariamente pela inclusão das mulheres negras, indígenas e periféricas, que precisam estar nos espaços de decisão e produção técnica. A engenharia foi pensada e ocupada majoritariamente por homens brancos. Isso aparece muito nas prioridades, na linguagem e até nas soluções propostas pela área. É preciso enfrentar o machismo estrutural dentro das universidades, que em muitos momentos mostra para a gente que aquele não é o nosso lugar. Acontece nos estágios, canteiros de obra e escritórios. Por isso, garantir ambientes seguros, igualitários e que tenham representatividade de todas as pessoas que compõem a sociedade é tão importante”, destaca.

Um futuro para os sindicatos

Se os estudantes das diversas engenharias carregam o medo pelo futuro como característica comum, a organização para fortalecer a categoria e se proteger da precarização que domina o mercado seria, em teoria, um caminho óbvio. Mas não é. Com as associações em queda, a única estatística que segue estável é a que aponta a baixíssima adesão de profissionais das gerações Millennial e Z.

Os estudantes do escritório de engenharia popular Coletivo Força Motriz com o presidente do Senge RJ, Clovis Nascimento

O problema não é novo e vem sendo debatido mais intensamente há pelo menos uma década no movimento associativo e sindical. Os resultados, no geral, ainda são inconsistentes. O Senge RJ vem avançando na questão através do Curso André Rebouças, realizado em parceria com o Coletivo Força Motriz. Com a atuação direta junto ao sindicato, o CFM conquistou, nas últimas eleições, mais uma vaga na diretoria, com Douglas Fortunato. O curso vem sendo a porta de entrada dos estudantes no movimento sindical.

Contato feito, presença marcada na posse da diretoria, representantes eleitos: agora, os estudantes de engenharia têm uma referência sobre a atuação do Senge RJ e pontes diretas com a diretoria do sindicato. A participação efetiva, no entanto, avança lentamente.

A menos que a precarização das relações de trabalho seja refreada, o papel histórico dos sindicatos vai sendo substituído no imaginário de seus futuros militantes. Hoje, quando pensam no movimento sindical, quem já espera não ter direito algum imagina um espaço de organização voltado à complementação da formação acadêmica, à formação política e à atuação preponderantemente social.

É o que pensa Levi de Oliveia Pires Neto, coordenador do CFM. Para ele, o sindicato pode se consolidar como um espaço de complementação da formação dos futuros engenheiros, ajudando-os a acessar estágios e experiências de extensão, enquando conscientizam sobre o seu papel na sociedade:

Acredito que ações voltadas para orientar os estudantes de engenharia, sobretudo no que se relaciona a estágios e experiências de extensão, que promovem o crescimento desses estudantes, são fundamentais. Entendo que os melhores temas a serem abordados pelo sindicato neste sentido seriam estágio e extensão, principalmente ligados à construção do profissional e seu papel na sociedade. Também é muito importante destacar ações relacionadas à formação desses estudantes, como o Curso André Rebouças, o curso de arduino Básico oferecido pelo Força Motriz ou outros cursos complementares, por exemplo.

Para Júlia e Jonathan, os sindicatos devem ser um espaço com gestão mais horizontal e atentos às demandas de grupos marginalizados e minorias sociais. Renovar as pautas, dando centralidade a temas como a redução das jornadas, a organização de autônomos e informais, e a busca por uma categoria menos elitista e mais igualitária estão entre os pontos que compõem a visão do que seria um sindicalismo que atrai o jovem engenheiro e estudante.

“Uma coisa que fica muito clara pra mim, enquanto jovem, é que muitos sindicatos do Brasil parecem ainda presos em uma lógica do passado — tanto na organização interna quanto nas pautas que priorizam. Eles precisam se conectar com as pautas da classe trabalhadora, entendendo os novos modos de organização das gerações mais novas. Precisam ser criados espaços mais horizontais e acolhedores, e precisam escutar mais as demandas das mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIAPN+ e pessoas periféricas. Incorporar causas que nos mobilizam, como o acesso à moradia, o direito à cidade, a justiça climática, a equidade de gênero, o antirracismo — pautas sem as quais é impossível causar mudanças reais na sociedade. Os meios digitais precisam ser ocupados de maneira mais estratégica, não só para divulgação, não só para informar de curso e palestra, mas como espaços de construção coletiva. Nossa juventude quer pertencer, quer ter noção do impacto das coisas que podemos fazer. O movimento sindical é a ferramenta que tem o poder de oferecer essas coisas, mas é preciso sair da zona de conforto, construir junto com quem está chegando agora”, destaca Júlia.

Créditos do texto e imagens: Senge RJ