Com exceção de um, conhecido como a Casa do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, todos eram palco de torturas e mortes de militantes contrários ao regime militar
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) identificou 17 centros clandestinos da repressão durante o período da ditadura. Com exceção de um, conhecido como a Casa do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, todos eram palco de torturas e mortes de militantes contrários ao regime civil-militar.
Em audiência pública nesta segunda-feira (7), a pesquisadora Heloísa Starling, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), apresentou sete locais que vêm sendo investigados pela CNV e outros dez que foram mapeados como antigos centros de repressão entre 1970 e 1975 no estados de Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Sergipe, Ceará, Pará e Distrito Federal. Os centros estavam diretamente vinculados aos comandos dos órgãos de inteligência e repressão do Exército (Centros de Informações do Exército – CIE) e da Marinha (Centro de Informações da Marinha – CENIMAR), assim como organismos de natureza policial militar, como os CODI (Centros de Operação e Defesa Interna) e DOI (Destacamentos de Operação interna).
“Tanto a criação como o funcionamento regular são resultado de uma política das Forças Armadas”, afirmou Starling. “Não são estruturas autônomas, não são subterrâneas nem de milícias ou grupos paramilitares. Eram parte de uma estrutura de inteligência e repressão que obedecia ao alto comando das Forças Armadas.”
Apesar de a Casa da Morte, em Petrópolis, ser conhecida por práticas macabras de tortura e desaparecimento forçado de 14 militantes, o centro clandestino onde mais morreram opositores do regime foi a chamada Casa Azul, em Marabá, no Pará. Nela, 24 militantes morreram, sendo 22 filiados ao PCdoB e outros dois camponeses que se juntaram à luta armada, entre 1972 e 1973. “Ninguém sobreviveu à Casa Azul”, reforçou Starling.
Além da Casa Azul e da Casa da Morte, da qual apenas Inês Etienne Romeu saiu com vida, a CNV investiga a Casa de São Conrado, no Rio de Janeiro; a Fazenda 31 de Março, ao sul da represa de Guarapiranga, na Grande São Paulo; a Casa de Itapevi, também em São Paulo; a Casa no Bairro Ipiranga, que servia como centro de recrutamento de infiltrados para o Exército; Casa do Renascença, em Belo Horizonte. Foram mapeados ainda os centros clandestinos Casa em Olinda; Casa da Vila Militar em Goiânia; Sítio de São João de Meriti; Casa em Recife; Casa em Fortaleza; Sítio entre Belo Horizonte e Ribeirão das Neves; Fazendinha, no município baiano de Alagoinhas; Sítio do Triângulo Mineiro; Sítio em Sergipe; e Apartamento em Brasília, no bloco J da superquadra 104 Sul.
“A ditadura não podia usar o procedimento dessa exceção de legalidade que assumiu com o regime”, disse Starling. “Assim, ela criou uma série de práticas que ferem a legalidade de exceção que criou, com desaparecimento, extermínio e tortura nos interrogatórios.”
Segundo a pesquisadora, uma das colaboradoras da CNV, centros clandestinos eram propriedades privadas cedidas por proprietários que funcionava como órgãos de tortura e não podem ser confundidos com quartéis e delegacias. Ela explicou que esses locais tinham como atribuições a eliminação de pistas que levassem à identificação dos militantes presos, como digitais, arcadas dentárias ou mesmo dos próprios corpos, e as circunstâncias em torno da prisão, tortura e morte desses. “Os centros clandestinos não eram utilizados à margem do Estado, mas fizeram parte de uma política pública de tortura do regime”, observou o coordenador da CNV, Pedro Dallari. “Trata-se de um política de Estado e não apenas excessos ou acidentes.”
Convocado para depor, o ex-agente acusado de tortura Dirceu Gravina falou em privado com os integrantes da CNV. Aos 65 anos de idade, atualmente Gravina trabalha como delegado no Departamento de Polícia Judiciária de Interior 8, em Presidente Prudente, interior do estado de São Paulo. Ele tinha 22 anos quando começou a praticar os crimes, nos anos 1970, segundo a comissão.
Conhecido como JC, em alusão a Jesus Cristo, pois tinha cabelos compridos e usava cavanhaque e crucifixo, ele serviu no DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, sob o comando de Carlos Alberto Brilhante Ustra, provavelmente entre 1970 e 1972. Foi denunciado em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, ajuizada em agosto de 2010, por casos de tortura, sequestro, morte e desaparecimento.
“O depoimento apresentou várias contradições”, contou o advogado José Carlos Dias, da CNV. “Ele usou muito a palavra “deus”, crença no “espírito santo”. Negou ter torturado e procurou se esquivar o tempo todo. Resolvemos encerrar o depoimento porque ele estava absolutamente perdido.”
Presente à audiência, a ex-militante da ALN Darci Miyaki lembrou ter sido torturada mais de uma vez por Gravina. “O codinome dele era JC. Ele chegava na sala de tortura e dizia: ‘Eu sou Deus. Tenho poder de vida ou morte sobre você.’”
Segundo a advogada e membro da CNV Rosa Cardoso, Gravina “acha inconfessável o que fez no passado”. “O que ficou claro para nós é que ele vive o conflito de sentir que filhos e netos ficam envergonhados com o que fez.”
Forças Armadas. Peça fundamental no esclarecimento das violações de direitos humanos na época da ditadura, as Forças Armadas anunciaram na semana passada terem instaurado comissões de sindicância para investigar o uso de instalações militares para repressão e tortura. As sindicâncias, que haviam sido requeridas pela CNV em fevereiro, foram confirmadas no dia 1º de abril pelo ministro Celso Amorim ao telefonema a Dallari.
“Pela primeira vez há assunção do dever de investigar das Forças Armadas”, disse Dallari sobre a disposição dos militares. “Eu quero crer que em algum momento as próprias Forças Armadas tomem a iniciativa de patrocinar investigações dessa natureza.”
Escrito por: Marsílea Gombata – Carta Capital